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Circuitos de sentido em torno da série Vaza Jato

Uma análise do circuito comunicacional da série Vaza Jato do The Intercept Brasil



Nove de junho de 2019. O domingo com sol na maior parte do território brasileiro poderia ser preenchido com um despretensioso zapeado entre canais na televisão ou entre as diferentes plataformas de redes sociais. Com a noite se aproximando, em uma época que o horário do pôr do sol começa a ser diferente nas regiões brasileiras, devido à vastidão do país, começam a circular as postagens de divulgação do início de uma série de reportagens que se baseia no vazamento de mensagens trocadas entre servidores do poder Judiciário do Estado Brasileiro. A Vaza Jato, denominação atribuída à série, em trocadilho com o nome da operação Lava Jato, começa a fluir pelo site e redes sociais do The Intercept Brasil (TIB), agência de notícias responsável pela produção, edição e publicação das reportagens, e passa a preencher as telas no domingo de diversas pessoas. 


No site, é possível ver as três primeiras reportagens com “exclusivo” em caixa alta, deixando evidente a importância atribuída pelo TIB ao que se noticia. Ao rolar o feed do Facebook, os seguidores da agência de notícias nessa plataforma podiam se deparar com uma imagem em preto e branco do ex-presidente Lula, retratado de perfil com a sombra de uma grade de cela presidiária no rosto. Ou com o perfil do ex-juiz Sérgio Moro, que olha para frente, talvez vislumbrando um futuro, que se concretizou com sua nomeação a ministro da Justiça. Ou ainda com a imagem do procurador da república Deltan Dallagnol, que interpela as caixas de mensagem expostas ao seu lado. No canal do Youtube, aparece um então juiz Sérgio Moro, nos idos 2016, palestrando sobre suas práticas de busca por imparcialidade ao julgar os casos da Lava Jato.

Ilustração horizontal e colorida de um circuito comunicacional da Vaza Jato. Na parte superior esquerda, há um retângulo com borda verde e símbolos vazados do whatsapp e telegram sobre um medidor de pressão horizontal e preto. Do aparelho de pressão, sai um cano cinza, que faz a volta na parte superior. Abaixo do cano, na parte superior, uma prateleira branca com três frascos com líquidos coloridos. O primeiro tem líquido laranja e a frase "Parabéns The Intercept Brasil". No segundo, há um líquido azul e a frase "Libera os áudios". No terceiro, há um líquido roxo e a frase "Disputa de sentidos". No cano cinza há três rachaduras das quais pingam uma gota verde neon. O cano cinza dá duas voltas, uma na direção vertical e outra na direção horizontal, em que se liga, no lado esquerdo inferior, a um dispositivo quadrado e vermelho com um símbolo do direito em preto. Ao lado, outra prateleira branca com três frascos com líquidos coloridos. O primeiro tem líquido amarelo neon e a frase "Cara de pau". O segundo tem líquido rosa pink e a frase "Hashtags em debate". O terceiro tem líquido verde turquesa e a frase "Lula o maior bandido". Acima, o cano cinza tem três rachaduras, das quais pingam uma gota verde neon. O fundo é lilás escuro.

Desde o lançamento dessas três primeiras reportagens da série Vaza Jato, já se somam mais de 20 histórias publicadas, além de parcerias entre o TIB e outros meios de comunicação para a ampliação da investigação jornalística. A fonte principal das matérias continua sendo as mensagens trocadas no aplicativo Telegram do procurador Deltan Dallagnol, vazadas de maneira anônima para a agência de notícias. A partir de então, surgiram diversos questionamentos nos comentários feitos no site, na fanpage e no canal do Youtube do TIB, que colocam em “xeque a moralidade do uso de tais dados”, assim como de seus “usos políticos para a destruição de reputações”. 

 

Das questões emergentes sobre a série de reportagens, é possível perceber que uma tensão se estabelece entre o que é enunciado pela agência de notícias e os sentidos que os comentadores deixam marcados em suas manifestações nesses espaços. Mas o que é comum em todos os lugares que observamos? O que aproxima e o que distancia? Os leitores tendem mais a concordar com o posicionamento das reportagens ou a duvidar? Como os leitores trocam ideias entre si?

 

Tais tensionamentos deram subsídios para que pudéssemos construir, na minha dissertação, uma análise sobre os sentidos que circularam em torno dessas três primeiras reportagens publicadas no site do TIB, na fanpage, e em um vídeo que foi postado no canal do Youtube, constituindo o que consideramos um circuito comunicacional, segundo o pesquisador José Luis Braga. Para esse autor, de maneira resumida, o circuito é formado por pontos nodais, como dispositivos de interação e episódios de comunicação. 

 

O primeiro pode ser caracterizado enquanto a formação de maneiras de comunicação que se repetem, o que produz certas estabilidades no processo comunicacional. Assim, uma postagem em uma fanpage pressupõe a utilização de determinado espaço para escrever, assim como a abertura de comentários, possibilidades de curtir e compartilhar. É uma forma de comunicação que possui certa estabilidade, que foi sendo constituída e formatada. Já os episódios comunicacionais estão para a ordem do que é particular em determinada troca comunicacional, o que é materialmente articulado. É nesse aspecto que cada postagem em uma fanpage seja algo único e passível de ser analisável individualmente. Em nossa pesquisa, nos debruçamos em três dispositivos já mencionados, e observamos seis episódios, sendo três vinculados ao site, dois a fanpage e um ao canal do Youtube. 


Contudo, o desafio durante a jornada de pesquisa foi lidar com a imensa quantidade de dados textuais coletados, tendo que investir no uso do software de análise lexicométrica Iramuteq para elaborar métricas e gráficos que pudessem ajudar a esquadrinhar as informações coletadas. Nos coube dar sentido aos episódios comunicacionais a partir da observação da nuvem de palavras, de um gráfico de árvore máxima de similitude constituído a partir das palavras com maior centralidade de intermediação e de um movimento de retorno aos textos originais para compreender de maneira integrada o que os números informavam.

Nuvem de palavrasgráfico formado a partir de dados textuais levando em consideração a frequência dos vocábulos presentes nos textos analisados 

Centralidade de intermediação – métrica da análise de redes, em que considera a intensidade com que determinado ponto atua como ponte no caminho mais curto entre outros dois nós da rede. Em pesquisas que trabalham com dados textuais, é possível utilizar essa medida para destacar as palavras que possuem maior recorrência entre outras duas palavras.

Árvore máxima de similitude – gráfico construído com base em métrica escolhida previamente para evidenciar a conexidade entre os nós estabelecidos, levando com consideração a co-ocorrência dos vocábulos.

A partir desta metodologia integrada, demos nomes aos episódios e tecemos inferências sobre os sentidos circulantes de maneira individualizada para cada dispositivo, mostrando aquilo que os aproximava e o que os distanciava. Em cada episódio buscamos compreender também os fluxos comunicacionais por duas perspectivas, uma entre o que os leitores comentavam e o que era exposto pelo TIB, e outra entre os próprios leitores.

De maneira panorâmica, observamos que, no site do The Intercept, os comentários tendem a ser maiores do que nos outros dispositivos, e que do primeiro episódio até o último, houve uma mudança nos sentidos circulantes, indo das parabenizações ao trabalho dos jornalistas, passando por pedidos de liberação dos áudios vazados no segundo, até a intensa disputa por sentidos no terceiro. Na fanpage, a percepção de que o ex-presidente Lula tem culpa nas questões que envolvem a operação Lava Jato em um episódio e no outro o uso de hashtags antagônicas são predominantes. Já no vídeo do Youtube, temos muitas manifestações que dizem que o ex-juiz Sérgio Moro tem “cara de pau”, já que no vídeo em questão ele diz ser imparcial.

 

Uma das principais contribuições de pesquisas com essa abordagem integrativa, ou seja, cruzando indícios e pistas encontradas em diferentes plataformas, é a possibilidade de dimensionar os sentidos que se aproximam e distanciam em torno dos produtos midiáticos. É possível perceber ao longo da pesquisa que os leitores se dispuseram em discussões que vão desde a apresentação de argumentos jurídicos até o uso de xingamentos para expressar seus pontos de vista, o que foi possível mapear tanto do ponto de vista quantitativo, através das métricas empregadas, quanto do ponto de vista qualitativo, observando os comentários em si. Por fim, tais achados são importantes para corroborar a noção de que cada plataforma midiática constitui suas particularidades também nos sentidos que os comentadores fazem circular.

Expediente:

Texto: Luan Romero, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (POSCOM/UFSM);

Design gráfico: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista;

Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Ludmilla Naiva, acadêmica de Relações Públicas e bolsista; Ana Carolina Cipriani, acadêmica de Produção Editorial e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; e Gustavo Salin Nuh, acadêmico de Jornalismo e volun´tário;

Relações Públicas: Carla Isa Costa;

Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;

Edição geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas.

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