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Daiana Silva de Ávila, ganhadora do prêmio Para Mulheres na Ciência 2015, conta um pouco de sua trajetória e como é ser mulher na ciência.



Na segunda entrevista do mês de maio conversamos com Daiana Silva de Ávila, que recebeu o prêmio nacional Para Mulheres na Ciência L’Oréal-Unesco-ABC 2015 e é membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (2019-2023).

Egressa do curso de farmácia, turma de 2005, tem mestrado(2007) e doutorado (2009) em ciências biológicas/bioquímica toxicológica, todos pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e realizou pós-doutorado na Vanderbilt University (2011)

Atualmente é docente na UNIPAMPA – Campus Uruguaiana, docente colaboradora na UFSM, além de líder do Grupo de Pesquisa em Bioquímica e Toxicologia em C. elegans (GBToxCe). 

VOLVER – Para começar, relate como foi o início da sua carreira como pesquisadora e qual o papel da UFSM nesse caminho da investigação científica?

Daiana – Logo que eu ingressei no curso de farmácia e Bioquímica em 2002 eu tive a oportunidade de começar a iniciação científica no laboratório do prof. Carlos Mello, na época no prédio 18 junto ao setor de Bioquímica (depto de Química, na época). Em 2004 fui trabalhar com o prof João Batista Teixeira da Rocha, também no setor de Bioquímica (depto de Química, na época, hoje depto de Bioquímica e Biologia Molecular). Esses anos de iniciação científice de pós graduação (sob orientação do prof. Félix Soares) foram muito importantes para minha decisão de carreira profissional e foram de muito aprendizado. A UFSM me deu diversas oportunidades, pois além da pesquisa a minha formação acadêmica foi excelente em todos os níveis.

Eu convivi com pesquisadores brilhantes e respirei muita ciência nos corredores dos prédios. Os professores nunca se acomodavam e sempre nos estimulavam com coisas novas, como por exemplo internacionalizando o PPG e trazendo pessoas de outros países para os laboratórios. Aprendi inglês interagindo com estes estrangeiros e durante o doutorado tive a oportunidade de ir para outro país em função destes contatos. Boa parte dos meus colegas é também egresso da UFSM e isso mostra a força desta instituição. Eu tenho um enorme carinho e admiração pela UFSM e um orgulho gigante de ser egressa desta excelente instituição. Só não retornei como docente porque acredito ter um papel importante na UNIPAMPA, participando da expansão do ensino superior e da democratização da ciência em todos os rincões do país. Mas como é difícil estar longe da UFSM, hoje eu sou membro colaborador do PPG Bioquímica Toxicológica, orientando alunos de doutorado pelo programa.

VOLVER – Quais desafios e quais recompensas você aponta no trabalhar com pesquisa científica? E como esses pontos se relacionam com as questões de gênero? Você acredita que é um desafio maior para mulheres/mães? 

Daiana – Vejo várias recompensas, como a possibilidade de responder perguntas através da experimentação e poder publicar isso para que outras pessoas possam saber do teu trabalho; poder contribuir para o avanço da ciência, mesmo que seja um grão de areia numa praia; formar pessoas e ver elas evoluindo e a possibilidade de conhecer pessoas diferentes, de outros países, com outras experiências pessoais e profissionais; Assim como as recompensas, os desafios são muitos, mas a ciência é feita de desafios e o bom/boa pesquisador/a não pode esmorecer. Faltam recursos para que possamos fazer ciência de ponta e competitiva. O brasileiro é excelente pesquisador, reconhecido lá fora como trabalhador, criativo, curioso. Nos falta o investimento apropriado, especialmente nos últimos 3 anos que basicamente perdemos tudo que havia sido conquistado (e que ainda não era o ideal em relação aos países que mais investem e mais crescem científica e economicamente). Estamos perdendo jovens promessas, que ao invés de investir na formação acadêmica, optam por outra carreira por causa da falta de incentivo (sem concursos, bolsas de baixíssimo valor). Os/as jovens pesquisadores/as estão buscando outras opções fora do Brasil também em função da falta de incentivo. 

Aliado a isso certamente temos as questões de desigualdade de gênero (mais forte na área das exatas) e também em relação à maternidade. Minha opção de não ter filhos até o momento está diretamente relacionada à carreira, pois de fato observo os diversos obstáculos para as mulheres mães dentro e fora do mundo acadêmico. As mulheres precisam priorizar sempre a família, enquanto não há essa pressão para os homens. Nossa sociedade precisa mudar totalmente esta mentalidade e isso só vai ser possível quando desestruturarmos o machismo já na infância, evitando rótulos de brinquedos ou atividades de meninos e de meninas. Dia desses estava conversando com uma colega que está na Suécia (profa. Andreza de Bem, que foi minha professora na UFSM) e ela me contou que lá nas escolas os meninos têm aula de culinária e as meninas de marcenaria. É na base que desestruturamos certos preconceitos e mudamos a sociedade.   

"Assim como as recompensas, os desafios são muitos, mas a ciência é feita de desafios e o bom/boa pesquisador/a não pode esmorecer." 

VOLVER – Como foi ganhar o Prêmio Para Mulheres na Ciência? Como essa premiação auxiliou na sua pesquisa científica?

Daiana – Foi muito inesperado e animador. Inesperado pelo alto nível das pesquisadoras que se inscrevem todos os anos e muito animador pelo reconhecimento de uma trajetória, ainda que inicial, na pesquisa. A premiação ajudou a trazer mais recursos para o laboratório, aumentou o interesse de alunos/as pelo nosso grupo de pesquisa, divulgou muito o nosso trabalho com modelo alternativo e todos os anos sempre tenho muitos convites para palestras, seminários. Isso foi maravilhoso. Trouxe uma visibilidade que nunca cogitei e ainda estou colhendo os frutos da premiação.

VOLVER – Qual o seu atual projeto de pesquisa? Em que fase está, envolve quais fatores, demanda quais recursos e quais os principais resultados já podem ser divulgados? 

Daiana – Eu trabalho com um modelo experimental chamado Caenorhabditis elegans, um nematoide não parasítico que se encontra em diversos biomas e que tem uma significativa homologia com mamíferos, permitindo ser utilizado para avaliações iniciais toxicológicas e farmacológicas. Minhas linhas de pesquisa focam em avaliação de impacto ambiental de pesticidas, nanomateriais e segurança de novas moléculas. Além disso, avaliamos a eficácia de novas moléculas e dos nanomateriais contendo fármacos que sejam seguros, para que possam ser posteriormente avaliados em modelos animais superiores. Quando cheguei na UNIPAMPA estávamos com muitos recursos disponíveis e montei uma boa estrutura de laboratório, mas dividia o espaço com atividades de ensino. Apenas este ano consegui um laboratório exclusivo para pesquisa e estamos muito bem de infra-estrutura. Entretanto, os recursos para material de consumo, necessários para pesquisa básica na área de biológicas, estão muito escassos…tenho buscado parcerias em outros estados e fora do país para conseguir manter os projetos. Em relação aos recursos humanos estamos numa fase boa, com vários pós-graduandos.

Como mencionei temos várias linhas em andamento, mas posso citar alguns que considero mais relevantes, temos estudado e observado com bastante preocupação que as formulações de pesticidas são bem mais tóxicas que os pesticidas em si. As formulações apresentam alguns ingredientes chamados inertes, mas que na verdade apresentam efeitos biológicos e podem prejudicar biomas inteiros. No C. elegans observamos maior neurotoxicidade e danos reprodutivos por estas formulações que são aplicadas nas lavouras em concentrações 10x menores do que os pesticidas isolados. Para reduzir o uso de pesticidas nas lavouras, uma alternativa seria a nanotecnologia, uma vez que formulações de nanopesticidas teriam maior durabilidade (menor degradação pelos raios solares, pela microbiota do solo) e podem ter uma ação mais direcionada à praga, apenas. Temos avaliado a segurança destes nanopesticidas e os resultados têm sido bem positivos, com reduzida toxicidade nestes nematóides que são animais não-alvo dos pesticidas testados

Também estamos estudando a toxicidade de solventes voláteis, especialmente os que estão presentes na gasolina. Desenvolvemos uma câmara que permite uma exposição no ar em C. elegans, uma exposição bem inovadora neste modelo. Até o momento observamos que uma exposição que não é muito longa ao tolueno causa danos neuronais bem significativos e que não são reversíveis. Esses nossos achados podem ser tranlacionados para pessoas que trabalham em postos de gasolina e são expostas não apenas ao tolueno, mas a outros compostos voláteis, podem desenvolver danos neurológicos prematuramente.

Também sigo em uma linha de pesquisa com compostos organocalcogênios, uma linha de pesquisa que herdei dos meus tempos de UFSM. Sigo fazendo colaborações com pesquisadores da UFSM e também de outros que eram colegas da época de mestrado e doutorado e hoje são docentes em outras universidades. Estudamos a segurança dos novos compostos e os que apresentam menor toxicidade nós avaliamos neuroproteção e os mecanismos associados. Atualmente também estou envolvida em um projeto aprovado pela CAPES e coordenado pelos professores João Batista e Nilda Barbosa a fim de desenvolver e avaliar novas moléculas para tratamento de COVID-19. Meu laboratório faz avaliação de segurança destas novas moléculas.

VOLVER – Qual sua opinião sobre o movimento atual para que mais mulheres façam ciência e que ocupem áreas que ainda são majoritariamente ocupadas por homens? Como você observa os incentivos para a maternidade e a carreira científica?

Daiana – Acho estes movimentos essenciais, pois nós mulheres muitas vezes nos omitimos e nos silenciamos em diversas situações por uma pressão da nossa sociedade essencialmente patriarcal. Os movimentos vêm ganhando força e uma evidência disso são algumas chamadas que buscam equidade ou que consideram 1 ano a mais de produção em função da licença maternidade. Vejo em cada nova geração mulheres mais empoderadas, mais conscientes do que podemos fazer, que não podemos nos omitir, nos esconder, nos subjugar e aceitar menos do que merecemos, como por exemplo aceitar salários desiguais, não sermos indicadas a um cargo por causa do nosso gênero ou que é normal termos que trabalhar fora e ainda fazer toda a tarefa doméstica em casa. 

VOLVER – Por que o conhecimento científico e o desenvolvimento da ciência são importantes para a área de conhecimento em que você atua? Como você se vê daqui a 10 anos?

Daiana – O conhecimento científico e o desenvolvimento da ciência são importantíssimos para reduzirmos os impactos ambientais de pesticidas, por exemplo, e para analisarmos o impacto de novos materiais ao meio ambiente e à saúde humana. Os estudos de impacto ambiental eram relativamente escassos, mas vem crescendo bastante e isso se reflete até no aumento do impacto das revistas da área. Acredito que os estudos colaborativos que estamos fazendo com nanopesticidas poderão promover um avanço bem significativo na área agroeconômica. O crescimento econômico sustentável deveria ser uma política de estado e espero que a área seja mais valorizada no Brasil. Imagino que a pressão externa irá promover mais estudos nestas áreas.

Daqui a 10 anos eu gostaria de ver meus alunos trilhando carreiras de sucesso, espero ter evoluído como orientadora e pesquisadora e conseguir focar em um número menor de linhas de pesquisa, espero que nosso país retome o rumo e estejamos possibilitados de colaborar mais com a ciência mundial. Espero estar com o lab cheio de alunos e alunas e estes se sentindo valorizados por serem cientistas.

Texto: Lucas Zambon

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