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De professora a homenageada



Em suas homenagens, a Feira do Livro de Santa Maria busca sempre ter um educador: uma figura que é relevante para a estruturação da escola e da própria leitura. Entre os que já foram agraciados pela Feira, estão professores como Maria Luiza Remédios e Maria Albuquerque; e, na edição deste ano, é a professora Amanda Scherer que recebe a homenagem.

Amanda Sherer é há 41 anos professora. Ela se formou em Língua Francesa e se especializou em Língua Portuguesa pela UFSM, onde atualmente leciona para graduação e pós-graduação em Letras. Amanda foi também professora de escolas de ensino público em Santa Maria, como a Escola Industrial Hugo Taylor, a Escola Municipal Duque de Caxias e a Escola Estadual Cilon Rosa. Seu direcionamento para o estudo da linguística e da língua francesa a levaram a estudar na França, onde se graduou em Linguística Geral pela Université de Paris VIII e se tornou mestre e doutora em Linguística, Semiótica e Comunicação pela Université de Franche-Comté.

No dia 10 de Maio, às 17 horas, Amanda lança na Feira dois livros para os quais contribuiu com textos. “Linguagem e Historicidade”, da Editora RG e organizado pelas professoras Débora Massamann e Greciely Costa; e “História das Ideias (diálogos entre a linguagem, cultura e história)”, organizado pela professora Ana Zandwais e lançado pela Editora da Universidade de Passo Fundo. No mesmo horário, ela também estará apresentando dois outros livros. “Sociedade da Imagem” de autoria de sua orientanda, Caciane Medeiros; e “Manuscritos de linguistas e genética do texto: um exemplo a partir dos papiers de Emile Benveniste”, que é uma tradução feita por seu grupo de pesquisadores da obra da autora Irène Fenoglio.

Em entrevista, Amanda Scherer comenta mais sobre suas áreas de interesse, sua docência além da homenagem recebida na Feira do Livro de Santa Maria. 

Laíssa Sardiglia – Como é ser a professora homenageada da Feira do Livro desse ano?

Amanda Scherer – Pra mim, realmente é uma surpresa. E, como eu tenho dito, a Feira tem 40 anos de edição e eu tenho 41 anos de magistério. Então, as nossas histórias mais ou menos se cruzam. E eu sou uma professora antes de qualquer coisa, na noite de abertura, eu disse. Fui, sou e serei sendo uma eterna professora. É prazeroso saber disso, mas ao mesmo tempo é uma responsabilidade imensa. Porque é um sujeito que é pensado numa totalidade que é imensa e que é importante pra sociedade como um todo.

L.S. – Como você chegou a ser professora de línguas?

A.S. – Essa é uma pergunta que eu comecei a me fazer, quando eles me pediram para apresentar a minha vida para a Feira do Livro num resumo. Eu penso que tem uma coisa que é fundamental aí, que é a questão da linguagem. A relação língua e linguagem, que é uma coisa que sempre me fascinou. Hoje mesmo, eu dizia em aula que quando eu comecei a me dar conta que eu saia de casa para ir para outro lugar, que não era a casa, foi para a escola. Eu fazia, assim, um bicho de sete cabeças. Não era escola, não tinha essa representação do que é hoje. Então, meu pai e a minha mãe começaram desde cedo e, nesse tempo, foi dada uma importância monstruosa para esse outro lugar que eu iria. E eu devo ter construído um imaginário monstruoso também, de alguma coisa inacessível. E eu me lembro que o primeiro dia de aula teve toda aquela apresentação. Eu estudei no Sant’ Anna [Colégio Franciscano Sant’ Anna]. A primeira coisa mais importante que aconteceu foi a entrada de uma cartilha, que eu não tinha ideia do que era isso, e do aprendizado da escrita. E a primeira frase desses primeiros dias de aula era “A pata nada”. E eu dizia “Gente, meu pai e a minha mãe gastaram tanto para me trazer num lugar pra descobrir que a pata nada!”. No meu pátio, a pata nadava. Então, eu acho que já começa em mim essa interrogação sobre o que é linguagem, o que é língua, que fenômeno é esse que regula ao mesmo tempo as nossas relações e que também desregula as nossas relações. E isso acho que me carregou para o resto da vida.

L.S. – Quando surgiu essa relação com a língua?

A.S.- Na escola, isso começou. Mas começou também quando criança, primeiro porque a minha mãe tinha uma fascinação por línguas estrangeiras.  Ela era secretária bilíngue do Hotel Jansen. Depois, a relação na família da minha mãe, que era uma família mais burguesa. E essa relação sempre de um falar mais restrito à família, menos elaborado, e um falar mais burguês, mais pedante. Mas tem uma outra coisa também que sempre me fascinou. É que, quando a gente era pequeno e que ia a praia, a gente ia pra uma casa muito grande em Mariluz-RS, toda família Scherer ia nessa mesma época. E quem cuidava da gente era uma senhora que, pra mim, ela era muda, mas era muito estranho a mudez  dela. Depois eu vou saber, eu vou entender, que essa pessoa era de origem alemã e que tinha passado por um período seríssimo da ditadura do Vargas de interdição da língua alemã. Então, essa pessoa não falava mais. Mas à noite ela falava com as filhas e essa coisa parecia sussurrada, uma coisa estranha. Ela não falava, mas ela falava.  Mas ela falava algo como se não falasse. Eu acho que esse interesse também vem daí dessas coisas, dessas interrogações.

L.S. – Você tem interesse de abranger seus estudos para outras linguagens?

A.S. – Sempre tem. Porque se a gente pensar não só na problemática linguística, mas pensar numa problemática imagética. Se a gente pensar, por exemplo, um cartaz de um filme. Tu podes ter esses cartazes globalizados de filmes bem americanóides estereotipados. Quando tu entras numa coisa mais elaborada, mais trabalhada na forma do cinema, tu não tens o mesmo cartaz do filme aqui embora nós estejamos vivendo numa globalização. Então, tem aí uma questão imagética que entra forte e que é também do mundo da linguagem. Que pode entrar pela questão do computador, que a gente chama “a linguagem do computador”. E tu vais acrescentando outras linguagens.

L.S. – O que a docência representou na sua vida?

A.S. – Hoje, talvez, eu possa falar o que ela representou; mas no início era algo que eu gostava, sempre gostei. O sonho do meu pai era que eu fosse bancária. Quando eu estou terminando Letras está iniciando no Banco do Brasil, por exemplo, concurso de escriturária feminina. E o sonho dele era que eu tinha futuro trabalhando no Banco do Brasil. Eu até fiz o concurso, para satisfazê-lo. Fui péssima em datilografia, porque na época da datilografia, nós todos íamos para o Corintians [Corintians Atlético Clube] cada um com uma mesinha e cada um com uma máquina e diziam “agora comecem”. Ali mesmo, eu já parei. Eu também sempre me senti bem com essa problemática que está sempre junto, que é ensinar e aprender, aprender e ensinar. Pra mim, não vem uma separada da outra, as duas estão juntas em funcionamento. Talvez seja isso. Talvez porque eu tenha perdido a minha mãe muito cedo. Talvez porque eu tenha ficado responsável por um dos meus irmãos que era mais moço. Talvez porque a sociedade da época indicava que, para ser independente, ser professora fosse o único lugar possível de trabalho. Tem uma série de coisas que estão condicionadas pela sociedade, pela história do país, por um pouco de independência da mulher, história da mulher.  Mas não sei te dizer, acho que vem tudo junto.

L.S. – Como você começou a ter contato e se interessar pela língua francesa?

A.S. – Eu fui do curso de Francês da Universidade Federal de Santa Maria. Eu fiz o concurso para ser professora de Língua Francesa. Infelizmente, por uma série de fatores, não sou hoje mais professora de francês. Embora o francês seja de fato a língua com a qual eu trabalho. Meus orientandos sabem que 80% dos meus livros são em francês. Então, de certa forma, o francês continua fazendo parte da minha história. Agora, ser professora de francês, no início, é um ideário que se constrói. Os professores constroem tentar falar “com perfeição” essa língua do outro. Eu até alcanço esse ideário; porque eu estou afastando de mim essa coisa que é do outro. Agora, no momento que essa coisa do outro se vincula a minha história, não só profissional; mas que ela entra numa história amorosa, por exemplo, isso aí é redimensionado. Acaba não tendo mais essa separação entre a minha língua e a língua do outro, e sendo a minha língua. Mas que não é minha, porque na verdade ela será sempre emprestada. Ela não é aquela minha forma primeira de entrar nesse mundo da linguagem. Até tinha essa coisa estranha que acontecia ouvindo essa avó desses meus primos, essa pessoa de origem alemã; mas era sempre do outro. Um estranhamento total e que passa de um estranhamento total para um aprendizado, de um aprendizado para um ensino para depois se constituir como parte de fato minha. Não que eu não separe. Nem sei se eu separo, acho que eu não separo mais; mas hoje eu entendo melhor essa relação com a língua francesa.

Hoje eu vejo que essas coisas se complementam na minha história de vida. Não numa questão de conhecimento, porque eu viajo demais. Já morei em lugares diferentes; já morei na França, já andei pela China, Índia, esses lugares mais estranhos para essa cultura europeia e americana. E eu vejo que sempre o que me fascina é essa relação com o outro; mas a relação na língua, a relação com a língua, a relação pela língua. É uma coisa que tem sempre me sustentado, me ajudado, me mantido em pé.

L.S. – Como começou a sua relação com a literatura?

A.S. – Não tive muitos professores excelentes de literatura. Na minha lembrança, eu tenho uma professora. E essa professora acontece no segundo ano do ensino médio do clássico, e talvez a partir daí a literatura venha fazer parte de mim. Alguma coisa da minha memória eu vejo por essa professora que foi fundamental na minha vida. Também vai relacionar com uma coisa que era muito forte na época, que os ferroviários tinham uma biblioteca enorme e importante. Hoje eu não tenho nem ideia de onde tenha ido parar isto. Quando eu começo a me interessar, a minha avó materna, que na verdade não era materna porque minha mãe tinha sido criada por essa tia e que era uma leitora e uma burguesa culta, ficava indignada porque nós não líamos. E quando eu me lembro de começar a ler é no ensino médio com essa professora e com meu pai trazendo esses livros que essa professora dizia.  Mas aí começa outra coisa interessante. Eu estudava num colégio de irmãs e essa professora não durou muito no colégio, porque um dos primeiros livros que ela nos deu para ler foi o “Crime do Padre Amaro”. E eu fiquei fascinada não só pela história, mas por devorar Eça de Queiros depois sem parar. Mas isso tudo eu conseguia nessa biblioteca dos ferroviários. Então, eu vou ler o cânone da literatura, mas vou ler também estereótipos de cânones da época como Saint-Exupéry. Mas na época foi uma relação muito forte com essa professora, o gosto pela leitura vem daí também. E talvez também por isso eu vou entrar pra Letras.

L.S. – Quais os seus caminhos de pesquisa?

A.S. – Eu trabalho, na verdade, não é nem com a língua francesa e com a linguística. Eu tenho duas preocupações. Com a história e a memória sobre a língua, e aí entra no campo de conhecimento que a gente chama de História das Ideias Linguísticas no Brasil ou História da Produção do Conhecimento. Por exemplo, a história da gramática, a história do dicionário, história de manuais de língua. Mas eu também tenho outro lado que gosto que é a relação do sujeito com a língua. A relação com a língua que faz, por exemplo, que eu diga que na minha língua é mais fácil. O que é isso? Que propriedade é essa? Eu posso me apropriar da língua e falar “na minha língua é mais fácil”? Ou então, “em português se diz assim”? Que português é esse que diz assim? A minha problemática de pesquisa tá nesses dois campos, uma sobre a história e a memória da produção do conhecimento sobre a língua e a outra na relação sujeito e língua.

Foto: Arquivo pessoal – Amanda Scherer.

Repórter: Laíssa Sardiglia – Acadêmica de Jornalismo.

Edição: Lucas Durr Missau. 

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