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Revista Arco
Jornalismo Científico e Cultural

Nem todo fóssil é de dinossauro!

Quais imagens vêm à sua cabeça quando falamos sobre paleontologia, paleontólogos ou fósseis? Provavelmente uma imagem de um dinossauro gigante e homens escavando um local arenoso com um pincel? Talvez você se lembre de cenas dos filmes Jurassic Park ou Jurassic World da Universal Studios? Essas são as imagens que passam na mente da maioria das pessoas. Se pesquisarmos no Google Imagens a palavra “paleontologia”, imediatamente surgem esqueletos de dinossauros em museus ou em um solo arenoso, reconstruções de dinossauros, alguns homens trabalhando com pincel, martelos geológicos… Entretanto, essa é apenas uma fração do que é feito na paleontologia. Este campo de estudo vai muito além disso, e claro, não é feito somente por homens! Quando pesquisamos na internet o que é fóssil, a Wikipédia nos traz o conceito, a partir de Tomassi e Almeida, autores da área, de que são “restos de seres vivos ou de evidências de suas atividades biológicas preservados em diversos materiais”. Isso significa que os dinossauros, por serem animais extintos naturalmente, são encontrados apenas e exclusivamente como fósseis. Mas nem todo fóssil é de dinossauro! Também são descobertos fósseis de outros vertebrados (como mamíferos, aves, peixes e répteis), de invertebrados (como os insetos) e de plantas. Além disso, são achados vestígios fósseis, como pegadas, mordidas, fezes e tocas, os quais recebem um nome específico: icnofósseis.  A paleontologia tem diversos ramos de estudos, cada qual com um nome específico. Explicarei alguns deles a seguir, de forma sucinta, para que alguns dos estudos dessa ciência sejam conhecidos.

Paleomastozoologia

É o ramo da paleontologia que estuda mamíferos fósseis. Dentre eles, estão os animais da megafauna - amplamente conhecidos nos filmes da Era do Gelo. Tatus gigantes, mastodontes, preguiças gigantes, tigres-dente-de sabre: uma fauna que atingiu proporções gigantescas e que foi extinta por fatores climáticos e ambientais.

Paleoneurologia

Trata-se do ramo da paleontologia que estuda a evolução neurológica ao longo do tempo. Os tecidos do sistema nervoso não são preservados, pois rapidamente se decompõem após a morte do animal, assim como outras partes moles, como sistema digestório e epitelial. Portanto, a paleoneurologia não trabalha diretamente com esses tecidos, mas por meio de impressões e/ou contornos internos que foram deixadas nos ossos. Trata-se de uma simulação muito próxima de como esses elementos do sistema nervoso seriam morfologicamente.
Roedor gigante que habitou o Brasil durante o Mioceno superior: Neoepiblema acreensis. Reconstrução feita por Márcio L. Castro

Paleobotânica

É o ramo da paleontologia que estuda vegetais, desde grãos de pólen, esporos e microestruturas até folhas, sementes, flores e troncos. Esses estudos são muito importantes para sabermos sobre mudanças climáticas globais e também sobre ecologia e interação com outros organismos. 

Elementos florais encontrados na Bacia do Paraná (Permiano), no Rio Grande do Sul, Brasil.

Paleopatologia

Ramo da paleontologia que estuda a evolução das doenças ósseas, como tumores, fraturas e infecções. Dependendo do tipo de patologia, é possível identificar se esta foi a causa de morte do animal, ou investigar os seus hábitos de vida.
Escápula de Alossauro (dinossauro) com patologia. A linha pontilhada mostra a fratura.

Icnologia

Estuda vestígios deixados por animais, a exemplo de pegadas, traços de predação (mordidas), coprólitos (fezes), rastros de urina, tocas, entre outros. Esse estudo é muito importante para conhecermos a vida destes organismos, seus comportamentos, suas interações ecológicas e até mesmo sobre suas migrações.

Pegadas de dinossauros encontrados em Araraquara (São Paulo).

Tafonomia

Ramo da paleontologia que estuda os processos que ocorreram desde a morte do indivíduo, o seu soterramento, até o seu encontro pelos pesquisadores. Existem muitas variáveis que ocorrem nesse processo, como predação do organismo ou rápido soterramento; transporte da carcaça ou não; possibilidade de pisoteio; transporte após fossilizar; quebra, polimento ou destruição do mesmo; entre outros. Essas variáveis podem se sobrepor de diversas formas.  Durante a minha graduação, estudei fósseis de cervos e camelídeos (camelos e lhamas) provenientes da costa marinha do Rio Grande do Sul. Esses afloramentos fossilíferos estão localizados no solo oceânico (ou seja, embaixo d'água) e são desenterrados pela ação de ondas e correntes marítimas e depositados na faixa de praia. O processo de transporte faz com que os restos fósseis ocorram de forma isolada, desarticulada (os ossos não estão mais conectados), fragmentada e desgastada.  No meu Trabalho de Conclusão de Curso, foi possível identificar uma predominância de alguns tipos de ossos em relação aos outros. Por exemplo, foram achados muitos astrágalos (osso localizado entre o pé e o tornozelo) e galhadas (chifres de cervos) em comparação com outros tipos de ossos, provavelmente porque galhadas e astrágalos são ossos muito resistentes e porque têm uma morfologia (estrutura) diferenciada. Outros ossos, como as costelas, são mais frágeis e mais suscetíveis à quebra. Também descobrimos o primeiro registro de bioerosão (uma deformação causada por algum organismo vivo) em uma galhada de cervo, que foram traços de alimentação feitos por um inseto. Esse achado é raro nesse tipo de ambiente, pois os fósseis acabam perdendo muita informação morfológica devido aos processos tafonômicos, como transporte, fragmentação, erosão e bioerosão.  Expediente: Texto: Emmanuelle Fontoura Machado, bacharela em Ciências Biológicas pela FURG, mestra e doutoranda em Biodiversidade Animal pelo PPGBA - UFSM;Ilustrações: Luiz Figueiró, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista, e Cristielle Rodrigues, acadêmica de Desenho Industrial e bolsista;Mídia Social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Alice dos Santos, acadêmica de Jornalismo e voluntária; Gustavo Nuh, acadêmico de Jornalismo e voluntário;Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;Edição Geral: Luciane Treulieb e Maurício Dias, jornalistas. Créditos das imagens: Imagem 01: Ferreira, J. D., Negri, F. R., Sánchez-Villagra, M. R., & Kerber, L. (2020). Small within the largest: brain size and anatomy of the extinctc Neoepiblema acreensis, a giant rodent from the Neotropics. Biology Letters, 16(2), 20190914. doi:10.1098/rsbl.2019.0914; Imagem 02: Adami-Rodrigues, K., Iannuzzi, R. & Pinto, I. D. (2004). Permian plant–insect interactions from a Gondwana flora of southern Brazil. Fossils and Strata, 51: 106–125. ISSN 0300-9491; Imagem 03: Christian Foth, Serjoscha W. Evers, Ben Pabst, Octávio Mateus, Alexander Flisch, Mike Patthey & Oliver W. M. Rauhut. 2015.  New insights into the lifestyle of Allosaurus (Dinosauria: Theropoda) based on another specimen with multiple pathologies. PeerJ 3: e940.; Imagem 04: Francischini, H., Dentzien-Dias, P., de Gobbi, V., & Adorna, M. (2018). As lendas e a ciência por trás dos répteis gigantes de Araraquara. Revista da Biologia, 18(1), 31-36.