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Repensando a agricultura

Especialista em Direito Agrário, Luis Fernando Pires defende pensar o trabalho no campo a partir do conceito de Empresa Rural



O advogado Luis Fernando Cavalheiro Pires é especialista em Direito Agrário e trabalha para a Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). Como Presidente da Comissão Jovem da Farsul, esteve em Santa Maria para participar do 1º Simpósio Estadual de Direito Agrário, Ciências Rurais e Sustentabilidade, que foi promovido pelo PET-Agronomia juntamente à União Brasileira dos Agraristas Universitários.

 

Luis Fernando trabalha atendendo aos interesses da classe rural nas questões jurídico-ambientais e institucional-parlamentares. Além disso, é também um dos responsáveis pelo diálogo com os parlamentares e pela construção de diversos projetos de lei que tramitam na Assembleia Legislativa e também no Congresso Nacional.

O advogado Luis Fernando Cavalheiro discutiu sobre “A inserção do jovem no campo: novos desafios e novos incentivos”.

 

A equipe da Arco conversou com Luis Fernando sobre a inserção do jovem no campo, temática que foi apresentada por ele na última terça-feira (21).

 

Por que é importante debater sobre a inserção do jovem no campo em 2017?

Na verdade, a inserção do jovem no campo está relacionada a todo o contexto que nós estamos debatendo aqui [no evento] sobre o Direito agrário em si. O que acontece hoje é que está havendo um avanço muito grande na questão do agronegócio, no conceito da propriedade rural. No Rio Grande do Sul são todas familiares, sejam elas pequenas, médias ou grandes. E por que eu digo que são familiares? Porque, na verdade, vai sucedendo de pai para filho, avós. E aqueles que não se profissionalizam acabam não se adequando às novas tecnologias, aos desafios novos que estão por vir, e acabam arrendando ou vendendo e outra pessoa acaba adquirindo. Faz parte de qualquer negócio. Hoje, o agronegócio, a atividade rural em si, é o setor pujante da economia do Brasil. É quase um quarto do PIB e, no Rio Grande do Sul, mais de 40%. E tanto a agricultura empresarial quanto a familiar são importantes nesse processo. Por que existe a preocupação com o jovem? Justamente porque nós estamos em um avanço muito grande, existe essa profissionalização e a gente sabe que ainda há em alguns lugares do Rio Grande do Sul uma dificuldade de os mais experientes abrirem espaço para que esses jovens possam colocar em prática o conceito de empresa rural, se inserindo no contexto, profissionalizando ainda mais aquela propriedade para que ela possa ter competitividade.

 

Qual é, então, a importância que o jovem exerce ao se inserir numa propriedade?

Hoje, o setor rural ainda consegue ser competitivo, apesar de as margens estarem cada vez menores, porque os lucros vão reduzindo. Então nós precisamos ser mais eficientes, tanto no sentido de produzir mais, mas também no gerenciamento de recursos, pensando de que forma podemos otimizar mais. Por isso, eu digo que é importante ter jovens competentes para que vejam o que está dando certo e o que está dando errado naquela propriedade rural.

 

E não existe uma diferença em relação a esse contexto no que diz respeito à agricultura familiar?

A preocupação com a agricultura familiar é muito pertinente, porque a dificuldade que nós temos hoje no Rio Grande do Sul é na sucessão e continuidade da pequena propriedade, porque os jovens não conseguem ter uma renda adequada. Na pequena propriedade, nós temos que diversificar cada vez mais, achar formas de ser melhores gestores, para que aquela propriedade possa, efetivamente, ter uma renda que dê lucro. Já as pequenas propriedades com uma estrutura melhor, obviamente, em relação ao aumento da produtividade, conseguem ter um panorama melhor.

 

E em relação à inserção dos jovens nas grandes propriedades?

O jovem que pertence a uma família cuja propriedade é aquela que se encaixa como média, obviamente, tem uma maior viabilidade para retornar. Ele vai estudar, fazer Agronomia, Veterinária e, automaticamente, ao se formar, voltar para a propriedade e se inserir num conceito de empresa. Se a pessoa é agrônoma, vai trabalhar justamente na parte técnica da lavoura, se somando ao trabalho que a sua família vem fazendo; se o profissional é veterinário, ele vai se inserir também nesse contexto; o administrador vai se inserir num contexto mais burocrático, de organização da estrutura familiar. Eu, por exemplo, sou advogado, trabalho nessa parte de contratos, estudo para ver qual vai ser o melhor período para se fazer um mercado futuro. Então, justamente, é importante se inserir nesse contexto. Porém, não só falo na questão dos filhos dos produtores, mas também todos os profissionais que estão ligados em paralelo a isso. Nós estamos discutindo hoje, a nível de Rio Grande do Sul, o Zoneamento Ecológico Econômico, em que se discutem questões sustentáveis, mas também questões sociais e econômicas importantes para o desenvolvimento das regiões, ou seja, de que forma achar o equilíbrio da balança entre o setor sustentável e o setor da economia pujante, que é o Agronegócio. Então, há espaço para o economista fazer projeções e trabalhar com dados técnicos e precisos para poder passar aos produtores, ao Estado, mas também é um espaço bom para os biólogos, geólogos e profissionais da área ambiental. Há uma gama de oportunidades, hoje, paralelas ao agronegócio.

 

Você falou sobre a criação de empregos diretos e indiretos que o setor da Agropecuária criou, mesmo em uma época de crise. Como aconteceu esses estudos?

Pegamos todos os municípios do Rio Grande do Sul e dividimos entre municípios que tem mais de 30% do PIB vindo da agropecuária e os demais municípios, que são a região de Porto Alegre, região metropolitana, serra gaúcha, Santa Maria, cidades maiores em que os serviços acabam sendo maiores do que a agropecuária. O que nós notamos é que, no primeiro momento, no biênio 2013-2014, tanto o setor industrial como o agropecuário contrataram. Os municípios da agropecuária contrataram muito mais porque são maiores. Quando veio a crise 2015-2016, os demais municípios, que não são tão dependentes do agro, demitiram em massa, muito mais do que contrataram naqueles dois anos antes. Por sua vez, os municípios dependentes do agronegócio continuaram contratando, porque nós tivemos safras positivas e o setor vem se estruturando cada vez mais. O que eu quero dizer com isso: o agronegócio é mais resistente à crise que os demais setores. Te falo isso sem medo de errar, porque isso se deve justamente ao trabalho do produtor rural que vem sendo feito sem depender tanto do mercado interno e do governo.

 

Por que isso acontece?

A indústria não consegue ter competitividade com os mercados internacionais e o mundo hoje é globalizado. Nós não podemos pensar em abastecer o mercado interno.  Nós temos que pensar no mundo que demanda alimentos e a propriedade rural, pela própria lei brasileira, exige uma função social não só para nós, mas para os demais países. Como aproveitar ainda mais, se a gente exporta as commodities e acaba importando de lá? O produtor rural evoluiu muito quando investiu e agregou valor na sua propriedade. Como ele fez isso? Investindo numa semente de qualidade, tendo por trás a genética de ponta e a biotecnologia. Nós conseguimos safras muito boas, porque o produtor investiu na semente, na adubação – um cuidado constante com a terra, com o solo, que permite hoje os solos serem cada vez mais produtivos. O produtor faz o manejo adequado, que protege o meio ambiente. Além disso, investiu em um bom maquinário, colheitadeiras novas, semeadeiras, tratores. Fez uma estrutura de armazenagem para vender os grãos na época certa; implementou tecnologia que permitiu mais de uma colheita por ano, diversificando as culturas. Ou seja, ele agregou muito valor na sua propriedade. A indústria não conseguiu acompanhar esse desenvolvimento em termos de competitividade, porque os governos que estão aí não fizeram os investimentos necessários que permitam o crescimento nessas áreas. Não temos uma malha ferroviária adequada, hidroviária muito mal explorada, rodovias precárias – coisas que aumentam os preços de logística. Além disso, a carga tributária é exorbitante e, no mais, os empresários da indústria se acomodaram ao esperar que os governos façam por eles. O setor produtivo precisa fazer por si próprio e, obviamente, o governo fazer a parte dele, desburocratizar o processo e dar condições não só para o setor produtivo. Nós temos que evoluir muito, mas isso não é culpa do produtor que está fazendo a sua parte, mas sim do Estado que não pensa em como ajudar o setor industrial para que o comércio também cresça. Por outro lado, os municípios que não dependem tanto do agronegócio demitiram mais quando estourou a crise, enquanto o setor do agronegócio não só não demitiu, como também contratou mais.

 

Como lidar com o fato de que o investimento no agronegócio é maior do que na agricultura familiar?

Quando se fala em Plano Safra, há uma ação do governo para viabilizar um recurso oriundo das poupanças e depósitos compulsórios no Banco Central. Então, não há dinheiro do governo, mas sim dinheiro dos bancos que o governo viabiliza que os bancos consigam, de certa forma, estimular um setor. A inadimplência do agronegócio é baixa, menor do que os outros setores produtivos. Então é óbvio que se visualiza um bom negócio para a economia do país, mas também um ótimo negócio para os bancos, uma vez que eles nunca colocam para perder. Por esse motivo, os investimentos são maiores na agricultura empresarial, porque, para os bancos, é ela que coloca mais garantias de que vai se cumprir o pagamento. Existem, no entanto, incentivos como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), ou seja, há incentivos melhores, com juros melhores, até pela dificuldade de competir que os produtores desse setor têm.

 

A partir disso, como incentivar que os jovens permaneçam na pequena propriedade rural?

No futuro, por exemplo, o Estado quer exigir a Nota Fiscal Eletrônica, que é natural, mas no momento isso não pode ser exigido dos produtores rurais, porque falta uma internet de qualidade no campo. A questão da irrigação na pequena propriedade, por exemplo, na fumicultura, os agricultores precisam de uma estrutura de luz, energia, de qualidade. Quem trabalha com leite precisa de estruturas de energia de qualidade. Isso acaba inibindo o desenvolvimento das pequenas propriedades. Outra coisa importante para a inserção desse jovem é fazer parcerias com as agroindústrias familiares. Se cria um mecanismo, uma estrutura menos onerosa para que a pequena propriedade consiga ter êxito, porque aí se agrega muito mais valor e, eu acredito, é importante no mercado interno, inclusive abastecendo as regiões urbanas. Assim, é necessário que o Estado dê o amparo e as condições para que esse pequeno produtor permaneça lá e que a agroindústria consiga alimentar a sua população.

 

E como caminham essas políticas de incentivo às pequenas propriedades, uma vez que existe um crescimento das grandes extensões de terra, que sufocam os pequenos produtores?

A gente trabalha pensando em todos, ainda que vendo as peculiaridades de cada um, porque existem peculiaridades, de fato. Mas para nós não tem tamanho, porque produtor rural é produtor rural. A Farsul não gosta dessa distinção, porque a gente trabalha com todos. Se há um problema, a gente está ao lado do produtor. Temos a nossa bandeira, trabalhamos defendendo abertamente o direito à propriedade privada e à livre iniciativa. O agronegócio está cheio de exemplos de produtores que tinham 20, 30 hectares e hoje têm 10, 20, 30 mil hectares em outros estados. Ou seja, eles fizeram por merecer, porque abriram mão de uma vida confortável e foram arriscar a vida em outros locais e obtiveram êxito. Eu discordo que há um abafamento do agronegócio à agricultura familiar, porque na verdade os setores se complementam, são interligados, dependem um do outro.

 

Repórter Germano Molardi
Ilustração: Nicolle Sartor
Foto: Arquivo pessoal do entrevistado em redes sociais

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