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UFSM
Universidade Federal de Santa Maria

​Paleontólogos da UFSM coletam fóssil da carapaça de um tatu gigante pré-histórico

Embora os dinossauros tenham desaparecido da Terra há aproximadamente 65 milhões de anos, os primeiros seres humanos que habitaram a região central do Rio Grande do Sul, mais de 10 mil anos atrás, ainda tiveram contato com animais gigantescos hoje extintos, incluindo predadores como tigres dentes-de-sabre e ursos, e ainda herbívoros como mastodontes e megatérios – parentes distantes dos elefantes e preguiças, respectivamente. Mas a extinção naquela época não atingiu só a megafauna. Cavalos selvagens, semelhantes aos atuais (inclusive na altura), desapareceram do continente e somente seriam reintroduzidos na América pelos europeus, após a chegada de Colombo.

Um vestígio representativo dessa megafauna foi encontrado há menos de um mês às margens do Rio Ibicuí, em uma fazenda no interior do Alegrete. Metade da carapaça de um gliptodonte (tatu gigante) foi recolhida por paleontólogos da UFSM. Eles levaram o fóssil para o Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa), no município de São João do Polêsine, onde está sendo pesquisado e reconstituído.

A descoberta do fóssil coube ao produtor rural Átila Dornelles e seus familiares. Há muito tempo uma saliência com formas bem definidas chamava a atenção da família na beira do rio. Até que um dia, em uma pescaria, eles resolveram conferir de perto aquela formação, para tentar descobrir do que se tratava.

Eles puderam identificar com facilidade o formato redondo, as rosetas (formas geométricas na carapaça do tatu) e a coloração esbranquiçada em alguns pontos, o que os levou à conclusão de que aquilo não poderia ser uma simples rocha, esculpida espontaneamente pela natureza. Com ajuda da internet, eles presumiram que poderiam ter encontrado um fóssil e enviaram fotos do achado para a equipe de paleontólogos da UFSM, que confirmaram a suspeita.

Os paleontólogos Leonardo Kerber, Flávio Pretto e Rodrigo Müller foram até o local no dia 14 de dezembro para coletar o fóssil. Devido ao difícil acesso e à chuva torrencial que caía na ocasião, infelizmente o fóssil não pôde ser recolhido de forma inteiriça e alguns pedaços se soltaram, os quais serão restaurados cuidadosamente com o auxílio de colas e resinas acrílicas.

Ainda não foi possível determinar a espécie, já que existiam diferentes tipos de tatus gigantes no Pleistoceno, período em que esses animais viveram, entre 2,58 milhões e 11,7 mil anos atrás, aproximadamente. A importância da descoberta não se deve exatamente à raridade de fósseis deste herbívoro gigante, já que fragmentos de gliptodontes já haviam sido encontrados no Rio Grande do Sul. A diferença é que agora não se trata apenas de pedaços desconexos, mas da carapaça mais completa já encontrada no estado.

Esses animais chegavam a pesar 1,5 tonelada, medindo cerca de 1,5 metro de altura e 2 a 3 metros de comprimento, incluindo uma poderosa cauda – a qual, em certas espécies, continha "espinhos" na ponta. Os gliptodontes a usavam como arma para se proteger dos predadores e até mesmo em brigas com outros tatus gigantes. “Esses tatus eram do tamanho de um Fusca”, brinca Flávio Pretto.

O diretor do Cappa, Leonardo Kerber, esclarece que existem diferentes hipóteses que tentam explicar a extinção, não só dos gliptodontes, mas também dos outros mamíferos gigantes que conviveram com os “homens das cavernas”. Aponta-se, por exemplo, a mudança de vegetação e habitat motivada pelo fim da última era glacial. Com o degelo, animais oriundos de outras partes da América também podem ter trazido doenças que afetaram a fauna local.

Essas hipóteses pode ser associadas ainda ao aparecimento do homem no continente. Presume-se que os seres humanos pré-históricos caçavam vários desses animais e também, com a prática da agricultura, podem ter acabado com parte da vegetação nativa que servia de alimento para gigantes herbívoros. E, com o desaparecimento destes, também desapareceram os predadores gigantes que se alimentavam deles.

Com essa reação em cadeia, a natureza se adaptou ao novo conjunto de fatores. Embora há milhares de anos ninguém mais veja tigres, ursos e parentes dos elefantes circulando livremente pela região, ainda é possível encontrar tatus. Hoje eles são menores, mais velozes, mais hábeis em esconder-se dos predadores e têm uma taxa de natalidade maior que a dos seus ancestrais, características que garantem a conservação da espécie.

Cappa – Órgão suplementar vinculado ao Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE), o Cappa vai completar cinco anos de existência em 2018. Apesar do pouco tempo de funcionamento, ele já é considerado um dos principais centros de pesquisa paleontológica do Brasil e da América Latina, levando em conta a sua infraestrutura e os resultados do trabalho desenvolvido desde a sua inauguração por paleontólogos, professores, pesquisadores e alunos.

Sua missão é "mapear novos sítios fossilíferos, monitorar os locais já conhecidos, coletar e salvaguardar fósseis de vertebrados e plantas" . O seu trabalho, no entanto, não diz respeito apenas a cientistas e especialistas na área, pois o Cappa dedica-se também à educação e divulgação científica, voltadas para o público em geral.

Todos os interessados em paleontologia podem visitar a sede do Cappa, em São João do Polêsine, no mesmo prédio do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (Condesus). Lá está exposta para visitação uma mostra constituída por fósseis e réplicas de esqueletos de dinossauros e outros animais pré-históricos.

Eventualmente o trabalho de coleta de fósseis pode se estender para outras regiões do estado do estado e do país, como aconteceu neste caso. Mas o foco do Cappa é a região central do Rio Grande do Sul, dada a riqueza e quantidade do material fossilífero encontrado em Santa Maria e nos municípios da Quarta Colônia de Imigração Italiana.

Para a descoberta e preservação de novos fósseis, o Cappa conta também com o apoio da comunidade. Informações para contato com o centro constam na página www.ufsm.br/cappa.

Texto: Lucas Casali

Fotos: Gilvan Peters