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A inclusão de mulheres com autismo no mercado de tecnologia



Mulheres com TEA (transtorno do espectro autista) falam de sua trajetória em um universo tradicionalmente masculino

Joyce Rocha sempre se sentiu diferente. Na infância, apesar da boa relação com seus familiares, teve muitas dificuldades na escola pela incompreensão dos colegas e professores; durante a adolescência, o isolamento e a sensação de não pertencimento se tornaram mais fortes. A terapia e as aulas de teatro fizeram com que a jovem começasse a se abrir mais para o mundo. Mas apenas aos 21 anos conseguiu o que mais precisava: uma explicação para sua diferença: foi diagnosticada com TEA, o transtorno do espectro autista, popularmente conhecido como autismo.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o autismo é uma condição que afeta a capacidade de comportamento social, comunicação e linguagem. Na maioria dos casos, manifesta-se por volta dos cinco anos de idade e costuma persistir durante a adolescência e a vida adulta. O Manual Diagnóstico de Distúrbios Mentais (DSM) estabeleceu, em sua edição mais recente, três níveis de intensidade para o TEA: autismo leve (1); moderado (2) e severo (3). No autismo leve, as pessoas precisam de pouca ajuda nas situações do dia a dia; no nível moderado, o suporte necessário precisa ser um mais presente do que no nível anterior; no terceiro nível, a ajuda deve ser intensa e constante para aprender a lidar com as necessidades do cotidiano.

Ana Paula Lopes Araujo também se recorda de como seu comportamento era diferente dos outros colegas na época da escola, e por isso teve momentos muito difíceis na adolescência. Ela passou a compreender certas atitudes que teve na juventude quando recebeu seu diagnóstico de autismo; como uma jornada de autodescoberta ela encoraja a interpretar o diagnóstico como algo libertador: “Independente da idade [aconselho as pessoas a] não se desanimar, buscar esse diagnóstico como uma oportunidade para se entender, para se conhecer”.

Ana Paula Lopes Araujo na Laboratória. Foto: Linkedin

O diagnóstico precoce pode ajudar a melhorar consideravelmente a qualidade de vida da criança e de sua família, mas infelizmente isso não acontece em muitos casos. Segundo um estudo realizado em 2020 pelo Centro de Controle e Previsão de Doenças (CDC), uma agência dos EUA usada pelo Brasil como base para as estimativas de autistas no país, para cada 4 meninos com TEA existe 1 menina. No entanto, acredita-se que a quantidade de meninas autistas seja bem maior, pelo fato de que estas poderiam apresentar sintomas diferentes. Há algumas hipóteses para a subnotificação, como o fato de que a maioria das mulheres com autismo estaria no nível 1, como é o caso de Joyce e Ana.

As dificuldades de relacionamento também afetam muito a entrada dos portadores de TEA no mercado de trabalho. Em 2012, foi instituída no Brasil a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, lei que garante, entre outros benefícios, o direito ao trabalho. Apesar disso, ainda existe muita desinformação e

preconceito com relação ao autismo: não há dados sobre o assunto no país mas, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 80% das pessoas adultas com TEA no mundo estão fora do mercado de trabalho.

Estatísticas sobre o desemprego de autistas nos EUA. Fonte: Autism Work Barrier, 2013.

Entretanto, o número de ONG e empresas com políticas de inclusão aumenta continuamente e, em especial, as que favorecem a inserção dos portadores de TEA no mercado de tecnologia. Entre elas, podemos destacar a Specialisterne, que oferece formações gratuitas para pessoas com autismo e as aproxima das empresas; a Laboratória, organização não governamental com sede no Chile e que se dedica à inserção de mulheres no mercado da tecnologia, reconhecidamente dominado por homens; e a Zup, uma startup mineira que promove a inclusão para além da contratação; a empresa possui um programa chamado Catalisa, ação voltada para a capacitação de PCD (pessoas com deficiências) em tecnologia, na qual a contratação acontece logo no primeiro dia do treinamento. E não é necessário ter nenhum conhecimento prévio no assunto para participar.

Carly Fleischman é um exemplo de como a tecnologia tem impacto positivo na vida de pessoas com TEA. Diagnosticada com autismo severo aos dois anos de idade, a garota canadense apresentava graves dificuldades motoras e, apesar do empenho de sua família em ajudá-la, os progressos eram muito discretos. Um dia, aos 11 anos, usou o computador de seu pai e escreveu as palavras help (ajuda) e hurt (dor). A partir disso, seus pais e médicos a estimulavam a escrever e, aos poucos, começou a contar suas impressões sobre sua condição e o mundo que a cercava. Em 2012, publicou o livro Carly’s Voice com a ajuda de seu pai;

tem um site sobre sua vida e um popular canal de entrevistas no YouTube. Há hoje algumas controvérsias a respeito de seu progresso e supostos abusos por ela sofridos, mas Carly é, inegavelmente, um exemplo de superação e da importância da tecnologia para PCD.

Joyce levou muito tempo para se inserir no mercado de trabalho, pois não sabia identificar as dificuldades que sentia em entrevistas de emprego. Formada em design gráfico, seu primeiro trabalho em acessibilidade digital foi na Zup, de onde saiu para ingressar na Jusbrasil, na qual atua em produtos internos para tornar o site mais fácil para todas as pessoas; para isso, conversa com muitas pessoas com necessidades diferentes, a fim de entender como melhorar suas experiências e estabelecer uma ponte com quem traça as estratégias e realiza as ações. E afirma: para que as empresas em geral se tornem mais acessíveis, é necessário que abram cada vez mais para todas as diversidades, incluindo as PCD. Ao se questionar sobre como implantar meios que acolham a todos, as mudanças que impactarão a vida de diferentes clientes aparecerão naturalmente. “A acessibilidade não pode começar de fora para dentro; tem que começar dentro da cultura da empresa para, aí sim, se expandir para fora e a inclusão acontecer de fato.”

Atualmente, Ana Paula atua como desenvolvedora de aplicativos na Zup. A oportunidade de se inserir nesse mercado foi uma forma de mudar de vida para ela. No começo, foi difícil se acostumar com a rotina, mas, graças ao treinamento de seis meses na Laboratoria, sente-se realizada trabalhando com o que sempre gostou: a tecnologia. “Primeiro, a oportunidade de mudar de carreira e segundo lugar a oportunidade de mudar de vida, ter uma condição de renda boa para minha família, principalmente a minha mãe”, disse Ana, quando perguntada sobre o que a tecnologia representava para ela. Já sobre o papel que as empresas podem desempenhar na inclusão de pessoas com neurodiversidades, ela afirma que é preciso se abrir para o diferente. “Acredito que isso não é somente para os homens, mas para as mulheres também, para as pessoas em geral. Libertar-se de alguns estereótipos, desconstruir esses estereótipos e fornecer mais oportunidades para todo mundo”.

A abertura do universo tecnológico tanto para mulheres como para PCD em geral é uma amostra promissora sobre como as diversidades podem trazer um ganho significativo, e não apenas para a sociedade em geral. Ao integrar mais pessoas e pensar em suas necessidades, novos mercados podem se abrir, gerando mais lucros. Nesse sentido, a inclusão é, de fato, boa para todos.

 

Reportagem: Heloisa Gamero Marques, Pedro Roque Andrade, Renata Lopes Araujo

Matéria produzida na disciplina Redação Jornalística II, do curso de Jornalismo do Campus da UFSM em Frederico Westphalen, no 2º semestre de 2021, ministrada pela Professora Andrea Franciele Weber.

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