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O Safety of Journalists Index 2025, lançado no início de maio durante as celebrações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa em Bruxelas, representa um marco na avaliação global das condições de segurança para profissionais da imprensa. Desenvolvido pela Worlds of Journalism Study (WJS), em parceria com a Universidade de Liverpool e a UNESCO, o índice oferece uma análise inédita e abrangente sobre os riscos enfrentados por jornalistas em 73 países, com base em entrevistas realizadas com quase 31 mil profissionais entre 2021 e 2024.
O projeto é coordenado pela Dra. Vera Slavtcheva-Petkova, da Universidade de Liverpool, com apoio de uma equipe internacional de pesquisadores. Entre eles está o professor Thomas Hanitzsch, da LMU Munique, coordenador geral da WJS e atual presidente da International Communication Association.
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Brasil: avanços e desafios na segurança dos jornalistas
No caso brasileiro, o contexto é avaliado pela Dra. Janara Nicoletti (TU Dortmund e objETHOS/UFSC) e pela Dra. Laura Storch (POSCOM/UFSM), que integram o projeto WJS. As pesquisadoras destacam um cenário marcado por alta concentração midiática, polarização política, precarização estrutural e frequentes episódios de violência contra a imprensa. O Brasil ocupa a 62ª posição entre os 73 países avaliados.
Com base em dados coletados de 602 jornalistas entre janeiro e maio de 2023, o índice releva os impactos de um período de instabilidade política na percepção dos jornalistas sobre sua segurança pessoal e profissional. O Brasil, durante o contexto da pesquisa, vivenciou uma complexa transição de um governo – da extrema direita para outro de orientação progressista -, além da tentativa de golpe de Estado ocorrida em janeiro de 2023. Campanhas sistemáticas de deslegitimação da imprensa, lideradas por autoridades públicas, contribuíram para acentuar a vulnerabilidade da categoria.
A violência psicológica se destaca como o problema mais persistente, afetando sobretudo as mulheres, que lideram os índices de estresse e insegurança quanto à estabilidade no emprego. Quase metade dos profissionais (48,3%) teme por sua integridade física, enquanto 83,1% relatam altos níveis de estresse no trabalho. Os ataques verbais, discursos de ódio (66,2%) e tentativas de desmoralização pública (58,6%) são frequentes, e 44,6% afirmam ter sua moral questionada no exercício da profissão.
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A violência digital, embora menos incidente, é motivo de atenção. Mais da metade dos entrevistados (51,2%) relataram ter sido alvo de vigilância — seja ocasional (24,6%) ou frequente (26,6%). Outro fator preocupante é o crescimento das ações judiciais contra jornalistas: entre 2020 e 2024, foram mapeados 421 casos de assédio judicial, segundo levantamento da Abraji.
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No campo da segurança financeira, os dados revelam um cenário de precarização crônica. Mesmo entre profissionais com formação superior e experiência consolidada, os salários permanecem baixos, muitas vezes próximos ao piso de entrada da carreira. Apenas 51% têm vínculo formal via CLT, enquanto cerca de um terço precisa complementar a renda para manter seu sustento. Trabalhar menos de 40 horas semanais não implica melhores condições: muitos acumulam funções e jornadas extras. O setor enfrenta ainda demissões em massa, fechamento de redações e substituição de profissionais experientes por jovens sobrecarregados. Entre os entrevistados, 49% demonstram receio de serem demitidos. As mulheres, mais uma vez, são as mais afetadas — com remunerações menores, posições hierárquicas inferiores e maior exposição a ameaças.
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Quatro dimensões da segurança jornalística
O Safety of Journalists Index é construído a partir de duas bases principais: a pesquisa global da WJS, com 30.890 jornalistas em 73 países, e os registros de assassinatos de profissionais da imprensa monitorados pela UNESCO entre 2016 e 2024.
O índice considera quatro dimensões da segurança jornalística: física (50%), psicológica (25%), digital (12,5%) e financeira (12,5%). A definição adotada entende segurança como a capacidade de os jornalistas exercerem suas funções sem ameaças à sua integridade e bem-estar nessas quatro áreas.
Os dados mostram que a segurança dos jornalistas está profundamente ligada ao ambiente político, à estabilidade institucional e ao respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão. Países como Iémen, Paquistão e El Salvador aparecem entre os piores colocados — todos marcados por mortes de jornalistas em decorrência do trabalho. Já na ponta oposta, democracias consolidadas da Europa Ocidental, como Portugal, Noruega e Alemanha, lideram o ranking global.
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Cenário global: segurança financeira é a maior fragilidade
Entre as quatro dimensões avaliadas, a segurança financeira apresenta os piores índices médios globais, seguida pelas dimensões psicológica, física e digital. Regionalmente, os países do Oriente Médio e Norte da África têm os piores desempenhos, seguidos por América Latina e Caribe, Ásia, África e Europa Central e Oriental.
As regiões com melhores índices são Europa Ocidental, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia — que também apresentam menor variação interna entre os países. O padrão se repete nas dimensões física e psicológica. Na dimensão digital, a América Latina tem desempenho um pouco melhor, enquanto África e Ásia aparecem com menor pontuação. No geral, países que garantem segurança em uma dimensão tendem a apresentá-la nas demais.
Apesar de diferenças internas, o estudo mostra que a lacuna entre países é maior que a diferença entre gêneros dentro de uma mesma nação.
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Ferramenta para a democracia
O Safety of Journalists Index 2025 se consolida como uma ferramenta estratégica para orientar políticas públicas, práticas de segurança e iniciativas de defesa da liberdade de imprensa. Com base sólida em dados e comparações internacionais, o índice contribui para a construção de ambientes mais seguros para o exercício do jornalismo e o fortalecimento da democracia em nível global.