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Por trás das comunidades quilombolas



Vânia Maria Souza Paulon é uma pessoa de riso fácil, e contadora de histórias. Nascida em Julio de Castilhos, em 1948, é negra, de cabelos crespos e dona de um sorriso contagiante. Atualmente, Vânia é coordenadora executiva do Programa Pilão, projeto de extensão da UFSM, que trabalha com comunidades quilombolas. O programa pretende gerar oportunidades, inclusão social, e visibilidade a comunidades negras que moram nas zonas rurais de municípios como Santa Maria, Formigueiro e Restinga Seca. Através da Universidade, este grupo tem atendimento gratuito no departamento de Odontologia, por exemplo. Assim como podem ser levados para aprender algo que lhes proporcione crescimento, como é o caso de algumas mulheres que aprenderam a produzir geléia no curso de Tecnologia em Alimentos. Dessa maneira, essas pessoas podem ser inclusas socialmente, por meio de trabalho e geração própria de renda.

Na sala em que Vânia trabalha, há uma grande mesa retangular. Nela, é colocada uma apostila que abriga várias fotografias dos envolvidos com o Programa e das ações realizadas nos quilombos. Cada rosto traz uma memória alegre, que é contada em detalhes, formando uma idéia do que o projeto realmente é, e como ele é coordenado por ela. Nos primeiros instantes, é possível definir outra palavra para a personalidade de Vânia: altruísta.

Uma página da apostila é virada. Vânia se diverte ao relembrar alguns momentos:

– Havia um senhor de 85 anos, semi-analfabeto. Fomos a uma palestra com doutores em uma viagem para Ibarama, na Festa da Semente Crioula, mas havia um horário para retornarmos. Quando eu disse isso, este senhor respondeu: “Agora que tem um doutor importante falando, quer nos tirar daqui?”

– Uma coisa importante, é o orgulho que eles sentem em participar. – Vânia continua, ela mesma com uma expressão também orgulhosa. – Tivemos uma aula de piscicultura no Colégio Politécnico, e eu ouvi um senhor falar ao telefone, “agora não posso conversar contigo, pois estou em uma aula aqui na Universidade”. Dizer isso, para ele, era algo para se orgulhar.

– O que nos marca é adquirir toda essa amizade, conhecer estas pessoas, uma a uma, e a maneira como elas levam a vida. É um pessoal que tem um astral maravilhoso. Por vezes, saíam conosco às cinco e meia da manhã, para pegar a estrada de Ibarama, e ficávamos presos por cerca de uma hora. Mas eles seguiam brincando. Eram pessoas que estavam ali para aprender, e que gostam de aprender. A gente não consegue esquecer o sorriso e a maneira que o pessoal do campo vive.

De 2004 a 2006, antes do Programa Pilão, Vânia trabalhou como presidente do Conselho de Segurança Alimentar de Santa Maria. O Conselho foi fundado para viabilizar o programa Fome Zero, do Governo Federal, e seus membros visitavam as comunidades, para conhecê-las melhor e apresentar o programa.  Na época, famílias de cerca de 28 comunidades eram atendidas, para que pudessem se alimentar durante a semana. Vânia diz que após uma conversa com o Ministério Público, foi possível implantar o Programa do Leite, para que as famílias recebessem a bebida semanalmente, além de dois restaurantes populares. O programa durou dois anos e, a cada mês, o Conselho visitava as comunidades, para se certificar de que tudo estava procedendo corretamente.

O interesse pelas causas de igualdade racial já a acompanhava. Em 1988, fundou, junto a colegas, o grupo Zumbi, em que procuravam resgatar a cultura negra. Infelizmente, um dos professores integrantes faleceu e outro se aposentou o que causou desânimo nos membros. Mas, posteriormente, foi uma das responsáveis por encaminhar a um vereador o projeto da Semana Afro de Santa Maria, em decreto do então prefeito José Haidar Farret.

Funcionária técnico-administrativa aposentada da UFSM, Vânia trabalhou no Hospital Veterinário Universitário (HVU) durante 22 anos, após ser transferida de Porto Alegre. Sobre a experiência dentro do HVU, ela diz ter sido impressionante. No início, houve algo com o que se acostumar: “Em um hospital normal, é tudo limpinho e cheirosinho. Quando cheguei ao Hospital Veterinário, o cheiro…”, ela não completa a frase, apenas começa a rir mais uma vez.

Como na maioria dos fatos em que esteve envolvida, surge um momento específico para compartilhar. Ela lembra sobre o dia em que fez uma punção abdominal em um cão, tão calmo, que não foi necessário amarrá-lo.

– Ele mordeu a minha mão e logo soltou. Olhou para mim com aquela carinha, coisa mais querida, e me disse que aquilo estava doendo. Como alguém não vai gostar de trabalhar com seres vivos como aqueles?

Após muitas risadas e muitas histórias, Vânia levanta de sua cadeira, para buscar em outra mesa uma placa quadrada de acrílico. Com a assinatura do reitor Felipe Muller, trata-se de uma honra ao mérito, homenagem prestada por parte da Universidade pelos trabalhos de Vânia com as comunidades Quilombolas. Modesta, Vânia diz que não há necessidade de exibir a placa na sala, mas que uma de suas colegas insistiu para que o fizesse.

– Importante mesmo é ter responsabilidade perante os seus. – ela olha para baixo, pensativa. Em seu caso, refere-se à responsabilidade perante seus filhos, colegas, coordenadores, e o próprio reitor. – Temos que valorizar os nossos para então valorizar os outros. É importante também não estar apenas dentro do processo. É ver as pessoas sendo atingidas por este processo.

Foto: Pedro Porto – Acadêmico de Jornalismo.

Repórter: Myrella Allgayer – Acadêmica de Jornalismo.

Edição: Lucas Durr Missau.

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