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Revista

Um sonho interrompido

 Calouros relatam a frustração de não estarem vivendo a tão esperada rotina no campus.

“Estou tendo que fazer a faculdade sem saber o que ela realmente é”. A fala de João Pedro Terra Coelho, 19 anos, calouro do curso de Educação Física, resume a situação vivida pelos ingressantes na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 2020. Assim como ele, grande parte dos alunos tem encontrado dificuldades em cursar o primeiro semestre à distância. Entrevistamos cinco calouros que relataram suas maiores adversidades nesse período. Problemas como absorção de conteúdo, exaustão mental, falta de apoio e o desconhecimento do ambiente universitário estão entre seus relatos. 

   No dia 16 de março, os estudantes da  UFSM receberam a notícia da suspensão das atividades presenciais devido ao avanço do novo Coronavírus (Covid-19) e sua gravidade.  Bianca Wolff, 17 anos, iniciou seus estudos em  Terapia Ocupacional na UFSM e diz ter ficado chateada, pois estava muito ansiosa para ter suas primeiras aulas no Campus.

 “A minha experiência com a Universidade foi muito boa, até melhor do que eu esperava em relação à integração e estrutura, eu estava muito animada.” A acadêmica conta que sua motivação “estava a mil”, com muita vontade de aprender, mas infelizmente com as atividades online, acabou se desmotivando. “O aprendizado está bem escasso e prejudicado”  desabafa Bianca.

Bianca Wolff, estudante de Terapia Ocupacional

  A alternativa encontrada pela UFSM para dar continuidade ao semestre foi de implementar o Regime de Exercícios Domiciliares Especiais, (REDE). Segundo dados levantados pelo MEC, das 69 universidades federais do Brasil, a UFSM é uma entre as seis que aderiram às atividades remotas, também sendo a única do Rio Grande do Sul, enquanto as outras seguem com atividades suspensas. 

Cada curso, uma dificuldade

 Gabriel Alves, 20 anos, calouro do curso de Arquitetura e Urbanismo, saiu de Frederico Westphalen, cidade de apenas 30 mil habitantes para estudar em Santa Maria. Gabriel dava seus primeiros passos para a vida adulta, mudou a rotina e começou a dividir apartamento com amigos.

  Ao se deparar com a imensidão da UFSM, ele conta que teve uma boa experiência na primeira semana, conheceu seus colegas e alguns professores. Porém, o início dessa importante etapa foi interrompido. Por seu curso ser mais prático, Gabriel diz que a distância acaba dificultando a absorção do conteúdo.

  De acordo com a reitoria, o REDE tem como objetivo manter os professores e estudantes em contato, facilitando a continuidade das disciplinas teóricas. No entanto, em cursos majoritariamente práticos, o Regime se torna controverso. Das nove disciplinas ofertadas no 1º semestre de Arquitetura, apenas uma aderiu às atividades remotas.

  “Estávamos tendo aula em apenas uma cadeira, a de História da Arte, que envolvia mais teoria, então foi possível termos o conteúdo. Praticamente todas as cadeiras são práticas, por isso os professores não conseguiram elaborar nada para fazermos à distância.” conta Gabriel.

Gabriel Alves, estudante de Arquitetura e Urbanismo

 Ao contrário dos cursos com mais carga horária prática, os teóricos conseguiram ter um certo avanço em suas atividades, porém, encontraram novos obstáculos. O cenário é outro, pois a maioria das cadeiras se adaptaram às atividades remotas, consequentemente tendo mais conteúdo. 

 “É uma mudança muito radical do ensino médio para o ensino superior, principalmente o estilo e nível de escrita dos textos. São conteúdos que eu gosto e quero aprender, mas eu leio os textos e não entendo”, relata Camila Gasparin, 18 anos.

 Camila é caloura no curso de História e conta que das sete disciplinas obrigatórias, somente em uma não está tendo aula. Em decorrência da grande demanda de atividades e a não adaptação ao modelo virtual, sua saúde mental foi afetada. Camila comenta ter enfrentado crises de ansiedade e de depressão, chegando ao ponto de desistir de realizar as atividades do semestre. A fim de dar um novo começo, ela pretende refazer a prova do Enem para tentar passar no próximo ano, no mesmo curso

Camila Gasparin, estudante de História

A ausência de auxílio

 Entre as dificuldades enfrentadas pelos estudantes, está a falta de acessibilidade de alguns professores. Fator que prejudica ainda mais a vida de um calouro, como é o caso de Anna Luiza Porto Bergamo, 18 anos, do curso de Fisioterapia. “Estou tendo que correr atrás de tudo sozinha, sem ter um material bom de apoio, sem ter professor esclarecendo dúvida, alguns até mesmo se recusam”. 

 Por seu curso ser da área da saúde, a maioria das disciplinas são práticas. Anna confessa já ter pensado em desistir do semestre, pois sente que não aprende e entende o suficiente. Dos cinco calouros entrevistados, Anna é a única que já teve contato com ensino à distância. Ela conta que durante o Ensino Médio realizou um curso preparatório online para o Enem, mas isso não torna sua experiência mais simples.

 Apesar de não ser uma realidade fácil, Anna reconhece a importância da suspensão das atividades presenciais. “O meu maior medo era ir em uma aula, acabar me contaminando e contaminar outras pessoas… no momento que a gente se encontra, não tem uma possibilidade de retorno e ser saudável pra cidade inteira.”

Anna Bergamo, estudante de Fisioterapia

O que dizem as entidades

 O Diretório Central dos Estudantes (DCE), atua como a representação dos universitários, promovem debates e mobilizações. O DCE da UFSM se manifestou em suas redes sociais e assumiu uma posição contrária ao REDE.

Foto de capa do Facebook do DCE

 Logo no início da suspensão das atividades presenciais, o DCE encaminhou uma carta à reitoria, onde recomendou a suspensão integral das atividades acadêmicas, visando garantir que os estudantes não seriam prejudicados.

 “Desde o início, parece que não há disposição de construir coletivamente uma saída para a crise, pois não se escuta a posição dos estudantes e há a implementação de forma unilateral de uma modalidade de ensino que não leva em conta as especificidades de formação.” afirma o DCE em nota nas redes sociais.

 Um dos argumentos utilizados pela entidade é de que a adesão ao Regime não foi uniforme em toda a Universidade. O descontentamento dos estudantes com o REDE se mostra a partir do abaixo-assinado feito pelo DCE, no dia 4 de maio, no qual se  reuniu mais de 5.000 assinaturas a favor do cancelamento do semestre.

 Em nota da Prograd (Pró-Reitoria de Graduação), a professora e também pró-reitora Martha Adaime, afirma que o Regime tem sido positivo “Esta experiência mostrou a muitos que é possível trabalhar remotamente com qualidade” afirma Martha.

  No entanto, uma pesquisa de opinião pública realizada pelo DCE, com cerca de 1600  estudantes de diferentes cursos e semestres da UFSM, revelou uma distinta realidade. Ao serem questionados sobre o REDE, apenas 11,3% dos alunos disseram estar satisfeitos com o Regime.

Fonte: relatório da pesquisa de opinião pública sobre o REDE

Um retorno incerto

 Em consequência do crescente número de casos da Covid-19 pelo país, um possível retorno das atividades presenciais ainda é visto como fora de cogitação. O vice-reitor da UFSM, Luciano Schuch, declarou no dia 29 de maio, que não há perspectiva de retorno num futuro tão próximo. A  Portaria do MEC  também estendeu a autorização de aulas a distância até o fim de 2020 em universidades federais.

  A UFSM informa que analisa constantemente os impactos relativos a um possível retorno. No entanto, o Gabinete do Reitor reitera que as atividades acadêmicas seguem de forma remota e, no momento, as aulas continuam suspensas até dia 14 de julho.

Reportagem: Alissa de Oliveira e Rebeca Kroll