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Igreja e Homossexualidade

Pesquisa discute como homens com práticas homossexuais buscam viver a sua sexualidade em Deus



O senso comum diz que, para a religião, a sexualidade praticada entre pessoas do mesmo sexo é um pecado ou desvio daquilo que é considerado natural. Mas a religião é, ao mesmo tempo, uma das principais fontes de socialização: seus ensinamentos oferecem respostas para questionamentos profundos sobre a vida, e as regras e valores de uma igreja apontam modelos de conduta ainda hoje fundamentais para a nossa compreensão de sociedade.

 

Essa dicotomia entre Igreja e homossexualidade, aparentemente irreconciliável, pode se tornar um elemento de sofrimento para pessoas que desejam viver sua orientação sexual sem abandonar uma relação pessoal com a fé e com o sagrado. E foi essa a preocupação central da psicóloga Alexandra Ribeiro Leite no desenvolvimento de sua dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco.

 

“Percebi que a religião ocupava um lugar especial no discurso dos clientes que [eu] acompanhava, regulando suas escolhas e condutas: ora a religião e seus dogmas traziam alívio e conforto, ora propiciavam culpa e sofrimento; sendo estes últimos associados, na maioria das vezes, às vivências sexuais”, conta a pesquisadora.

 

A pesquisa acadêmica, defendida no começo deste ano, teve como objetivo compreender  de que forma homens com práticas homossexuais lidam com as “estigmatizações” religiosas, e encontram pra si mesmos um lugar de permanência no catolicismo. A Igreja Católica foi escolhida como base para a pesquisa por ser a religião com maior número de fiéis no Brasil, além de congregar uma visão particular sobre a homossexualidade. Alexandra explica que “a visão dos fiéis católicos sobre a homossexualidade está marcada pelo preconceito, resultando, muitas vezes, no afastamento dos homossexuais das igrejas e dos serviços religiosos”.

 

Link do documento Persona Humana

 

A pesquisadora utilizou a metodologia conhecida como “histórias de vida” para conversar com homens católicos que encontraram formas de se conciliar com os dogmas da Igreja, e que procuraram nela refúgio e acolhimento após enfrentarem diversas dificuldades para aceitar sua sexualidade. Os resultados da pesquisa apontaram que a adesão de um fiel a uma religião não acontece, necessariamente, a partir da obediência total de seus dogmas e doutrinas. Ao contrário, cada pessoa realiza “negociações” entre o novo e o tradicional, o que permite ajustes entre as crenças religiosas e a acomodação dos dogmas mesmo quando existem restrições explícitas.

Alexandra também explica que para os homens entrevistados a aceitação da homossexualidade frente às restrições das crenças religiosas acontece de diferentes formas, visto que “a dificuldade também pode estar relacionada à maturidade e até mesmo à forma como cada sujeito vivenciava sua homossexualidade”, explica.

 

As conversas com os homens que participaram da pesquisa apontaram, entretanto, um distanciamento das práticas cotidianas e do engajamento com a Igreja. A maioria dos entrevistados atualmente apenas frequenta as missas. “Interpretamos essa postura como um reflexo do estigma e das desregulações religiosas que eles, em suas negociações com os conflitos, foram estabelecendo para dar sentido a vivência de sua sexualidade e vivência religiosa”, conclui Alexandra.

 

O que importa para esses homens é a aceitação de Deus: “eles compreenderam que sua relação com Deus é mais importante do que ser aceito pela sociedade. Assim, os dogmas e discursos propalados pela Igreja assumiram uma menor importância na constituição da subjetividade dos sujeitos. Desta forma, eles passaram a se aceitar, uma vez que compreenderam que se Deus os amava, eles também teriam que se amar”, conclui a pesquisadora.

 

ARCO ENTREVISTA

“Quero ajudar outras pessoas que estão se descobrindo para que não abandonem a fé, pois Deus os ama acima de tudo”

A vivência da orientação sexual na Igreja, no Seminário e na comunidade

 

Jerônimo*, de 23 anos, é homossexual e foi seminarista por mais de seis anos – período de formação e amadurecimento para se tornar um padre, onde são aprimoradas as questões humanas, intelectuais, espirituais e pastorais no indivíduo através da oração, da fraternidade, de estudos e do trabalho na comunidade. O rapaz contou para a Arco sobre sua experiência e como foi conviver com sua sexualidade durante o seminário.

*nome fictício para assegurar a identidade do entrevistado

 

Quando e por que você entrou no Seminário?

A minha relação com a igreja, até os 7 anos, era de um católico relaxado, que não participava e nem praticava. Certa vez, decidi começar a ir na missa e passei a atuar desde os trabalhos mais leves aos mais pesados, como limpar a igreja, tocar sino, participar da liturgia… Passava um bom tempo da minha vida na igreja, sendo mais frequente no Ensino Médio. Com o tempo, senti uma forte vontade de pertencer ao Seminário e conhecer mais de perto. Foi uma experiência muito boa que foi acontecendo aos poucos.

 

Quais eram suas expectativas com a Seminário?

Eu desconhecia o que era ser seminarista. O ambiente era novo e tinha muita disciplina: horários definidos para estudar, descansar, orar… Uma das novidades que encontrei lá foi a terapia, em grupo e individual. Assim fui trabalhando minha sexualidade nas sessões e consegui canalizar o ato de impulsão por sexo.

 

Eu soube, desde pequeno, que sou homossexual, isso me levou a entender melhor e a seguir corretamente os passos do Seminário, onde encontrei um acolhimento por parte dos padres que não encontro em outros lugares. Em conversas particulares, confissões e aconselhamentos, encontrei um apoio grandioso – como de fato é o amor de Deus por todas as pessoas. É um convite a viver a sexualidade de uma forma diferente. Durante o tempo em que estive no Seminário contei com a ajuda da terapia em todos os momentos, e nunca me senti frustrado.

 

 “Quem não tem amor e não tem uma boa acolhida com seu próximo, não pode se dizer cristão”.

 

 

Por que você saiu do Seminário?

Fiquei 6 anos e meio, tive uma experiência muito forte e intensa e fui muito feliz. Minha saída se deu por problemas familiares: minha família pediu que eu pensasse bem sobre continuar ou não, pois me distanciei muito deles – já que tinha outros serviços a fazer. Mas a minha decisão se deu a partir do momento em que tive que olhar mais de perto para a minha mãe, que passou por uma separação e veio morar comigo. A minha missão agora é cuidar da minha mãe, pois de nada adiantaria cuidar de outras pessoas, sendo que minha família precisa de mim.

 

Para os padres, minha saída se deu de forma bem difícil, porque viam em mim sinais de uma vocação muito forte: eu abraçaria a castidade, a pobreza e a obediência. Eles acabaram ficando tristes, porque houve um tempo investido e contavam comigo.

 

Como foi, para você, contar para sua família que é gay?

Essa foi uma decisão bem forte, demorei muito tempo para falar para minha mãe que sou gay. Foi recentemente, quando achei que era o momento certo. Tudo na vida tem um momento certo, um momento para tomar decisões e fechar ciclos. Muitas pessoas próximas já sabiam, e eu vivo minha homossexualidade de forma discreta e tranquila. Mas confesso que tive muito medo de contar para minha mãe, porque certa vez, quando eu mencionei que sou homossexual, ela não aceitou. Mas agora lidou de uma maneira que me surpreendeu. Acho que toda mãe tem medo que seu filho homossexual vá se “transformar” ao se assumir, e a minha tinha medo disso, mas eu me identifico como homem e não quero mudar isso.

 

Você conhece algum católico que prefere esconder sua sexualidade por medo de ser rejeitado?

Não, na verdade aconteceu alguma situação assim com um jovem que também era homossexual e descobriu algo de mim. Nós conversamos sobre isso abertamente e ele me perguntou se eu me sentia amado por Deus, porque eu continuava na Igreja.

 

“Me sinto tão amado por Deus sendo quem eu sou! Mais do que sinto [ser amado] pela minha mãe, em relação a minha sexualidade”.

 

 

Há preconceito dentro da igreja por parte dos fiéis?

Sim, acontece. Alguns fiéis agem de forma machista, são preconceituosos, mal resolvidos, mal orientados por outras pessoas, mantém um preconceito altíssimo e desonesto, sem viver os preceitos cristãos – pois a caridade é o princípio mais forte do cristianismo.

 

Quem não tem amor e não tem uma boa acolhida com seu próximo, não pode se dizer cristão. É lógico que dentro da própria Igreja há pessoas que se escandalizam com homossexuais, mas isso acontece em todos os lugares: na escola, na faculdade, no grupo de amigos, na balada… Então, não seria diferente dentro da Igreja. Mas deve ser feito um trabalho maior de conscientização de que os homossexuais são acolhidos e amados dentro da Igreja, e também em outras partes da nossa sociedade.

 

Por que você continua sendo católico?

Eu continuo católico porque eu amo a Igreja Católica e quero continuar assim. Me sinto tão amado por Deus sendo quem eu sou! Mais do que sinto [ser amado] pela minha mãe, em relação a minha sexualidade.

 

Em relação ao pronunciamento do papa sobre os homossexuais, digo que de forma alguma ele é moderno, contemporâneo ou revolucionário. A moral sexual, documento que afirma o dever da Igreja para acolher os homossexuais, existe desde a reforma protestante e sempre orientou sobre isso. A imprensa se escandalizou porque não estuda de fato o que a Igreja pensa sobre certas questões, sobre assuntos do mundo.

 

Nem o papa, nem os bispos, nem os leigos tem o direito de julgar um homossexual quando ele procura a Deus. O único que pode nos julgar é Deus. E se um homossexual procura de coração o Senhor, de forma alguma Ele vai rejeitá-lo ou deixar de acolher esse jovem que está sendo sincero. Então, de fato quero continuar e quero ajudar outras pessoas que estão se descobrindo para que não abandonem a fé, pois Deus os ama acima de tudo.

 

Reportagem: Gabriela Pagel, Maira Trindade e Maria Júlia Corrêa
Infográficos: Juliana Kruhpatz

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