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A África que não lemos

Grupo de pesquisa aborda problemáticas de identidade nacional de países africanos que falam português



Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe: são esses países, no continente africano, que possuem o português como idioma oficial. Embora no Brasil o conhecimento geral da literatura de língua portuguesa fique restrito ao que é produzido no próprio país e na ex-metrópole Portugal, os países da África possuem vasta produção no âmbito literário.

Com o intuito de explorar e estudar mais a fundo a produção literária africana, surgiu no ano passado o projeto de pesquisa intitulado Ressonâncias e dissonâncias no romance lusófono contemporâneo: o imaginário pós-colonial e a (des)construção da identidade nacional, sob a coordenação do professor Anselmo Peres Alós, do Departamento de Letras Vernáculas da UFSM.

A articulação do projeto começou com a ideia de que os estudos do tema não ficassem restritos a disciplinas isoladas da grade do curso de Letras da Universidade. No bacharelado, por exemplo, a disciplina de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa faz parte do último semestre da graduação, e o foco são as culturas nacionais que falam português. Além disso, existe uma disciplina de cultura brasileira e várias de literatura portuguesa:

— A ideia do projeto é criar uma massa crítica, para os alunos pesquisarem mais a fundo e darem continuidade ao que viram nas disciplinas. E aos que ainda não viram, para se familiarizarem com o conteúdo – explica Alós.

EXPERIÊNCIAS IN LOCO 

O interesse de Alós pela literatura africana remete ao período em que ele esteve em Moçambique, atuando em uma universidade do país, onde teve contato com as literaturas africanas, em especial a moçambicana. Por se tratarem de literaturas muito jovens (veja no quadro ao lado), ainda são pouco conhecidas no Brasil. Nesses países, onde o português é o idioma oficial, lê-se muito a literatura brasileira, principalmente em Angola, Cabo Verde e Moçambique. Esses são, também, os três países de língua portuguesa em que a produção literária é mais significativa no continente africano.

Dentro do grupo de pesquisa, é utilizado o viés da literatura comparada: estuda-se uma obra da literatura africana de língua portuguesa, comparando-a com outra narrativa:

— A noção chave de literatura comparada é a ideia de intertextualidade. Todo texto relê, parodia ou reescreve os textos anteriores a ele – detalha Alós.

Foi através da literatura comparada que o acadêmico do curso de Letras-Licenciatura, e integrante do projeto de pesquisa há um ano e três meses, Felipe Freitag, desenvolveu o trabalho Contares de um narrador-menino, ou o espreguiçar de um abacateiro. Nele, Freitag trabalha questões como identidade, nacionalidade e alteridade no romance Bom dia, camaradas, do autor angolano Ondjaki (pseudônimo de Ndalu de Almeida). A obra foi publicada em 2001, em Angola, e em 2003, em Moçambique. No romance, o personagem principal, um garoto angolano, rememora sua infância, e a partir disso surgem fatos ligados ao momento político e social de Angola após sua independência, em 1975. Freitag colocou o texto africano em contraponto à obra O Limite Branco, de Caio Fernando Abreu. E explica o motivo:

— Segundo a minha leitura, as duas obras têm um processo de formação da personagem. O Maurício [protagonista de O Limite Branco] está à procura da identidade sociocultural e da sexualidade, e as duas obras se encaixam na literatura de formação – conta.

O interesse do acadêmico pela literatura africana surgiu justamente pelo fato de se tratar de algo pouco conhecido no Brasil:

— Quem lê literatura africana aqui? – pergunta-se.

Outra integrante do projeto, Bruna Cielo, elogia a liberdade na escolha dos assuntos trabalhados no grupo, de acordo com a identificação de cada um. O interesse da acadêmica, que está há três meses no projeto, é na área da literatura feminina moçambicana:

— É uma literatura que trabalha com uma crítica social, contra o sistema paternalista moçambicano – explica.

Bruna trabalhou na análise da obra de Paulina Chiziane. A autora foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance, no ano de 1990, intitulado Balada de Amor ao Vento. Em função disso, chegou a sofrer inclusive ameaças de morte. Na obra, aparecem várias referências autobiográficas. O fato de se tratar de uma literatura jovem também desperta a atenção da estudante:

— Os países que a gente estuda tiveram um processo de nacionalização muito tardio. A partir da literatura, é construída a identidade nacional deles, e isso é muito interessante – considera.

ENTENDA 

As nações africanas de língua lusófona (destacadas em cor clara no mapa à esquerda) atingiram sua independência política na metade da década de setenta. O processo de descolonização da África, no entanto, iniciou um pouco antes, no começo da década de sessenta – com algumas exceções, como a Libéria (primeira nação africana a declarar independência), que se tornou independente em 1847, e países como o Egito e a Etiópia, nas décadas de 1920 e 1940, respectivamente.

O esquadrinhamento do mapa político do continente africano entre as potências colonizadoras europeias no século XIX, na Conferência de Berlim, realizada entre 1884 e 1885, desrespeitou uma série de identidades locais, que eram entendidas através de características étnicas e linguísticas, e não como estados-nação. O território dos zulus, por exemplo, é dividido em três países, atualmente nos territórios de Moçambique, África do Sul e Suazilândia.

IMPACTO NA LITERATURA 

Além de todos os problemas políticos e sociais que essas divisões à margem dos interesses locais acarretaram, isso influenciou diretamente na literatura dos países africanos, inclusive nos países de língua portuguesa. As divisões provocam, consequentemente, um acréscimo de valores dentro de identidades nacionais já constituídas, como explica o professor Alós:

— Quando se dá o processo de independência, se adota a língua do colonizador, mas os conflitos anteriores vão ser tematizados pela literatura – finaliza.

Repórter: Nicholas Lyra
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