Ir para o conteúdo .TXT Ir para o menu .TXT Ir para a busca no site .TXT Ir para o rodapé .TXT
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

O FAZER ARTÍSTICO E A FALTA DE ESPAÇOS ADEQUADOS PARA PRATICAR



Estudantes do Centro de Artes e Letras da UFSM reivindicam seus espaços de ensino

Quando os estudantes de Artes Cênicas e Teatro da UFSM achavam que voltariam à normalidade do ensino presencial, no início de abril de 2022, foram surpreendidos por outro entrave: a inadequação do seu principal material de ensino, o teatro Caixa Preta. Desde 2016, o local, destinado a atividades artístico-culturais com espaço para aulas e espetáculos, possui problemas de infraestrutura que até hoje não foram resolvidos completamente. Em busca de soluções para a adversidade, os alunos realizaram protestos e reuniões junto à Direção do Centro de Artes e Letras da Universidade.

Foto vertical colorida do protesto realizado pelo teatro Caixa Preta. Ao centro, um grupo de alunos, cinco pessoas em pé e quatro sentadas, seguram velas, uma coroa de flores brancas e uma faixa branca escrita em preto a frase “O caixa é nosso”. Os estudantes, cinco garotas e quatro garotos, vestem em sua maioria roupas na cor preta e expressam tristeza em seus rostos. O local possui chão de cimento com paralelepípedos retangulares e ao fundo uma porta de vidro com estrutura em aço azul, que possui um cartaz amarelo pendurado com a frase “Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor” em preto. No lado esquerdo da foto, uma parede amarela se estende ao final da porta e os alunos estão posicionados em cima de dois degraus.
Estudantes do CAL manifestando luto. Foto: Cristine Michelin

O ato “Caixão de Lembranças”, realizado no dia 1 de junho, foi a primeira tomada de atitude pelos acadêmicos para que a situação de descaso com o espaço não fosse deixada de lado. Entre os objetivos havia a necessidade de unir forças entre os alunos para levar o problema da falta de espaços adequados para a realização das aulas e espetáculos até a Direção do CAL. Os discentes usaram a metáfora do enterro em seu manifesto para exemplificar sua visão e sua relação com o teatro: como se fosse preciso sepultar um corpo morto para que pudesse renascer. Como resultado, uma reunião entre os docentes e alunos de todos os cursos que demandam do Caixa Preta foi marcada para o dia 8 de junho, a fim de debater os próximos passos.

No encontro, discutiu-se qual seria a melhor maneira de conduzir os direcionamentos necessários e, assim, entender as delimitações impostas naquele momento. A partir disso, uma comitiva foi criada entre os cursos de Dança, Música, Teatro e Artes Cênicas, com coordenadores e estudantes, além de representantes do centro e dos departamentos. A estudante de Teatro, Natália de Souza, que participou das ações citadas, expõe se sentir negligenciada e explica que o Caixa Preta não é apenas um lugar para espetáculos e sim o material pedagógico desses cursos e que, em sua falta, o ensino fica defasado. 

Além da estrutura: o drama da pandemia

No dicionário Oxford Languages, a palavra drama é considerada como “uma situação ou sequência de acontecimentos em que predomina conflito de emoções, e pode incluir tumulto, agitação etc”. Entretanto, dentro do universo teatral seu significado é relativo, tanto o gênero quanto o próprio conflito da ação cênica podem ser interpretados em seu uso. Desta forma, é inegável a ligação direta dessa palavra com o teatro, e é assim que os alunos encaram as dificuldades.

O isolamento social, ocorrido por dois anos no Brasil, resultou em diferentes visões sobre o ensino superior artístico, principalmente por possuir uma grade curricular majoritariamente prática. A discente de Artes Cênicas, Isadora Diesel, ingressou na Universidade no ano de 2022, quando os cursos retornaram à normalidade. Assim, ela relata vivenciar um sentimento bom, por considerar o começo do curso como o mais importante para a adaptação. Entretanto, a aluna de Teatro e integrante do Diretório Acadêmico, Sofia Dotto, comenta se sentir desmotivada com a forma que esse retorno aconteceu. Isso porque, após o tempo pandêmico, se esperava que a retomada de todas as atividades ligadas ao aprendizado teatral fossem realizadas normalmente, porém Sofia conta ter se deparado com dificuldades novamente.

Em complemento a tal questão, Natália vivenciou o antes, o durante e o depois da pandemia. Para ela, a sensação de não ter ocorrido nenhuma mudança de 2020 para os dias atuais prevalece, “parece ter sido tudo um sonho e que estamos voltando ao primeiro dia de aula”. Contudo, ainda assim, a aluna se sente aliviada ao ver que, aos poucos, o curso se encaminha à normalidade.

Durante o ensino remoto, os desafios para adequar as cadeiras à ausência da tridimensionalidade do exercício cênico estendiam-se às mais pequenas coisas, como a modificação da voz por meio do microfone, a falta de materiais didáticos em casa e a apresentação de trabalhos por meio da internet. As alunas relatam experiências interessantes durante esse período, que envolvem conhecer mais sobre os colegas e as particularidades de cada um, além da criação de uma nova essência para esses semestres, apesar de não necessariamente se identificar com ela. 

No primeiro momento, apenas cadeiras teóricas foram ofertadas, tanto de semestres ímpares quanto pares, em razão da falta de conhecimento sobre a duração do Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE). Porém, no primeiro semestre de 2021, a grade curricular recebeu adaptações para poder ser ofertada aos alunos, e, no segundo semestre do ano, quase todas já estavam disponíveis. Em paralelo a isso, a coordenadora do curso de Artes Cênicas, Mariane Ribas, disponibilizou-se a atendimento via WhatsApp para os alunos das turmas de 2020 e 2021 por meio de um grupo e do chat privado. E, durante todo o período de matrículas, a coordenação realizou alguns encontros via Google Meet.

Da inovação às ruínas estruturais

O teatro Caixa Preta da UFSM, também conhecido como Espaço Rozane Cardoso, é um local multiuso com características únicas na região, por não possuir estrutura fixa em seu interior, tornando-o modulável para criação de configurações de palco e plateia versáteis, de acordo com as necessidades de cada produção artística. A configuração de uma Black Box é marcada pela mobilidade dos assentos da plateia e pela pintura do ambiente em preto. 

Foto horizontal colorida do interior do Caixa Preta de lado. Na faixa central da imagem, há pilhas de cadeiras pretas próximas a uma parede preta, com pé direito alto. Nessa parede, há cinco espumas de isolamento acústico na cor preta, e três na cor branca e uma mais escura. Do lado esquerdo, há uma cortina preta e classes de sala de aula.  Na parte inferior da imagem, o chão é de parquet marrom, com cinco tatames azuis e quatro bambus espalhados por ele.  No teto de cor preta, há estruturas de metal pretas que atravessam o teatro, dispostas em forma linear e quadrada, com iluminação em lâmpadas fluorescentes.
Interior do Teatro Caixa Preta da UFSM. Foto: Laurent Keller

Essa concepção de espaço, black box (caixa preta), foi desenvolvida para o teatro experimental nos anos 1920, por Adolphe Appia, designer suíço, com o intuito de aproximar o público do que é encenado no palco. Contudo, foi na década de 1960 que o estilo ganhou popularidade pelo mundo. Na UFSM, o teatro Caixa Preta foi inaugurado em 1988 por Inês Marocco, Paulo Márcio Pereira, Nair Dagostini, Elisabeth da Silva Lopez, Beatriz Pippi e Edir Bizognin e Berenice Gorini, membros do Departamento de Artes Visuais, a partir da ideia do professor Irion Nolasco, no final dos anos 70. O espaço se tornou referência local para as Artes Cênicas, contudo, nos últimos oito anos, o Caixa Preta só foi mencionado negativamente, devido à série de irregularidades infraestruturais.

Em 2016, foi feito o primeiro parecer técnico pelo Núcleo de Segurança do Trabalho da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP), em que foi constatado que o teatro estava em desacordo com as normas de segurança vigentes que detectou, dentre outros problemas: falta de extintor no rol de entrada; fiação desencapada; risco de choque; lâmpadas de teto sem proteção; piso inadequado para atividades teatrais e escada fora dos parâmetros de segurança. Recentemente, em setembro de 2021, o teatro passou por uma nova avaliação técnica pela PROGEP, em que muitos dos problemas de 2016 reapareceram. Apesar das recomendações, o ambiente quase não sofreu modificações, segundo relata o Diretor do Centro de Artes e Letras, Claudio Esteves. Atualmente, o teatro segue fechado para grandes espetáculos, sendo usado para aulas práticas e apresentações limitadas em relação ao público e à montagem. 

Após a criação da comitiva, a direção do CAL voltou a pressionar a reitoria da UFSM para que um novo laudo técnico fosse feito e, dessa vez, cumprido. De acordo com Esteves, também é preciso que seja feito um aporte de recursos financeiros suficientes destinados à reforma e ao funcionamento do Caixa Preta, para incluir, por exemplo, o custeio de um técnico de luz e som especificamente para trabalhar no teatro. Isso porque professores não podem se responsabilizar por tais questões, menos ainda alunos. O ideal seria que alguém estivesse presente em ensaios e espetáculos para coordenar a parte técnica e garantir a segurança do lugar.

Foto vertical colorida de um corredor do Centro de Artes e Letras da UFSM. Em primeiro plano, aparecem espalhados pedaços de móveis velhos em MDF com tamanhos variados na cor marrom.ao fundo da imagem, uma porta vermelha com poster preso nela e uma placa com o número 1226. Do lado esquerdo da foto, um móvel de madeira retangular encostado na parede. A parede é de cor azul clara e possui uma série de quadros de formatura e um extintor de incêndio pendurado. Na parte superior da foto, uma estrutura metálica percorre toda extensão do corredor. O chão é de piso acinzentado.
Entulho nos corredores do CAL. Foto: Laurent Keller

Somado aos entraves já citados, o prédio do CAL como um todo tem sofrido com falhas de manutenção, como chãos de salas de aula com farpas e presença de morcegos e abelhas pelo edifício. Além de haver poucas salas, elas também são pequenas para encenações, logo, os alunos de Teatro e de Artes Cênicas têm tentado driblar as adversidades para tentar alcançar uma formação digna. A acadêmica Natália confessa sentir medo de se formar incompleta, uma vez que os alunos não podem usufruir de outros espaços teatrais da Instituição, como o Centro de Convenções, devido a irregularidades, ou de locais externos, como o Theatro Treze de Maio, por causa da falta de recursos financeiros para alugar.

O futuro incerto do teatro universitário

Ainda sem data para realização de um novo parecer técnico, nem para disponibilização de recursos financeiros, os estudantes seguem firmes na luta em defesa do seu direito de ensino qualificado. Natália de Souza expõe se sentir de mãos atadas, porque ‘’o Caixa Preta é nosso, a gente deveria ter o contato com ele a todo momento’’.

Sofia Dotto reforça a ideia de que os estudantes não devem desistir do que é deles por direito. Ela seguirá a exigir por melhorias, mesmo que ela não as possa usufruir durante sua jornada acadêmica, pois ao menos os futuros acadêmicos dos cursos de Artes Cênicas e Teatro poderão.

A expectativa é de que, com a criação da comitiva e o apoio da comunidade acadêmica, o espaço cultural Caixa Preta volte a funcionar como no passado, para que os acadêmicos da UFSM possam exercer sua arte de maneira adequada e digna novamente.

Acompanhe as próximas atividades do Teatro universitário da UFSM, pela página no Instagram @danoufsm e pelos sites dos cursos de Teatro (https://www.ufsm.br/cursos/graduacao/santa-maria/licenciatura-em-teatro/) e Artes Cênicas (https://www.ufsm.br/cursos/graduacao/santa-maria/artes-cenicas/).

Foto horizontal colorida do corredor do Centro de Artes e Letras da UFSM. Nas proximidades das paredes do lado esquerdo e direito da foto, uma fila de pessoas se estende até o fundo. Os estudantes estão de costas e seguram velas, e ao fundo uma aluna segura uma coroa de flores brancas. O teto possui estruturas de metal lineares azuis, onde as luzes fluorescentes estão penduradas. As paredes são amareladas e possuem alguns quadros e estruturas de madeira em azul.
Corredor de alunos em protesto. Foto: Laurent Keller

Reportagem: Cristine Michelin e Laurent Keller.

Contato: cristinemichelin@gmail.com;laurentlimakeller@gmail.com.

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-714-3713

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes