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Um diploma na meia idade



Gabriel Henrique, Kemily Jenifer, Luana Novaes Scatigna, Vanesa Romansin

Foto: Kemily Jenifer

Uma vontade, um sonho e uma decisão. Dentro da sala de aula, a diarista Rosane Aparecida Leceus Brombila, 43 anos, tem uma expressão abatida, um sorriso cansado. Mas estar em sala de aula é uma forma de lidar com o sofrimento. Ao saber que será entrevistada, um vislumbre de emoção surge em seu rosto. Para ela, estudar é como voltar a ser criança.

Devido à morte do pai, quando tinha 13 anos, Rosane foi obrigada a abandonar os estudos e começar a trabalhar para ajudar no sustento da família. Rosane acabou se afastando ainda mais da sala de aula quando se casou e teve um filho, que necessitava de cuidados especiais. Ele passou por várias e várias cirurgias, ortopedia, um tratamento bem doloroso. Depois de uma batalha intensa, que durou anos, o filho foi levado por conta da doença. “Os anjos vieram buscar ele”, diz emocionada. Movida a superar a morte de seu filho, recuperou o sonho de estudar. Incentivada por uma amiga, e patroa, decidiu se matricular no Núcleo Estadual de Educação de Jovens Adultos (NEEJA). “Estudar ia ajudar me reerguer”, completa, “uma forma de ocupar o tempo”.

No Brasil, problemas como o analfabetismo oprimem e limitam o acesso à direitos básicos. Algo como conseguir ler uma receita médica ou a dificuldade em escrever o próprio nome são marcantes no plano social. Um exemplo histórico, é a suspensão de direitos ao voto dos analfabetos, proposto por Rui Barbosa, através da lei Saraiva (Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881). Esta exigia do eleitor saber ler e escrever. Contudo, após tantos anos, o analfabetismo no Brasil teve uma diminuição de 40% entre 2011 e 2021. Esse número é resultado de vários fatores, um deles é a aplicação da modalidade de ensino para jovens adultos, o EJA. É neste lugar, dentro da sala de aula, que estas pessoas se reconectam ao sonho do estudo e do diploma. A persistência e a dedicação são requisitos para conquistar não só o direito à educação, mas também, realizações pessoais, como Rosane que sonha em ser enfermeira.

A palavra estudante é geralmente atribuída aos jovens. Pessoas como Vera Lúcia Braga Trombeta, 59 anos, reikiana, por exemplo, têm buscado, assim como Rosane, conhecimento na meia idade. Aluna do NEEJA em Frederico Westphalen, agora corre atrás do diploma do Ensino Médio. Tudo inicia quando Vera decide dar o primeiro passo para poder conquistar algo que lhe pertence: o direito à educação. Longe dos estudos todo esse tempo, a decisão de não estudar foi tomada ainda na infância, quando se viu entre duas possibilidades de escolha: “Quando eu tava estudando, eu tinha meus pais, daí eu tinha que optar em trabalhar na época ou estudar, e eu optei em trabalhar, não conseguia conciliar os dois”, conta ela.

Muitos destes alunos não estão limitados somente por dificuldades de aprendizado, mas também por problemas como apoio familiar, o olhar estranho da sociedade ou ter de conciliar emprego, vida conjugal e estudos. Ao ser questionada sobre isso, Vera explica que faz planilhas para se organizar, e também tenta dividir a atenção entre a família e o emprego.

Essas dificuldades são analisadas pelo professor Cirilo Fronza, 56 anos, que atua na área de ciências humanas. ‘’Ser docente de jovens é uma experiência diferente de dar aulas para jovens adultos, é necessário dispor de técnicas diferentes, lidando também com o lado pessoal dos alunos, acolhendo da melhor forma possível”, explica o educador, formado em história pela Universidade de Palmas, e especializado em arte e cultura, coordenação pedagógica e geografia.

Foto: Luana Novaes Scatigna

Neste processo, se encaixa o papel humano que, de acordo com Cirilo, não é só o estudo em si, mas sim como ele é ofertado. Ele também ressalta, que cada aluno é uma pessoa, com histórias diferentes. Isso leva o educador a se colocar no lugar dos alunos. ‘’A partir do acolhimento, tu pode fazer as outras, ouvir ele e falar uma linguagem que ele vai entender, então de repente pra um ou outro tu tem que ter um atendimento individualizado”, destaca Cirilo. Isso acaba por ser fundamental na vida dos estudantes que se veem frente a desafios que não conseguiram encarar antes e que se acumularam com o tempo, se tornando um obstáculo maior.

Mesmo com a remodelação no ato de ensinar para motivar os discentes, a evasão escolar ainda ocorre. O Censo Escolar 2020 estima que houve uma queda de quase 235 mil matrículas do EJA, sendo esse número dividido entre ensino fundamental e médio. “Muitos acabam desistindo e a gente não tem como buscar de volta. Alguns a gente consegue, mas a gente tem um número bastante reduzido”, aponta Cirilo. Isso implica em um ciclo repetitivo, de pessoas que param de estudar por conta de dificuldades cotidianas e retornam anos depois.

Novos tempos, mesma batalha

Com o passar do tempo, muitas coisas mudaram, como o uso da tecnologia em sala de aula. Mas é a proximidade dos professores com os estudantes que chama a atenção. “Eu acho que a maneira como os professores ensinam, porque é diferente”, aponta Vera sobre as mudanças no ensino. A dedicação dos educadores funciona como forma de motivação para quem luta para conquistar o diploma. “Teve situações que o professor tava dando aula para um aluno. E ele estava dando aula como se a sala estivesse cheia. Então isso é uma coisa que motiva”, diz Vera.

Foto: Gabriel Henrique

Mesmo com suas dificuldades, ela ainda se mostra confiante, com um sorriso no rosto, quando fala sobre seu sonho de infância, o de ser psicóloga: “Gosto de estudar pessoas, eu vejo a pessoa e parece que já vou analisando”. Isto se relaciona com a sua atual ocupação, diz ela, pelo fato de ter contato direto com os clientes, uma vez que realiza sessões de Reiki, uma técnica japonesa de medicina alternativa que oferece em um espaço no centro de Frederico Westphalen. O desejo de buscar outra formação é expresso também por Rosane. Seu desejo é  cursar Técnico em Enfermagem, fruto do cuidado com o filho. “Eu fui ‘enfermeira’ dele por vinte anos”, explica, comovida.

Voltar a estudar vai além de só conseguir o diploma no final. Para Rosane Leceus, estudar é uma forma de manter a mente ocupada, saudável e, ao mesmo tempo, ampliar conhecimentos. Para Vera Trombeta, trata-se de uma conquista pessoal. Elas se veem no mesmo cenário de quando eram apenas garotinhas, entre as dificuldades da vida pessoal e dos estudos. Dizem que é uma batalha que enfrentam de cabeça erguida, mantendo viva a busca dos objetivos que as motivaram a dar o primeiro passo para retornar aos estudos na meia idade.

Frederico Westphalen, RS

*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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