O projeto chamado DNÁfrica, coordenado pelo professor José Luiz de Moura Filho, do Departamento de Direito da UFSM, começou em 2022 e busca criar um espaço de memória e referência à ancestralidade negra, através da constituição de um acervo e de um banco de dados com DNA dos afrodescendentes, gerando conhecimento sobre as origens dos povos no continente africano e educação patrimonial.
A iniciativa objetiva, assim, construir narrativas sobre a diáspora africana, pela voz de pretos e pardos, silenciada em meio a imigrantes europeus. O professor responsável explica ainda que “ao promover estudos e debates para aumentar a visibilidade do povo negro na região, o DNÁfrica vai em busca do patrimônio genético, pois, a partir dele, é possível contar uma história”, afirma José Luiz.
Construção de Memória
O professor José Luiz conta que desde 2008 possui projetos relacionados aos quilombos, e uma das reivindicações dos moradores destas comunidades é saber suas origens. Com isso, surgiu a ideia de criar um espaço físico e virtual de memória e referência para a ancestralidade negra, através de um acervo documental, de fotos, objetos, vídeos e de um banco de dados do material genético de pessoas que moram nos quilombos. Inicialmente, o projeto se fixa no Espaço Multidisciplinar de Extensão da UFSM de Silveira Martins e, no futuro, a ideia é se tornar itinerante, indo em cada uma das comunidades.
José Luiz explica que o DNÁfrica foi pensado a partir de leituras sobre uma iniciativa nos Estados Unidos, chamada African Ancestry, que coleta DNA para saber mais sobre a origem de afroamericanos. O banco de dados do projeto estadunidense já possui material genético de mais de 240 etnias. A pesquisa do DNA para os afro-brasileiros é de grande importância pois buscar reunir familiaridades e pertencimentos daqueles que tiveram parte de sua história apagada. No Brasil, essas pesquisas indicam, inclusive, a participação de escravizados de diversas etnias em diferentes regiões, com uma particularidade: nosso país foi um dos poucos, se não o único, das Américas a receber africanos de todas as origens - que se espalharam pelo território perdendo, muitas vezes, seus vínculos. Além disso, há, também, um apagamento histórico da população preta, tanto pela incorporação dos sobrenomes dos senhores da Casa-Grande, quanto pelo embranquecimento da população. Ou seja, a identidade cultural original antes desses grupos virem para o Brasil, se perdeu. "A gente entende que só vai se conseguir construir uma história, uma narrativa, como têm os alemães, os italianos, a partir do conhecimento das origens, na África, inclusive. Por isso surgiu o projeto”, relata o professor.
A coleta do DNA será feita a partir de kits já prontos. Após a coleta, o material será enviado para a análise laboratorial. Depois disso, o material genético passa por diversos procedimentos que o transformam em um banco de dados do DNA. Esta etapa do projeto ainda está em planejamento, pois requer recursos para custear o procedimento. Nos próximos meses, os responsáveis pela iniciativa pretendem definir como será feita a coleta, análises e disponibilização da informação.
José Luiz explica que, primeiramente, o DNÁfrica irá se concentrar na região central do estado, pois a região carece de mais estudos sobre o regime de escravidão e a herança cultural – material e imaterial - deixada pelos escravizados da época. Após isso, a intenção é expandir para todo o Rio Grande do Sul, onde, por muito tempo, falsamente se afirmou que a escravidão no estado foi mais branda do que no resto do país. No futuro, a ideia é expandir a nível subcontinental e estudar mais sobre a América Caribenha: a região se destaca pois, após o fim do tráfico internacional, houve um grande fluxo interno de escravizados entre os países da América, principalmente como o que ocorreu entre a Guiana e o Brasil.
Encontros para debater a ancestralidade
Em 2022, o projeto teve um primeiro encontro com lideranças das comunidades quilombolas da região central e foi feita a Carta de Silveira, que foi enviada para as prefeituras para que fosse promovida a igualdade racial nos estabelecimentos públicos. As comunidades que estavam presentes eram de 16 quilombos da região, e a iniciativa pretende, também, assessorar do ponto de vista das políticas públicas, além de regularizar associações e mediar outros impasses que necessitam de apoio jurídico.
Este ano, está nos planos realizar um “mate-papo” com as comunidades e discutir temas a partir de filmes, para resgatar a memória que, muitas vezes, é oral. Assim, será possível gravar depoimentos de lideranças e moradores de comunidades quilombolas, para ter o material disponível depois no acervo.
Plano Regional de Igualdade Racial
Os próximos passos da iniciativa são fazer cronogramas para os encontros ao longo do ano, nos quais o projeto irá recolher depoimentos e começar a coleta do DNA. Além disso, ainda em 2023, o projeto pretende ministrar cursos para os servidores públicos, principalmente da área da saúde, educação e assistência social, sobre a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, para que eles entendam o que é autodefinição e o que é preciso para ter acesso a essas políticas. A partir daí, a ideia é que se possa articular a construção de um Plano Regional de Igualdade Racial, com ações afirmativas, repressivas - ao racismo e à xenofobia - e ações valorativas ao negros.
Para saber mais sobre o projeto, participar das iniciativas ou apoiar o desenvolvimento da ação, é possível entrar em contato pelo e-mail jose.filho@ufsm.br.
Texto: Mariane Machado, estudante de jornalismo, voluntária da Agência de Notícias
Foto: Gabriel de Oliveira Soares
Design gráfico: Maria Eduarda Resch, estudante de publicidade e propaganda e bolsista da Unidade de Comunicação Integrada
Edição: Mariana Henriques, jornalista