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Maior cervo que já habitou a América do Sul foi tema de pesquisa na UFSM

Novas tecnologias têm sido fundamentais para auxiliar na compreensão da biologia de espécies extintas



Reconstrução fotográfica e vertical de um cervo gigante. No centro da imagem, o cervo, com pelos em tons de marrom, porte grande, tem cabeça pequena em relação ao resto do corpo; está parado de perfil, com a cabeça pra frente. Ao redor dos olhos e na mandíbula a pelagem é branca. Os olhos e focinho são pretos. A galhada é grande e alta. Ao lado esquerdo, no alto, três recortes da fotografia, da parte da cabeça. De cima para baixo, a primeira mostra a cebeça, a segunda mostra os ossos da cabeça, e a terceira mostra o cérebro. O fundo é desfocado e em tons de verde.
Arte de Márcio L. Castro.

Que linda esta imagem, não? Ela é a reconstrução artística do Antifer ensenadensis, um cervídeo extinto que é considerado o maior cervo que já habitou a América do Sul. Também estão representados, nos quadrinhos menores, o crânio e o encéfalo dele, que foram objetos de estudo do mestrado que realizei na UFSM, em 2021, sob orientação do paleontólogo Dr. Leonardo Kerber. Na pesquisa, analisamos o molde da cavidade do crânio onde fica o encéfalo do cervo extinto no Pleistoceno final e, para fazer tal análise, utilizamos técnicas de tomografia computadorizada.  Entre os resultados da investigação, descobrimos que o peso do Antifer ensenadensis pode ter atingido até 206 quilos, maior que o Cervo-do-pantanal, muito além do que já haviam estimado. Até então, estudos mostravam que seu peso poderia ter alcançado 120 quilos e não havia nenhum estudo sobre a cavidade endocraniana desses animais.

Reconstrução fotográfica horizontal e colorida de um cervo gigante. Na ireita da imagem, o cervo, de perfil, em frente a um bosque iluminado. O cervo tem pelos em tons de marrom, cabeça pequena em relação ao resto do corpo, e galhada grande. Na cabeça, ao redor dos olhos e na mandíbula, a pelagem é branca. Os olhos são redondos e pretos, o focinho também é preto. Ao fundo, em desfoque, troncos de árvores altas e finas, formam um bosque. Há luz entrando por detrás das árvores, o que ilumina o cervo.
Reconstrução artística do crânio do cervo gigante e da galhada. O crânio é de um tom de branco acinzentado, alongado, com buracos redondos no lugar dos olhos e nariz. Na parte inferior, a arcada dentária superior. Os galhos são ligados às extremidades dos crânios e lembram galhos de árvores. O fundo é branco.
Reconstrução do crânio de Antifer ensenadensis, de Márcio L. Castro.

Os cervídeos que conhecemos hoje começaram a habitar a América do Sul durante o Pleistoceno, há aproximadamente 2,5 milhões de anos. Eles chegaram aqui com a formação do Istmo do Panamá no final do Plioceno, há mais ou menos 2,4 milhões de anos. O Istmo era uma ponte localizada na América Central, que interligou a América do Norte com a América do Sul. Esse fenômeno é conhecido como “Grande Intercâmbio Biótico Americano”. Naquele período, existiam cervos de grande porte, como o Antifer, que tinha galhadas muito robustas, chegando a um metro de comprimento (para comparação, as galhadas dos cervos atuais não passam de 45 centímetros).

Representação de mapa da América do Norte, América Central e América do Sul, em tons pastel. Na parte da América do Norte, há alguns ícones de cervos e outros animais. Na América do Sul, cervos, tatus, preguiças, entre outros animais. Ao lado de um cervo da América do Norte, uma flecha que aponta para a América do Sul. O fundo é branco.
Representação do Grande Intercâmbio Biótico Americano. Acima, estão os cervídeos que ingressaram na América do Sul e, abaixo, os mamíferos que habitavam o continente, como marsupiais, preguiças, tatus, liptoternos, notoungulados, entre outras linhagens.

O estudo da Paleoneurologia

Paleoneurologia é um ramo da paleontologia que estuda a evolução neurológica. Após a morte dos animais, os tecidos do sistema nervoso não são preservados, pois se decompõem rapidamente. Este ramo da paleontologia, portanto, não trabalha diretamente com os tecidos, mas com impressões/contornos internos que foram deixados nos ossos. Atualmente, as tecnologias para visualizar e analisar fósseis vêm avançando e é possível estudar as cavidades internas de crânios por meio de tomografias computadorizadas, sem precisar quebrar ou danificar os fósseis. Antes do surgimento dessas tecnologias, era necessário fazer moldes de látex ou outro material, e o risco de danificar e/ou fraturar o fóssil era grande. Alguns pesquisadores serravam o material para ver como seria a morfologia interna, o que acarretava em perda de informação externa, além de danificar o fóssil.

 

Em nossa pesquisa, estudamos a cavidade endocraniana de Antifer ensenadensis (um fóssil de 42 – 10 mil anos atrás), provenientes da Formação Touro Passo (Pleistoceno Superior) e outros cervos atuais da América do Sul, América do Norte e Eurásia. O objetivo era compreender a morfologia, tamanho e forma dos endocrânios. As técnicas que usamos como metodologia foram:

Boz horizontal e colorido. Sobre o box, três blocos de texto. Os textos estão em caixa alta e na cor branca, e os títulos tem fundo preto. O primeiro bloco tem o título "Morfometria geométrica" e o texto: "Analisa e compara a variável de formato, excluindo a variável de tamanho". O segundo bloco tem o título "Coeficiente de Encefalização", e o texto: "Razão entre o tamanho cerebral real e o tamanho esperado em relação à massa corpórea de um animal"; e o terceiro bloco tem o título "Morfologia comparada", e o texto: "Compara os fósseis com relação aos espécimes atuais". O fundo é desfocado, iluminado e em tons de marrom.
Fotografia horizontal e colorida de fósseis em esteira ao lado de máquina de tomografia computadorizada. São cinco fósseis de diferentes partes do cervo. A máquina é branca com detralhes em azul e cinza. A esteira é ligada a uma estrutura circular com um círculo vazado no centro. Ao lado, painel de controle preso à estrutura da máquina por um braço de metal. No fundo, paredes brancas.
Tomografia computadorizada dos crânios de cervídeos. Arquivo pessoal.

Concluímos que A. ensenadensis possuía um cérebro girencefálico (com sulcos e circunvoluções), assim como os cervos atuais, e o coeficiente de encefalização está dentro da variação dos cervídeos. 

 

Alguns fatores ecológicos influenciam no grau de encefalização ao longo do tempo em diversos grupos de mamíferos, como pressão seletiva de predadores, competição, seleção neutra ou negativa, domesticação, hábitos fossoriais (adaptado para cavar, vive sob o solo), procura de alimento, entre outros.

Reconstrução tridimensional do molde encefálico do cervo gigante. Ele está dividivo m quatro partes, A, B, C e D. Estão na cor roxa. Há flechas que apontam partes da estrutura. Na descrição, conforme as partes. Na parte "A": olfactory bulb,cruciate sulcus, lateral sulcus e vermis. Na parte "B": olfactory tract, optic nerve, nerves III, IV and V (variable V1 and V2), nerve v3, paraflocculus, medulla oblongata, pituitary gland, nerves IX, X and XI, e nerve XII. Na parte "C": olfactory bulb, optic nerve, nerves III, IV and V (variable V1 e V2), nerve XII, medulla oblongata e vermis. E na parte "D": rhinal fissure, suprasylvian sulcus, nerve V3 e paraflocculus. O fundo é branco.
Reconstrução tridimensional dos moldes encefálicos de Antifer ensenadensis. À esquerda, o espécime da Unisinos e, à direita, o espécime do Museu de Ciências Naturais de Porto Alegre.
Reconstrução tridimensional do molde encefálico do cervo gigante. A reconstrução está em quatro partes: A, B, C e D. As partes A e B são de frente e trás. E as partes C e D são do molde partido, direita e esquerda. A coloração é vermelho vivo. Na descrição, elementos apontados em cada parte. Na parte "A": coronal sulcus, ansete sulcus, olfactory bulbs,cruciate sulcus, lateral sulcus, superior sagittal sinus, cerebellar hemispheres e vermis. Na parte "B": rhinal fissure,olfactory tract e optic chiasma. Na parte "C": coronal sulcus, diagonal sulcus, rhinal fissure, transversal fissure. E na parte "D": olfactory bulbs, optic chiasma, suprasylvian sulcus, ectosylvian sulcus e vermis. O fundo é branco.

Observamos também que, quanto menor é o tamanho corporal dos cervos, maior é o tamanho do cérebro – e vice versa – valendo para os cervos extintos e viventes. Esse fato não reflete necessariamente em uma maior inteligência para os cervos pequenos. Uma hipótese para explicar essa variação em tamanho relativo do cérebro é que animais que sofrem maior predação e competição (o que chamamos ‘pressão seletiva’) tendem a possuir um encéfalo maior (maiores coeficientes de encefalização), enquanto em animais com menor pressão seletiva na sua vida tende a ocorrer o oposto.  Os cervídeos de menor porte provavelmente sofriam mais predação e competição do que os cervos maiores, pois animais pequenos tendem a ter uma alimentação mais especializada – e consequentemente maior competição intraespecífica (entre indivíduos da mesma espécie) e interespecífica (entre indivíduos de espécies diferentes).

Gráfico quadrado e em preto e branco. Na linha 'x', a variável "log (Size). Na linha 'y', a variável "Shape (Regression score)". A linha 'x' vai de 4,6 a 5,2, com variável de 0,1. A linha 'y' vai de -0.05 a 0.05, com a variável 0.00 no meio. Na parte inferior esquerda do gráfico, há um cervo normal. Na parte superior direita do gráfico, um cervo gigante. Há duas representações encefálicas acima do gráfico. O fundo é branco.
Gráfico que demonstra que forma e tamanho dos cervídeos estão relacionados. Quanto maior o tamanho corpóreo do cervo, mais similares são os seus encéfalos. O mesmo vale para os menores tamanhos.

Por fim, gostaria de ressaltar, a partir da minha experiência nesta pesquisa, o quanto as novas tecnologias têm auxiliado na compreensão da biologia de espécies extintas – como o caso do cervídeo gigante sul-americano Antifer ensenadensis. Projetos assim são de extrema importância para o conhecimento e desenvolvimento de hipóteses evolutivas e de extinção das espécies.

Reconstrução artística do cervo gigante. Ele está de pé, em perfil direito, com a cabeça erguida. Tem pelagem curta em tons de marrom. Os olhos e o focinho são pretos. Ao redor dos olhos e na mandíbula, a pelagem é branca. Tem galhada grande. O fundo é branco.
Reconstrução do Antifer ensenadensis, por Márcio L. Castro.
Expediente:
Texto: Emmanuelle Fontoura Machado, bacharela em Ciências Biológicas pela FURG, mestra e doutoranda em Biodiversidade Animal pelo PPGBA – UFSM;
Ilustrações: Marcio L. Castro;
Design gráfico: Cristielle Luise, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista;
Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e bolsista;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Maurídio Dias, jornalistas.
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