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Um pé na ciência, outro na educação

Em entrevista à revista Arco, o professor João Batista Teixeira da Rocha fala da necessidade de renovação da ciência e da educação no país e conta como tem sido sua experiência da Academia Brasileira de Ciências



Bioquímica, toxicologia e farmacologia. Dentro dessas áreas são desenvolvidas as pesquisas do professor do Departamento de Química da UFSM João Batista Teixeira da Rocha. Porém, entre estudos que incluem elementos como o Mercúrio, ele faz questão de dedicar parte do seu tempo para discutir e encontrar práticas capazes de melhorar o ensino da ciência no país.

 

Entendendo a ciência como algo que não pode ficar refém de velhas práticas e modelos curriculares rígidos, há alguns anos o professor tem se proposto a participar de interações acadêmicas com pesquisadores de países menos desenvolvidos que o Brasil na área científica. O objetivo é incentivar e desenvolver a ciência nos países que fazem parte do intercâmbio e promover a troca de informações e práticas de pesquisa.

 

Exemplo disso é a relação que Teixeira da Rocha mantém, desde 2004, com a Federal University of Technology Akure (FUTA), universidade nigeriana de cujo Departamento de Bioquímica diversos pesquisadores têm vindo à UFSM. Pesquisadores do Paquistão e do Iraque também participaram desses convênios, que trazem benefícios mútuos. Se para quem vem representa uma chance de novas experiências e aprendizados, o professor entende que, para o Brasil, essas atividades representam um meio de aumentar a sua influência na área científica.

 

Na entrevista a seguir, Teixeira da Rocha também fala sobre a sua participação na Academia Brasileira de Ciências. Membro eleito em 2014, ele conta quais são suas propostas de atuação e como essas ações podem refletir no modo como a ciência é feita no país.

 

A partir dos projetos em que você tem se envolvido, ligados a universidades como a FUTA, muitas pessoas de países cientificamente menos desenvolvidos que o Brasil vieram para cá. Ocorreu a experiência contrária, de estudantes da pós-graduação daqui irem para lá? 

Ainda não. Quando foram criados esses intercâmbios com países da África, houve muitas críticas de que era dinheiro sendo colocado fora. Isso porque a gente vive em um país em que há uma elite científica que nunca mudou e continua mandando. Eles têm essa ideia de que precisamos buscar o avanço tecnológico, mas isso é o que temos feito e não temos saído do lugar. Não basta mandar as pessoas para o exterior, porque não existe essa transferência instantânea. O que eu quero dizer é que nos falta essa visão de que atividades assimétricas, como é o caso das interações com países africanos, podem ser boas. No Ciência Sem Fronteiras, por exemplo, também não existe esse intercâmbio para países, vamos dizer assim, menos desenvolvidos.

 

 “A FLEXIBILIDADE CURRICULAR É ALGO MUITO IMPORTANTE PARA CRIARMOS UM MODELO QUE INCITE OS ALUNOS A SE DESENVOLVER, A ENFRENTAR PROBLEMAS” 

 

Falando sobre o Ciência Sem Fronteiras, qual é a sua opinião a respeito do impacto que o programa gera?

Eu ficava com um pé atrás, porque essas coisas em massa, como o que aconteceu na época que mandamos muitos doutorandos para fora, têm um resultado muito menor do que a gente espera. Mas acredito que uma grande coisa que aconteceu, ou precisa acontecer, embora isso assuste alguns, é a quebra da noção de que o currículo é uma coisa estanque. As pessoas acham que os anos de faculdade devem ser restritos a seguir o currículo, sentar ali na aula e esperar o professor jogar o conteúdo. Eu fico até apavorado em perceber que o nível de apatia dos alunos está aumentando, tudo isso dentro de um contexto em que eles precisam decorar para a prova, e não passa disso. Nesse sentido, o Ciência Sem Fronteiras traz uma mudança, porque o estudante sai, fica um ano fora e quebra esse esquema. A flexibilidade curricular é algo muito importante para criarmos um modelo que incite os alunos a se desenvolver, a enfrentar problemas. A academia, enquanto instituição universitária, é muito burocrática, muito ortodoxa.

 

Recentemente você foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Em que áreas específicas você pretende atuar?

A minha intenção é trabalhar com essas questões mais ligadas à educação em todos os níveis. E aí é o que eu tenho dito nas palestras que eu tenho dado sobre ciência e educação, que o problema, na verdade, somos nós mesmos, a gente é muito tradicional. Temos muito medo de nos expor e tentar mudar. O fato é que alguma coisa precisa ser feita se o Brasil quiser sair do estado de nação de segunda, terceira categoria, e se tornar um país de primeira categoria. Isso sem ser um Estados Unidos, porque aí eu acho que também não adianta só desenvolver e ter um monte de desigualdades. Precisamos também de um desenvolvimento mais social. Uma coisa é fato: essas mudanças vão ter que passar pela educação e vamos ter que criar o nosso modelo, e não copiar.

 

De que modo é desenvolvido o trabalho da Academia e como ele pode repercutir na sociedade?

A Academia propõe grupos de estudo. Então tinha lá um grupo, por exemplo, de interação entre academia, no caso universidade, e a indústria, no qual são propostas metas, possibilidades…. Quanto isso vai repercutir depende do quanto a Academia vai estar realmente envolvida. Agora estão sendo feitos dois milhões de kits para o ensino de Física, Biologia, Química, Matemática… Isso é importante? É, mas o problema da educação não é só a falta de material didático. Eu acho que o problema é mais questão de comportamento, de estrutura. Mas é óbvio que também falta material, então não é que eu esteja criticando fazer kits, eles são necessários. Ao mesmo tempo, não é só treinar o professor como se fosse um macaquinho, mas sim mostrar possibilidades. É um grande desafio.

 

Falando agora da sua pesquisa, um dos seus principais objetos de estudo é o Mercúrio. Por que estudar esse elemento?

O Mercúrio é um metal presente no ambiente, mas que não serve para nada no sistema biológico. Porém, a gente usou e ainda o usa. Para quem é da área da toxicologia, o primeiro caso grave que existiu envolvendo a liberação desse elemento foi na Baia de Minamata, no Japão, nas décadas de 1950 e 1960. O mercúrio pode ter vários estados de oxidação e pode existir como mercúrio elementar, que é esse que existe nos termômetros, e também no estado oxidado, em que é um sólido. Esse sólido era usado por uma empresa japonesa na fabricação de acetaldeído, utilizado na fabricação de plástico. O que acontece é que, quando na natureza, o mercúrio é metilado por bactérias, no caso os sedimentos aquáticos, e aí ele vira um metilmercúrio, que fica preso dentro da célula e vai sendo acumulado na cadeia alimentar a cada vez que um peixe menor é comido por um maior, assim até chegar no topo da cadeia, como é o caso do tubarão. Esses últimos acabam tendo uma concentração muito alta de mercúrio e eram consumidos. Foi o que aconteceu em Minamata.

 

Dentro do seu estudo, como esse caso se aplica?

O caso mostrou dados de que, por exemplo, uma mãe podia comer peixe e não mostrar sinais de intoxicação, mas, ao ter filhos, começaram a ser percebidos problemas neurológicos severos no bebê. Então para a neurotoxicologia foi um exemplo didático e traumático. O nosso estudo busca ver como uma neurotoxina, no caso, o metilmercúrio, interfere no sistema biológico. Nós tentamos entender os detalhes em nível molecular.

Repórter: Daniela Pin Menegazzo

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