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Entrevista com Michelle Prazeres: “A ideia de uma comunicação slow não é confrontar a comunicação fast, é fazer a gente pensar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz”

por Bruna Eduarda Meinen Feil



Como vocês perceberam através dos textos que tenho publicado por aqui, a discussão sobre aceleração do Tempo Social e seus reflexos no campo do Jornalismo me interessa de forma particular e a temática integra o desenvolvimento do projeto da minha dissertação. Em meu último texto, fiz uma discussão sobre o movimento denominado slow journalism e apresentei a professora Michelle Prazeres como sendo uma das principais referências no assunto aqui no Brasil. Pois bem, nesta semana, trago para vocês uma entrevista que fiz com ela. Michelle é jornalista de formação, professora e pesquisadora da Faculdade Cásper Líbero (FCL- SP). Ela desenvolve pesquisas que relacionam comunicação, tecnologias e aceleração  social do tempo e, além disso, é ativista do movimento slow e idealizadora do Desacelera SP. Na entrevista, Michelle explica porque defende o uso da expressão “slow no Jornalismo” em detrimento de “slow journalism” e o que caracteriza esse movimento de contracultura que serve também, nas palavras dela, como um “resgate aos valores essenciais do Jornalismo”. Michelle também relaciona as dinâmicas de aceleração a fenômenos como a desinformação e a precarização do trabalho. Confere aí!

Michelle Prazeres | Foto: Paulo Pereira, Desacelera SP

EJor: O movimento slow parte da ideia mais geral de que a vida contemporânea se acelerou. Como podemos compreender essa ideia de aceleração na vida diária?

Michelle Prazeres: O movimento slow é um movimento ativista de pessoas, organizações, projetos que acreditam que a gente chegou em um limite de aceleração e que precisamos ir mais devagar, desacelerar, recobrar os sentidos, humanizar. Então, ele é um movimento contracultural que nasce para combater o que a gente chama de cultura da velocidade. O Hartmut Rosa vai defender a ideia de que existe a aceleração técnica, a aceleração das mudanças sociais e a aceleração do ritmo da vida. Então, para ele, o movimento de aceleração é um movimento de compressão do tempo, ou seja, Rosa define a aceleração como um processo que nos leva a fazer mais coisas no mesmo espaço de tempo, em menos espaço de tempo ou ainda fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo – o que a gente costuma chamar de multitasking ou multitarefas. Junto com esse processo de aceleração caminha o desenvolvimento tecnológico e caminha também uma concepção de mundo, de progresso, de avanço, de desenvolvimento que vai produzindo a sensação de que a gente só progride se seguir esses caminhos. Nesse sentido, o movimento de desaceleração também questiona por que a gente tende a achar que só esses caminhos são legítimos. 

EJor:  Na sua visão, quais os efeitos da aceleração na Comunicação? Qual o papel da “velocidade” na qualidade da Comunicação?

Michelle Prazeres: A minha imersão no movimento slow conduziu, de alguma forma, as minhas pesquisas. Então,  eu acho que tem várias formas de a gente olhar para a aceleração na interface com o campo da Comunicação. Uma dessas formas eu trabalhei no meu pós-doutorado, analisando o Jornalismo e a sua relação com o movimento slow. Outra forma tem a ver com  a aceleração no campo das mídias como um todo, uma parte, digamos assim, mais ‘funcional’ da Comunicação e uma terceira forma está associada à aceleração dos ambientes de convivência. Essa última diz respeito à  aceleração de uma comunicação, como diria Muniz Sodré, entendida como ‘prática organizadora da vida comum’. Essa comunicação também está acelerada, entre outras coisas, pela presença das tecnologias nesses ambientes. Quanto ao papel da velocidade na qualidade da Comunicação, eu diria, por exemplo, que no Jornalismo, historicamente, a velocidade é vista como uma aliada, como é o caso do ‘furo’. Você dar a informação primeiro, antes do concorrente, sempre foi visto como um valor para o jornalista e para o Jornalismo. Mas, a gente chegou em um momento tal de aceleração que toda essa questão das brevidades, das notícias curtas, de ler só o título, que a velocidade acabou conduzindo a gente para um lugar onde o Jornalismo e a desinformação se misturam em um cenário de desordem informacional. A velocidade tem um papel histórico na constituição de uma comunicação que acontece em ‘tempo real’, mas chegou em um momento da contemporaneidade em que ela própria [a velocidade] tensiona essa qualidade, especialmente quando estamos falando de Jornalismo e de comunicação como convivência porque a velocidade compromete a comunicação construtora do comum na medida em que ela nos desumaniza, nos rouba nossos sentidos. Perde-se a qualidade de construção de vínculos, de pontes, de ambientação para essa convivência. Então, nesse caso, a aceleração é inversamente proporcional a qualidade da comunicação. Mas, também não é certo falar que uma comunicação veloz não pode ser de qualidade. Acho que tem que ter esses cuidados porque uma das coisas que eu gosto de dizer sobre o tema da minha pesquisa é que a ideia de uma comunicação slow não é confrontar a comunicação fast, é fazer a gente pensar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz. Da mesma forma que não é certo falar que a velocidade apenas compromete a qualidade, também não é certo a gente falar que o lento garante a qualidade. Acho que quando a gente traz o movimento slow para a jogada, a gente está acionando uma palavra chave que é consciência. 

EJor:  A relação entre Jornalismo e tempo é indissociável e o imperativo da velocidade sempre ocupou um lugar central nos processos de produção jornalística. O que faz do momento atual tão particular? Quais são os processos que caracterizam / diferenciam o período que estamos vivendo a ponto de existir um movimento crítico como o slow journalism?

Michelle Prazeres: Eu costumo dizer que a velocidade é o espírito do nosso tempo e na minha pesquisa de Pós-Doutorado eu lembro de ter chegado nesse lugar incômodo de pensar que o slow journalism não é um tipo de jornalismo, não é uma linguagem, não é um gênero jornalístico. Mas, o termo slow sempre vai funcionar de forma relacional,  então a pergunta seria: é slow em relação ao que? Se o que estamos vivendo é fast, o slow funciona como uma espécie de ‘dique de contenção’ a essa velocidade que está fazendo a gente produzir, circular e consumir informação de forma desenfreada baseado na ideia de que a gente precisa cada vez mais, mais rápido e em maior quantidade. E isso tem a ver com uma agenda da contemporaneidade, do capitalismo neoliberal que faz a gente achar que avanço progresso e desenvolvimento se resumem a isso. 

EJor:  Na prática, como as dinâmicas de aceleração no campo jornalístico podem ser percebidas? É possível associar os processos aceleratórios a fenômenos como a desinformação e a precarização do trabalho, por exemplo?

Michelle Prazeres: A aceleração no campo do Jornalismo pode ser percebida no universo da produção, como precarização do trabalho e na aceleração das jornadas. Jornalistas que fazem 4 ou 5 matérias ao mesmo tempo e depois tem que acompanhar no online, editar se for preciso, gerar métricas e toda questão do engajamento, tudo isso acaba reverberando nos modos de trabalho. Na dimensão da distribuição, a gente presume que as pessoas querem receber coisas pelas redes sociais, ler só os títulos e a gente se submete a essa lógica. Nós temos poucas pesquisas que mostram como acontece de fato essa recepção e aí a  gente presume que ela é acelerada porque as pessoas também vivem em contextos acelerados  nas suas vidas individuais. Do ponto de vista do contexto, o Jornalismo se mistura com a desinformação e disputa na economia da atenção espaço e tempo dos públicos. E do ponto de vista da pesquisa, a gente também consegue perceber acelerações não só da pesquisa em Jornalismo, mas da pesquisa como um todo. O campo da pesquisa acaba se submetendo às regras da produtividade e do produtivismo. 

EJor:  Em seus trabalhos você defende que desacelerar seria uma uma forma de revigorar o  cotidiano, mas também de repolitizá-lo. De que forma a aceleração do cotidiano pode ser compreendida como um fenômeno político e que consequências gera para o jornalismo?

Michelle Prazeres: Gosto muito da ideia de que a gente precisa entender a humanização do tempo como uma luta por justiça social. A aceleração é um fenômeno político que está conectado a uma agenda capitalista e neoliberal que faz a gente acreditar no empreendedorismo,  nessa sociedade do sujeito do desempenho, na eficiência, na conectividade, tudo isso como coisas necessariamente positivas. Existe toda uma agenda política em que a velocidade está articulada que legitima um modus operandi, um modo de vida que é hegemônico na nossa sociedade. O Jornalismo não escapa disso e a gente pode dizer que essa agenda de valores também está presente e promove a legitimação de práticas, processos e produtos jornalísticos conectados ao fast. Então, o Jornalismo termina concorrendo, do ponto de vista da estética, da linguagem, da ocupação do espaço, com um universo inteiro de acesso, de desinformação, de infoxicação. O slow no jornalismo corresponderia a uma série de estratégias, mecanismos, métodos e até linguagens para recobrar a humanidade do Jornalismo e a sua função social. Por isso, eu defendo o uso da expressão slow no jornalismo em detrimento de slow journalism porque esse último pode denotar que é um gênero diferente ou algo que ainda não existe. Na verdade, quando na minha pesquisa eu tipifique as características do slow journalism como relativas a um jornalismo de qualidade, bem apurado, aprofundado, você percebe que remete quase que a um resgate dos valores essenciais do Jornalismo. Então não tem nada de novo, mas o fato da aceleração ser um traço característico da nossa época, faz com que a gente precise falar de slow journalism ou slow no jornalismo para mostrar que existem forças, disputas nesse campo e que o slow é um campo de construção, de contracultura e de resistências. 

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