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Alunos surdos na UFSM – Incluir é transformar



A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a língua gestual usada pela maioria dos surdos. Reconhecida como a segunda língua oficial do Brasil pela lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, a língua foi regulamentada por meio do decreto 5626/2005. Mais recentemente, com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), houve a reafirmação de Libras como primeira língua no processo educacional para os surdos.

Na UFSM, a Língua de Sinais é utilizada pelos tradutores – intérpretes de Libras no acompanhamento dos alunos surdos na graduação, sendo este um dos mecanismos que possibilita a inclusão. Atualmente, 64 alunos surdos ou deficientes auditivos estão matriculados e seis concluíram cursos de graduação entre 2008 e 2017.

Caroline Domingues Fagundes, acadêmica do 7º semestre do curso de Administração da UFSM, irá concluir a graduação no final deste ano e acredita que esse feito é muito especial. Ela é surda e durante todo seu período acadêmico precisou do acompanhamento de intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para assistir às aulas. O ingresso de Caroline aconteceu por meio do, já extinto, vestibular em vídeo, a prova em texto era totalmente traduzida em Libras, o que facilitou seu acesso. No entanto, durante a graduação, enfrentou desafios e por muitas vezes pensou em desistir.

Atualmente, o ingresso na UFSM em cursos superiores de graduação acontece exclusivamente por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). O SiSU é gerenciado pelo governo federal e para participar é necessário ter feito a prova do Exame Nacional do Ensino Médio – (ENEM), bem como cumprir demais exigências de editais da UFSM. O ENEM ofereceu pela primeira vez em 2017 o recurso da video-prova traduzida em Libras em caráter experimental. Foram contabilizadas 1.925 solicitações de atendimento especializado para surdez e 4.390 para deficiência auditiva. Nas edições anteriores, os alunos poderiam optar apenas entre o auxílio de tradutores-intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de Leitura Labial.

Entrevista com aluna surda mediada pela tradutora-intérprete.Fotos: Nicole Carrion

Caroline teve todo o suporte familiar necessário para sua permanência na Universidade. A mãe é intérprete, o que foi fundamental para que ela tivesse o conhecimento aprofundado da Língua Brasileira de Sinais. O fato de alguns professores não saberem se comunicar com os alunos surdos dificulta a aprendizagem. Algumas disciplinas não têm uma boa comunicação porque os professores não conhecem a cultura surda, não conseguem adaptar filmes com legenda, trazer recursos mais visuais. As disciplinas da área da matemática são muito difíceis” relata a estudante.

Atualmente, em torno de 28 alunos surdos, divididos em vários cursos de graduação e ensino médio do colégio Politécnico, dependem da disponibilidade de horários de 14 intérpretes. Os intérpretes, por sua vez, organizam sua escala de trabalho de acordo com uma grade de horários, estabelecida no início de cada semestre, conforme a necessidade dos alunos. “Dividir horários para os intérpretes é o maior problema que temos aqui na UFSM. A contratação de mais intérpretes deveria ser equivalente ao número de alunos. A gente já fez pedidos para que olhassem para nós, para abrir concursos com mais vagas de intérpretes. Os intérpretes vão adoecendo físico e mentalmente, porque é desgastante todo dia fazer a tradução em libras, exige muito”, salienta Caroline.

Os alunos surdos encontram dificuldades com a Língua Portuguesa, pois não é a sua língua de fluência, mas sim a Língua Brasileira de Sinais. De acordo com a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, somente 7% da comunidade surda no Brasil é alfabetizada e, portanto, conseguirá se comunicar através da escrita. Tal situação faz com que se torne difícil para os alunos assistirem às aulas sem a presença do intérprete. Caroline afirma “Algumas vezes não há intérprete, mas vou na aula da mesma forma e o professor tem que desenvolver estratégias de como trabalhar comigo. Quando não tem intérprete eu fico só até o intervalo. Fica difícil aguentar quatro horas de aula”.

A tradutora-intérprete Renata Cassol da Rosa, que atua na UFSM, explica: ‘’Às vezes alguma colega fica doente ou está de licença e então nossa sobrecarga é grande, pois nosso trabalho é bem específico e exige um grande esforço físico e mental. Existem disciplinas teóricas que precisaríamos de uma dupla para trabalhar e realmente fornecer um trabalho de melhor qualidade para o aluno’’. Contudo, Caroline se mostra positiva na avaliação dessa trajetória: “Em toda minha experiência aqui na Universidade eu me senti muito bem.

As intérpretes estão sempre preparadas em sala de aula, eu me comunico facilmente com os colegas. Inclusive, já tive colegas surdos”. Quando questionada a respeito de sua inclusão na comunidade acadêmica, a estudante afirma nunca ter sofrido preconceito e que vê muitos colegas interessados em trocar informação e a ajudarem em atividades curriculares.

Capacitação gera inclusão 

A cada semestre, são ofertados pelos tradutores – intérpretes da Coordenadoria de Ações Educacionais (CAED) cursos de Libras, para toda comunidade acadêmica, nos níveis básico, intermediário e avançado. Todos os professores, servidores e alunos que tenham interesse podem realizar essa capacitação. Existem também cursos disponibilizados pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP), destinados exclusivamente aos servidores. Em Santa Maria, a escola Reinaldo Coser é específica para surdos e deficientes auditivos, oferecendo cursos de Língua Brasileira de Sinais para a comunidade em geral. 

Hoje, muitos jovens surdos que ingressam no ensino superior cursaram o ensino fundamental e médio em escolas especiais bilíngues e terão, frente às expectativas, normas e modos de funcionamento diferentes daqueles de sua experiência escolar anterior. A adaptação a essa nova realidade dependerá de suas características pessoais, habilidades, de sua história e da forma como encara esse período de desenvolvimento próprio da faixa etária do jovem adulto, marcado pela construção da identidade, da autonomia, de ideais e de relações interpessoais. É importante salientar que a inclusão não se resume à presença de intérpretes nas salas de aula. É uma iniciativa que deve partir de toda a comunidade.

A Língua Brasileira de Sinais não é exclusividade dos surdos, os ouvintes também devem aprender sua primeira língua, para que a inclusão seja efetuada em sua plenitude. A integração requer não apenas capacidade para o desempenho das atividades acadêmicas, como também para o envolvimento com os colegas, os professores e o ambiente. 

Desde 2016, a CAED realiza o trabalho de acompanhamento dos estudantes surdos ou deficientes auditivos a fim de avaliar o desempenho na Universidade. A chefe do Núcleo de Acessibilidade, Tatiana Negrini, relata “Nós realizamos entrevistas periódicas com os alunos surdos e deficientes auditivos, buscando um acompanhamento mais regular, para orientá-los quanto a alguma necessidade específica. Esse trabalho tem como objetivo de diminuir a evasão’’. 

Entrevista com aluna surda mediada pela tradutora-intérprete.Fotos: Nicole Carrion

Outro projeto desenvolvido pelo Núcleo de Acessibilidade da CAED é o Projeto Glossário, onde intérpretes e alunos surdos que frequentam cursos de graduação se reúnem para criar e discutir sinais que correspondem a termos específicos de cada curso. É um projeto voltado para a ampliação do vocabulário da Língua Brasileira de Sinais e conta com a colaboração de diversas instituições de ensino superior do país. 

Os intérpretes circulam entre todos os cursos da UFSM, o que inclui tanto cursos de nível superior quanto de nível técnico. Mesmo tendo se formado em Educação Física, Gabrielle Schuster é tradutora – intérprete de Libras na instituição. Devido à surdez da mãe, desde os dois anos de idade, começou a ter contato com a Língua Brasileira de Sinais. Essa vivência com a cultura surda fez com que ela viesse a trabalhar na área. Gabrielle atua na Universidade desde 2010 e reconhece a importância do projeto Glossário, que se torna muito importante para padronização dos termos específicos de cada curso, possibilitando a utilização dos mesmos em sala de aula. Ela ainda destaca “Nós trabalhamos com a Língua de Sinais, que é diferente de uma linguagem, justamente por ter toda a estrutura gramatical”. 

O aluno surdo tem o acesso a instituições de ensino garantido por lei. Mesmo com a oficialização da Língua Brasileira de Sinais, não há garantia de qualidade e permanência de um aluno surdo na escola. A intérprete Renata comenta que um dos principais motivos para a evasão é a não adaptação ao curso. “Outro fator específico é que a maioria dos surdos chega aqui com uma formação básica muito fraca, devido a inclusão não ter sido bem efetuada. Então, quando eles se deparam com os conteúdos de nível superior há uma grande dificuldade por conta dessa base” afirma a intérprete. 

A inclusão parte do pressuposto de que a estrutura discursiva e a informação transmitida por um professor ouvinte para alunos ouvintes sejam apropriadas também para o conhecimento e estilos de aprendizagem dos estudantes surdos. Porém, os estudantes surdos formam um grupo mais heterogêneo que o dos ouvintes. Boa parte deles cresceu em ambientes limitados linguisticamente e, por isso, não tem as competências linguísticas necessárias para fazer uso efetivo da interpretação ou dos livros didáticos, por exemplo. 

Outros problemas enfrentados pelos estudantes surdos dizem respeito a quebra de contato visual que ocorre, por exemplo, quando o professor escreve no quadro, caminha pela sala ou lê um documento, o que dificulta a leitura labial. Outro aspecto é a perda de informação, é preciso escolher entre olhar para o intérprete ou observar o professor, enquanto este manuseia um objeto em laboratório ou trabalha com imagens. A Universidade deve assumir a responsabilidade da inclusão, que é um processo contínuo e que não se limita a garantir o ingresso do aluno. Deve-se, constantemente, criar novas condições e desenvolver estratégias para a permanência ativa desses estudantes na instituição. 

Obs.: A entrevista da aluna Carolina Domingues Fagundes foi traduzida para a TXT pela intérprete Gabrielle Schuster.

Você Sabia? 

Surdez não é sinônimo de deficiência auditiva. É considerado surdo todo aquele que tem total ausência da audição. A deficiência auditiva consiste na perda parcial ou total da capacidade de detectar sons, causada por má-formação (causa genética), lesão na orelha ou na composição do aparelho auditivo. Todo surdo é deficiente auditivo, porém nem todo deficiente auditivo é surdo.

– Não confunda língua de sinais com linguagem de sinais. A linguagem pode ser considerada a capacidade de se comunicar. Utilizamos da linguagem sempre que queremos passar uma mensagem para as outras pessoas (através da linguagem verbal ou não – verbal, mímica, etc.). A Língua Brasileira de Sinais é uma língua, possui suas próprias regras, sendo a segunda língua oficial do Brasil e a primeira língua da comunidade surda. 

-O termo surdo-mudo caiu em desuso. Esta é uma denominação incorreta, pois nem todos os deficientes auditivos são mudos. Afinal, o pensamento parece lógico: se o indivíduo aprende a falar ouvindo, logo, os surdos não aprendem a falar se não ouvem. 

-Surdos oralizados: são pessoas que perderam a audição após aquisição da fala através da audição (também chamados de surdos pós-linguais).

BASTIDORES

A ideia para essa matéria surgiu com o intuito de dar visibilidade a uma realidade que está presente dentro da Universidade, mas que é pouco conhecida por quem não tem um colega surdo ou deficiente auditivo. 

Foi desafiador e aprendemos sobre vários aspectos da cultura surda. Foi isso que nos motivou a criar o box que explica e diferencia alguns termos que muitas vezes são confundidos ou adotados como sinônimos. A ideia é que os leitores da revista .TXT não cometam mais esses erros e que aprendam sobre essa comunidade com uma aluna surda, pois nada melhor que alguém que vive essa realidade para falar.

experiência foi muita interessante porque uma tradutora-intérprete de Libras teve que mediar a conversa. Estávamos receosas, mas para a nossa surpresa, a entrevista com a aluna foi a mais longa de todas que realizamos, durando cerca de meia hora. Caroline mostrou-se muito comunicativa e empolgada por estarmos tratando do assunto.

Ao fazer as fotos que ilustram a matéria, tivemos a oportunidade de conhecer mais o cotidiano desses alunos que necessitam do intérprete em sala de aula. As fotos feitas em estúdio em que utilizamos a Língua de Sinais nos proporcionaram conhecer o alfabeto.

Assim como qualquer pauta, tivemos dificuldades e imprevistos na obtenção dos dados, nos horários de entrevista e com a escolha dos enfoques, mas valeu a pena. Finalizamos esta pauta modificadas e está aí o nosso grande gosto pelo jornalismo: a capacidade de mostrar assuntos que merecem visibilidade, mas também a capacidade das pautas que propomos nos transformarem como pessoas e como futuras jornalistas. Esperamos que gostem! 

Reportagem: Bruna Eduarda Meinen Feil e Nicole Carrión da Costa

 

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