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Entre a preservação histórica e o desenvolvimento urbano

Sete sítios paleontológicos de Santa Maria já foram destruídos pela ocupação urbana



Segundo o meteorologista alemão Alfred Wegener, há cerca de 200 milhões de anos, durante a Era Paleozoica, os continentes estavam unidos em uma única massa terrestre chamada Pangeia. A fragmentação desse supercontinente deu origem aos cinco continentes do mundo atual. Todos os indícios de vida na Terra daquela época, hoje, são vestígios ou fósseis. A cidade de Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, é reconhecida pela riqueza do patrimônio histórico – está situada sobre 32 sítios paleontológicos, que remontam à vida na Terra durante a Era Paleozoica. Sete deles, no entanto, já foram destruídos pelo avanço da ocupação urbana.

Encontrar os resquícios históricos da vida na Terra exige um processo lento e gradual de pesquisa. No entanto, o crescimento das ocupações nas cidades trouxe o desafio da preservação do patrimônio, que entra em conflito com a necessidade de novas estruturas físicas, como a construção de ruas, faixas e viadutos.

O professor do Departamento de Geociências da UFSM, Átila Stock da Rosa, aponta que obras ilegais, perfurações para colocação de fibras óticas e tubulações de água e esgoto são as principais atividades que ferem o patrimônio paleontológico. Embora necessitem de licença ambiental para iniciar, as construções públicas preocupam os pesquisadores. Para Átila, o acompanhamento de profissionais especializados junto à obra, como paleontólogos, técnicos e alunos da área, ajuda a diminuir o impacto ao patrimônio, mas não o extingue.

As duas principais obras em execução de expansão urbana de Santa Maria, a Travessia Urbana e a duplicação da RS-509, conhecida como Faixa Velha, são exemplos da dificuldade em aliar desenvolvimento e preservação. Iniciada em novembro de 2013, a duplicação de 4,3 quilômetros da Faixa Velha foi interrompida um mês depois do início das obras, por não possuir laudo técnico de um paleontólogo que evidenciasse as consequências da obra para os três sítios localizados ao longo da rodovia.

Após a interrupção da obra, em outubro de 2013, o biólogo Darival Ferreira foi o profissional contratado para o acompanhamento. O trabalho consistia em monitorar as escavações e verificar a presença de fósseis nas paredes das valas abertas. Durante o tempo que esteve presente, o biólogo encontrou um fragmento fóssil, que foi encaminhado à Fundação Zoobotânica, em Porto Alegre, devido ao acordo preestabelecido pelo Daer. O especialista conta que, no início do trabalho, havia um clima turbulento quanto à decisão da necessidade da presença dele na obra, principalmente por parte das empresas e empreiteiras. A dificuldade maior foi a falta de comunicação ao profissional quanto ao cronograma das escavações.

No caso da Travessia Urbana, que possui 14,5 quilômetros, o problema apontado por Átila Stock foi o erro no cronograma de contratação das empresas. A responsável pela fiscalização foi contratada após a empresa executora da obra, ou seja, quando os trabalhos da primeira começaram, a segunda já havia realizado escavações.

Além disso, acrescenta Átila, a dificuldade de liberação do dinheiro público para obras no país cria a sensação de que, quando liberado, tudo precisa ser feito às pressas para que não se perca o investimento. A responsabilidade de fiscalização passa dos órgãos nacionais, que não conseguem dar conta da demanda, para os estaduais e municipais, “O município, para poder ter a obra, dá a licença mesmo sem ter estudo prévio. O que ele está fazendo é um crime, mas, muitas vezes, prefere fazer isso para não perder o investimento da cidade”, aponta Átila.

Para o pesquisador, o ideal seria que as obras desviassem dos patrimônios históricos nacionais e que existissem leis específicas e fiscalização efetiva. Para isso, seria preciso trabalhar a educação patrimonial e expandir os conhecimentos produzidos na Universidade: “Não adianta ter pesquisa dentro da universidade, estudar os fósseis, se não dermos um retorno desse conhecimento à comunidade.”

Propriedade privada

Os sítios paleontológicos são ameaçados, também, pela expansão das áreas de moradia nas grandes cidades. Os espaços, que antes eram descampados, são gradativamente ocupados por obras sem acompanhamento e que colocam em risco a preservação. No entanto, segundo o coordenador do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa), Sérgio Dias da Silva, apesar de os fósseis estarem em propriedade privada, eles não pertencem ao morador. “Todo o recurso que está imediatamente abaixo, no primeiro centímetro da superfície, pertence ao governo”, explicou o pesquisador.

Ao identificar vestígios em área privada, o Centro procura fazer uma aproximação direta com o proprietário. Algumas vezes o dono da terra permite que o estudo no solo seja feito e, se necessário, sejam iniciadas as escavações. Quando o acesso é dificultado, o caminho é pela via judicial. Os procedimentos de identificação de um afloramento, escavação e retirada do material seguem os mesmos padrões de áreas públicas. Após identificados e retirados, os fósseis têm seu valor histórico reconhecido e são tombados para se tornarem patrimônio da humanidade. No caso dos fósseis encontrados pelo Cappa, a UFSM é a guardiã do material, mas não é a proprietária.

A vandalização e a venda de fósseis é proibida por lei, com pena de multa ou detenção. Segundo Sérgio, é importante fazer com que o proprietário da terra se sinta dono do patrimônio e queira preservá-lo. Além disso, é importante trabalhar a ideia de que os fósseis são atrativos culturais e turísticos, e podem ser trabalhados como uma alavanca econômica para a região onde forem encontrados.

O tombamento não é uma desapropriação, o proprietário continua sendo o dono da terra; porém, no sítio, ele não pode mais tocar.

Saiba mais:

Como acontece a descoberta e a delimitação de uma área de preservação paleontológica?

O Centro de Apoio à Preservação Paleontológica (Cappa) trabalha com três principais maneiras de mapeamento dos sítios paleontológicos (veja infográfico ao lado). Uma dessas formas de mapear, o Google Earth, possibilita identificar manchas alaranjadas na paisagem — o que pode ser indício da presença de vestígios —, marcar o ponto, colocar as coordenadas em um GPS e ir até o local. “O trabalho, muitas vezes, precisa andar junto com a sorte”, destaca o professor Sérgio Dias.

Quando encontrado, é necessário que o fóssil seja retirado do local original o mais rápido possível, pois há grande chance de que seja perdido no ambiente. Por serem objetos frágeis, o manuseio dos fósseis é reservado a profissionais como paleontólogos, técnicos e alunos da área, que são habilitados para o processo de extração. No Brasil, a coleta de material fóssil deve ser autorizada e fiscalizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPI). Apenas instituições de pesquisa brasileiras e de ensino superior não precisam da autorização; no entanto, é necessário submeter relatório anual de suas atividades.

Como descobrir um sítio:

Do mapeamento à preparação de um fóssil

1º passo: Mapeamento

É possível mapear sítios paleontológicos utilizando mapas geológicos, estudando a superfície através de escavações em locais — ainda que não haja afloramentos —, e através do GPS, utilizando o Google Earth.

2º passo: Escavação

Após localizar o fóssil, é preciso delimitar o tamanho do material e isolá-lo.

3º passo: Engessar

Quando a rocha circundante é isolada e retirada da terra, ela deve ser engessada e, dependendo de seu tamanho, levada de caminhão até o laboratório responsável.

4º passo: Preparação no laboratório

No laboratório, é aplicada uma resina para fortalecimento do osso. Então, há um trabalho mecânico para retirar sedimentos, com ferramentas como martelos e talhadeiras. Também há processos químicos com ácidos para manter o fóssil por décadas. Dependendo do tamanho do material, a preparação pode demorar anos.

Após a preparação, o fóssil fica sob a guarda do governo. No caso dos materiais encontrados pelo Cappa, a UFSM é a guardiã legal.

Repórter: Andressa Foggiato

Ilustração e Diagramação: Evandro Bertol

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