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Como alimentar uma população global crescente

Projeto "Global Yield Gap Atlas" busca melhorar rendimento da produção agrícola



De um total de 7,6 bilhões de habitantes no mundo, quase um bilhão de pessoas não têm acesso a alimentos seguros e nutritivos suficientes para levar uma vida saudável. Em 2050, a população mundial deverá ultrapassar a casa dos 9 bilhões, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), e a crescente demanda de mercado pode causar problemas ainda maiores na produção e distribuição de alimentos. Como conseguir mais segurança alimentar para a população? Esse pode ser considerado um dos desafios mais urgentes do século 21, já que envolve questões de cunho político, ambiental, social e econômico.

 

Com o objetivo de apontar caminhos ao debate sobre a melhor forma de alimentar uma população global crescente, a Universidade de Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade de Wageningen, da Holanda, arquitetou um projeto de mapeamento das zonas produtivas em escala global. O Global Yield Gap Atlas (GYGA) é uma ferramenta criada para estimar a capacidade de produção de alimentos e a diferença entre as produções agrícolas atuais e potenciais em cada hectare de terras agrícolas existentes – as chamadas lacunas de produtividade.

 

Essa tecnologia deve permitir que os países mirem o futuro e  prevejam seu percentual de produções no ano de 2050. As informações básicas sobre rendimentos atuais e potenciais de cada área plantada podem garantir, dessa forma, uma melhoria no gerenciamento dos sistemas agrícolas e alimentares, de maneira que os agricultores possam alcançar maior produtividade em seus cultivos. O questionamento gira em torno, principalmente, da necessidade ou não de se ampliar as áreas cultivadas a nível mundial – para que as demandas da população sejam supridas – e, da busca por uma maneira de reduzir impactos ambientais que sejam consequência direta da prática agrícola.

 

De um lado, estão os que defendem culturas alternativas e sistemas de cultivo rotativos para superar possíveis carências alimentares; de outro, os que apostam em uma abordagem incremental para melhorar os sistemas de cultivo intensivos da atualidade.  Para enriquecer o debate, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) recebeu, no mês de agosto de 2017, um dos idealizadores do projeto Global Yield Gap Atlas, o professor da Universidade de Nebraska-Lincoln Patricio Grassini.

 

Professor Patricio Grassini apresenta o projeto Global Yield Gap Atlas para a comunidade acadêmica

O pesquisador veio ao Brasil para firmar a formação do projeto GYGA Brasil, que coloca o país como colaborador e participante do projeto global,  ao lado de Uruguai e Argentina, que representam, até o momento, o cenário latino americano. Aqui, o projeto será liderado pela Embrapa-Feijão e Arroz/GO, Esalq/USP e a equipe SimulArroz – integrada pela UFSM, pela Universidade Federal do Pampa, a Universidade Federal de Pelotas, a Universidade do Tocantins, o Instituto Rio Grandense do Arroz e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). O projeto já está em andamento e os resultados dos biênios 2015/16 e 2016/17 sobre as lacunas de produtividade  para as culturas de arroz e soja nas terras baixas do Rio Grande do Sul já foram apresentados. As pesquisas devem continuar intensas nos próximos três anos e contribuir com respostas concretas sobre os níveis de rendimentos agrícolas no Estado, bem como instigar os produtores rurais a pensar em estratégias para aprimorar suas produções.

 

Confira a entrevista com o professor Patricio Grassini:

 

Arco: Como o “Global Yield Gap Atlas” foi construído?

Patricio Grassini: Este é um projeto que é liderado pela Universidade de Nebraska em colaboração com a Universidade de Wageningen, da Holanda, incluindo também pesquisadores de diversas áreas do conhecimento de mais de 50 países do mundo. Necessitamos colaborar com as pessoas que trabalham nesses países em distintas regiões, não somente para que nos deem os dados necessários para estimar a produtividade de cada área, mas também para que nos ajudem a validar esses resultados e levá-los a nossa clientela final que são os produtores rurais.

 

A motivação para construir o Atlas veio da necessidade de entender quanto mais comida seria possível produzir nas terras que estão sendo cultivadas hoje em dia. Saber da produtividade potencial é a única maneira através da qual podemos entender se é possível produzir comida suficiente para 9,6 bilhões de habitantes no ano 2050, a partir do aproveitamento das terras que são cultivadas, ou – se não for possível – prever quantas áreas mais serão necessárias. Em poucas palavras, a única maneira com a qual podemos preservar os recursos naturais e as reservas de diversidade que nos restam é a intensificação sustentável de áreas já utilizadas atualmente.

 

A: O que é uma “lacuna de produtividade”?

P.G: Definimos uma lacuna de produtividade agrícola como a diferença entre o que um produtor obtém ativamente em seu campo de produção versus o que, potencialmente, seria possível produzir nesse mesmo lugar, de acordo com o clima e o solo. A brecha de produtividade pode variar desde uma brecha muito grande como as que vemos na África, ou brechas muito pequenas como as que vemos em sistemas intensificados como da Ásia ou da América do Norte. Em poucas palavras, sempre existe uma brecha em qualquer sistema de produção, mas a magnitude é sempre diferente.  E, assim como a magnitude é diferente, também as causas de uma brecha de produtividade o são. Em alguns lugares, a explicação da brecha pode ser a nutrição inadequada dos cultivos e, em outras regiões, por exemplo, os problemas podem estar relacionados com enfermidades, insetos ou, simplesmente, por um mal manejo do solo.

 

A: Como é possível diminuir essas lacunas na prática?

P.G: Depois de visitar muitos países, com diferentes contextos, posso dizer que existe uma característica única comum a todos os produtores que alcançam altos níveis de produtividade potencial: a capacidade de inovar e se adaptar rapidamente. Essa capacidade depende da curiosidade e,  sobretudo, dos testes contínuos que esses produtores fazem da tecnologia. São produtores muito curiosos que, geralmente, possuem anotações de todas as suas práticas de manejo e empreendimento dos últimos anos; que não têm medo de mudar e provar coisas novas, pensando sempre nas mudanças dos sistemas a cada década e como farão para se adaptarem a elas. Também não se preocupam tanto com o preço na hora de tratar de ter altos rendimentos e não necessariamente têm custos mais altos com insumos. Geralmente, têm os mesmos inputs ou tecnologias que os demais produtores, mas possuem domínio de diferentes tecnologias de conhecimento, o que lhes permite utilizar a mesma quantidade de insumos de uma maneira muito mais eficiente.

A: Existe algum país ou região do mundo que possa ser apresentado como exemplo de alta produtividade, de “superação” dessas lacunas?

P.G: Sabemos que existem países que baixaram suas brechas de produção de forma notável, durante os últimos anos. Na América do Norte a brecha de produção está em torno de 30%, e consideramos que as regiões que alcançam uma média entre 20% a 30% de produtividade potencial podem ser tomadas como exemplo. Contudo, não se trata somente de ter uma brecha de produtividade pequena e sim de entender também com que eficiência se pode reduzi-la. Muitas vezes, a brecha pode ser reduzida com tecnologias que têm um alto impacto ambiental e é isso também o que tentamos evitar através deste projeto. O objetivo máximo é sempre buscar reduzir a lacuna de produtividade de uma maneira sustentável.

 

A: Com a necessidade de se produzir mais comida em pouco tempo, o uso de agrotóxicos tende a aumentar? Como essa questão é tratada?

P.G: A Revolução Verde que ocorreu entre os anos de 1950 e 1970 nos mostrou que existem muitas tecnologias que aumentam a produtividade mas que também produzem graves efeitos ambientais.  Mas a questão é: “O que vamos fazer a respeito? Não vamos nunca mais utilizar agrotóxicos?”. Para mim, esse não é o caminho. Para mim, o caminho é a intensificação da produção, é usar tecnologias de insumos  que estão provadas na sua capacidade de reduzir as lacunas de produtividade, mas complementar essas tecnologias de insumos com tecnologias do conhecimento, para não cometer os mesmos erros que cometemos há 40 anos. Entendo que os agrotóxicos sim podem ser uma ferramenta a mais para reduzir as lacunas de produtividade, mas também reconheço que é necessário investir muito em conhecimento de todo o manejo de agrotóxicos para encontrar novas soluções e reduzir seus impactos ambientais.

 

A: O que se pode esperar do cenário latino-americano em relação à produção de alimentos, nos próximos anos?

P.G: O cenário para a América do Sul é muito favorável no sentido de que tudo que fizermos a fim de reduzir as lacunas de produtividade vai ser traduzido, seguramente, em mais exportações. De novo, é necessário fazer essa redução de maneira sustentável de tal forma que não somente estejamos produzindo mais comida, mas também que, ao mesmo tempo, estejamos minimizando o impacto ao meio ambiente. Esse foi o motivo principal de minha visita ao Brasil: tratar de ter uma reunião com pesquisadores brasileiros para começar a formular um atlas de lacunas de produtividade de plantações de arroz, milho, soja e cana de açúcar. O grupo deve começar a trabalhar neste projeto agora e, ao final do próximo ano, pretendemos regressar a Santa Maria para apresentar os resultados aos produtores e investigadores desta área. O objetivo não é somente estimar os valores, mas, principalmente, entender porque existe uma brecha de produtividade e desenvolver estratégias de manejo para reduzi-la.

 

Repórter: Tainara Liesenfeld

Fotografia: Luan Moraes Romero

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