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A influência da mídia na Guerra Civil da Síria

A Guerra Civil na Síria, iniciada em 2011 no contexto da Primavera Árabe, foi marcada por uma forte cobertura midiática a nível global. Diante disso, o presente artigo busca compreender, por meio desse estudo de caso, a importância e as consequências do chamado “Efeito CNN” assim como da nova mídia digital sob as percepções da opinião pública e dos tomadores de decisão acerca do conflito.



William Wuttke Martins

Acadêmico do 5º semestre do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria(UFSM). E-mail: williamwuttke99@gmail.com


Introdução

Com o fim da Guerra Fria, grande parte dos conflitos internacionais passou a ocorrer ou no âmbito interno dos Estados, no estilo de guerra civil como ocorrido na Iugoslávia, Ruanda e Somália, ou a nível global, como nos casos ligados a grupos terroristas transnacionais a exemplo de alguns grupos islâmicos (GILBOA, 2007).

Diante desse cenário, e com o fim da ordem bipolar, os chamados conflitos de baixa intensidade tornaram-se predominantes. Nesse tipo de conflito, de acordo com Gilboa (2007), a diferenciação entre civis e combatentes é de difícil distinção, os confrontos são longos e fluidos e o campo de batalha permanece em constante mudança.

Além disso, a cobertura da mídia também se torna essencial para ambos os lados do conflito, já que o mesmo costuma ocorrer em Estados autoritários, o que faz com que tanto os governos quanto os rebeldes tentem conquistar a simpatia da opinião pública e das democracias liberais. O principal objetivo dessa utilização da mídia é a demonstração da legitimidade por parte de ambos os envolvidos na guerra, a fim de prejudicar a percepção do seu oponente diante da comunidade internacional (GILBOA, 2007).

Nesse mesmo período de transição da Guerra Fria para a nova ordem uni multipolar, outra grande revolução ocorre na forma em que os conflitos internacionais são registrados: os avanços tecnológicos e a capacidade de cobrir e transmitir ao vivo imagens de acontecimentos a nível mundial, primeiramente por meio da mídia tradicional e, posteriormente pela internet, permitiram uma rápida exposição dos conflitos internacionais para a população em geral.

Esse fenômeno, nomeado inicialmente “Efeito CNN”, mas posteriormente também expandido a outras emissoras como no “Efeito Al Jazeera”, afirma que as redes globais de televisão passaram até mesmo a determinar a política externa de grandes potências diante dos cenários de conflito internacionais (DOUCET, 2018). A partir desse conceito, o artigo busca compreender se esses efeitos realmente determinam na tomada de decisão geopolítica dos líderes das grandes potências, por meio do estudo de caso da Guerra na Síria, e o impacto que a mídia teve nas percepções dos presidentes Barack Obama e Donald Trump até então.

Contexto do conflito

A Guerra Civil na Síria iniciou oficialmente no ano de 2011, porém uma série de tensões de origem étnica, política e religiosa assolam o país há muitas décadas, desde a tomada do poder pelo general Hafez Al Assad por meio de um golpe de estado em 1970. Membro do partido Baath, de ideologia secular, nacionalista e socialista, Assad era membro da minoria xiita alauita, assim como grande parte de seus aliados, o que causou descontentamento por parte da população de maioria sunita do país (SOARES, 2018).

Durante seu governo, Hafez Al Assad entrou em conflito com Israel, na Guerra de Yom Kippur, e com o grupo islamista da Irmandade Muçulmana, tendo se mantido no governo em grande parte graças ao apoio de outros grupos minoritários, como os cristãos. Com sua morte em 2000, seu filho, Bashar Al Assad, ascendeu ao poder, mantendo, portanto, a família no comando do país.

O problema que levou à Guerra, no entanto, foi a eclosão da Primavera Árabe, que atingiu grande parte do Oriente Médio e Norte da África (SOARES, 2018). Ela conquistou, com sucesso, a derrubada de ditadores em diversos países da região, como no Egito, que posteriormente elegeu Mohammed Morsi, um membro da Irmandade Muçulmana, antiga inimiga da família Assad, para o cargo da Presidência.

Bashar Al Assad, no entanto, reprimiu violentamente os manifestantes a fim de evitar o mesmo destino. Esses, por sua vez, não aceitaram as ações do Estado e optaram pela criação de grupos rebeldes com o objetivo de derrubar o governo sírio (SOARES, 2018). Entre esses grupos se encontrava o Exército Livre da Síria, e com a escalada dos ataques entre forças estatais e os rebeldes, iniciou-se oficialmente a Guerra Civil em 2011 (KHOURI, 2018).

Dois anos após o início do conflito, porém, a guerra já havia tomado proporções além do ambiente doméstico. O conjunto de interesses internacionais no país levou a intervenções diretas e indiretas por parte de grandes potências mundiais e regionais, como Rússia e Irã, por meio de apoio e financiamento ao Exército Sírio, e os Estados Unidos, mas também outros países da região, como Arábia Saudita e Catar por meio de apoio e financiamento de rebeldes.

Apesar disso, a coalizão liderada pelo governo de Assad obteve sucessos nos últimos dois anos do conflito por dois motivos principais: o apoio russo e o esgotamento das forças rebeldes, que além de perderem financiamento dos Estados Unidos, ainda lutaram muitas vezes entre si devido à falta de agenda em comum entre os diversos grupos demandantes da mudança de regime. Além disso, a rápida ascensão do Estado Islâmico tirou o foco da guerra de Assad, já que o novo califado soube utilizar a mídia de maneira eficaz para transmitir sua ideologia e espalhar o terror a alcance transnacional tanto por suas atividades em solo sírio quanto por suas táticas de terrorismo internacional.

O papel da mídia tradicional e digital

Durante o desenrolar da guerra, as principais agências de notícias ocidentais, entre as quais se encontra a CNN, enfrentaram dificuldades para conseguir vistos de entrada em territórios controlados pelo governo sírio. Isso acabou dificultando a reportagem nessas áreas e fez com que a Guerra na Síria se tornasse um dos primeiros conflitos no qual a maior parte das informações fora divulgada por ativistas e cidadãos sem credenciais jornalísticas, mas presentes na zona de conflito (DOUCET, 2018).

Esse fenômeno gerou, portanto, uma ampla divulgação de informações via mídias sociais que dificilmente poderiam ter suas veracidades confirmadas. O resultado foi a transferência do conflito para o campo midiático, transformando-o em uma guerra de narrativas entre os apoiadores e opositores do regime.

Grande parte do conteúdo utilizado por grupos de mídia tradicionais vinha, portanto, de sites como o YouTube, que teve grande importância para a rápida difusão de imagens e vídeos da guerra que imediatamente viralizaram na internet (DOUCET, 2018). O Twitter também foi relevante para o compartilhamento de informações, causando a sensação de instantaneidade na aquisição de informação para a opinião pública, que se posicionava de acordo com o tipo de conteúdo consumido via mídias sociais (LYNCH, 2014).

Essas imagens, entre as quais se encontram a de crianças e outras vítimas de ataques de armas químicas supostamente utilizadas por Assad, atingiram não somente a indignação da opinião pública, como também impôs pressão sob os formadores de política externa norte-americanos para que tomassem atitudes a fim de combater essa tragédia humanitária. Foi nesse período que Barack Obama aceitou, com relutância, o plano de armar rebeldes sírios, considerados moderados, contra o governo de Assad (LYNCH, 2014).

Donald Trump também foi influenciado, ainda mais fortemente, pelo “Efeito CNN”, que o levou a bombardear alvos do governo sírio alguns dias após a revelação de novas imagens dos ataques contra crianças por parte dos aliados de Assad, mesmo levando em consideração que ele mesmo se declarava contra qualquer tipo de intervenção até então (DOUCET, 2018). É possível, pois, dizer que a mídia influenciou ao menos na determinação da agenda a ser discutida entre o alto escalão de política externa da Casa Branca.

Por outro lado, a mídia russa investiu em forte propaganda contra os grupos rebeldes, com a permissão para transmitir informações do território sob controle de Assad, de difícil acesso às emissoras ocidentais (DOUCET, 2018). Além disso, ativistas pró-Assad também utilizaram as mídias sociais para promover seu lado da História e tentar desconstruir a imagem negativa criada pela mídia árabe e ocidental contra seu governo.

Nenhum ator, no entanto, conseguiu usar as mídias alternativas com tanto sucesso quanto o Estado Islâmico. Por meio de suas ações terroristas e práticas de guerra cruéis, como decapitações e suicídios pela causa, os jihadistas tornaram-se o centro da atenção tanto da mídia tradicional quanto da mídia digital em um curto espaço de tempo (WINTER, 2017).

Ao mesmo tempo em que isso uniu quase todos os atores envolvidos no conflito contra esse inimigo em comum, o Estado Islâmico também conquistou, por meio da exposição midiática, uma significativa rede de seguidores transnacional (WINTER, 2017). O resultado desse processo foi a mobilização de milhares de jovens dispostos a sacrificar suas vidas pela causa, demonstrando o forte impacto da propaganda do grupo e o seu bem-sucedido recrutamento digital.

Considerações finais

O presente artigo abordou a relevância e o papel da mídia durante a Guerra Civil da Síria, a fim de apresentar seu impacto no decorrer do conflito. Puderam-se notar, durante os últimos anos, algumas diferenças na forma como a mídia se adaptou para realizar a cobertura dos eventos ocorridos naquele país.

Entre elas houve a queda do monopólio das grandes empresas midiáticas de transmissão televisiva e dos jornais mais tradicionais. Isso ocorreu devido às dificuldades de acesso de jornalistas profissionais ao espaço territorial controlado pelo governo de Assad, o que aumentou ainda mais a importância do jornalismo produzido por indivíduos independentes vivendo nas zonas de conflito.

Isso permitiu que as mídias digitais se tornassem ainda mais importantes, já que os habitantes locais puderam utilizar das imagens por si produzidas para divulgar suas narrativas acerca da guerra. A mídia, portanto, transformou-se em uma ferramenta estratégica a ser manipulada pelos próprios combatentes a fim de mobilizar apoio e criar legitimidade para sua causa a nível transnacional.

Portanto, não se pode mais falar em “efeito CNN” sem levar em consideração o impacto de mídias digitais, como o Twitter e YouTube, que, apesar de democratizarem o acesso e o direito de compartilhamento de informação, também dificultaram a verificação da veracidade dos conteúdos divulgados.

Além disso, seu impacto na opinião pública pode ser significativo, como demonstrado ao longo do período de ascensão do Estado Islâmico, que soube utilizar as mídias tradicionais e virtuais a fim de projetar sua influência globalmente, divulgar sua ideologia e causar pânico e revolta na população de Estados da região e na de democracias liberais.

Por fim, é possível dizer que, por mais que a mídia consiga determinar parte da agenda de política externa a ser discutida, como demonstrado por meio de análises das percepções de Barack Obama e Donald Trump sobre o conflito, ela, por si só, não consegue determinar os rumos da política externa sem a existência de outros interesses estatais que não sejam de origem humanitária capazes de gerar uma intervenção.

REFERÊNCIAS

DOUCET, Lyse. Syria & the CNN Effect: What Role Does the Media Play in Policy-Making? Daedelus Journal of the American Academy of Arts & Sciences. Vol. 147, 2018, p.141-157 Disponível em: < https://www.mitpressjournals.org/doi/pdf/10.1162/DAED_a_00480>. Acesso em: 27 jun. 2019.

GILBOA, Eytan. Media and International Conflict: A Multidisciplinary Approach. Journal of Dispute Resolution, vol.2007, Issue 1. Disponível em: <https://scholarship.law.missouri.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1533&context=jdr >. Acesso em: 26 jun. 2019.

KHOURI, Rami G. The Implications of the Syrian War for New Regional Orders in the Middle East.  Menara Working Papers. n.12, Set. 2018. Disponível em: < https://www.iai.it/sites/default/files/menara_wp_12.pdf >. Acesso em: 28 jun. 2019.

LYNCH, Marc; FREELON, Deen; ADAY, Sean. Syria’s Socially Mediated Civil War. Peaceworks, n. 91, jan. 2014. Disponível em: < https://www.files.ethz.ch/isn/176084/PW91-Syrias%20Socially%20Mediated%20Civil%20War.pdf >. Acesso em: 28 jun.2019.

SOARES, João Victor Scomparim. A Guerra Civil na Síria: Atores, Interesses e desdobramentos. Observatório de Conflitos Internacionais. Vol. 5, n. 1, fev. 2018. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/serie—a-guerra-civil-na-siria—atores-interesses-e-desdobramentos.pdf >. Acesso em: 28 jun.2019.

WINTER, Charlie. Media Jihad: The  Islamic State’s Doctrine for Information Warfare. International Centre for the Study of Radicalisation. fev. 2017. Disponível em: < https://icsr.info/wp-content/uploads/2017/02/ICSR-Report-Media-Jihad-The-Islamic-State%E2%80%99s-Doctrine-for-Information-Warfare.pdf>. Acesso em: 29 jun.2019.

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