Sandro Sotilli, maior artilheiro do Gauchão, deixou um legado pelo futebol do interior
Caroline Dolina, Kamilla Kopsell
Nos dez minutos finais da última partida como jogador profissional, Sandro Sotilli viu passar na memória toda sua trajetória no futebol. Era 12 de março de 2014, ele defendia o Esporte Clube Pelotas em uma partida contra a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias. Ainda em campo, esperando o juiz apitar o fim do jogo, reviveu uma história que ficou marcada por muitos gols, bairrismo, títulos e, principalmente, experiências e andanças pelo interior do Rio Grande do Sul.
Nascido em Rondinha, norte gaúcho, em 18 de agosto de 1973, com população estimada em cinco mil habitantes, a infância de Sotilli não foi diferente das demais crianças. Desde os oito anos sonhava em ser jogador de futebol. Porém, o costume das famílias do interior na época era de ter um filho seguindo no ramo religioso. Sandro acabou sendo o escolhido, entre os irmãos, para integrar o seminário. O principal responsável por convencê-lo, aos 14 anos, foi o tio, já seminarista. Como? Simples. O guri poderia jogar futebol no campo do Colégio Marista, em Viamão. Assim, carregando a expectativa de uma futura oportunidade de ver seu sonho se tornando realidade, mudou-se para a região metropolitana.
Aos 17 anos, acabando o ensino médio e prestes a fazer os primeiros votos religiosos, Sotilli confidenciou aos pais, Silvestre Sotilli e Zaida Frizzon Sotilli, que não queria ser seminarista. Sonhava com a vida futebolística. Voltou para casa e, durante seis meses, trabalhou na roça da família. No tempo livre jogava nos campos de várzea da região.
Tudo começou a mudar em uma noite, quando o vizinho Mário Cavasin, ex-treinador da infância de Sotilli apareceu na casa da família de Sandro, convidando o garoto para participar de um teste no Ypiranga de Erechim. A peneira era no dia seguinte. A partir daí, começaram os perrengues da vida de um jogador de futebol do interior. Partindo em uma caçamba com mais alguns jovens, Sotilli foi para o primeiro teste profissional da vida, com quase 19 anos. Hoje, essa seria uma idade considerada tardia para o início da profissão.
Aprovado, começou a treinar com o grupo na semana seguinte. Ficou seis meses na equipe de juniores do Ypiranga. Com a chance de ser mais bem aproveitado por outras equipes, foi emprestado para o Xanxerense, de Santa Catarina, Ta-Guá, de Getúlio Vargas, e Veranópolis. Em 1996, após o final dos empréstimos, retornou ao Ypiranga, quando foi chamado por Agenor Bachi, o Tite, atual treinador da Seleção Brasileira e, na época, comandante do Canarinho de Erechim, para integrar o elenco profissional do time. Durante a passagem por Erechim, a estadia era embaixo das arquibancadas do Estádio Olímpico Colosso da Lagoa, onde até hoje fica o alojamento para as categorias de base.
A estreia profissional
Nervosismo, expectativa e noite mal dormida. Esse foi o prólogo do primeiro jogo que marcaria a estreia profissional de Sandro Sotilli. No dia, em um jogo válido pelo Campeonato Gaúcho de 1996, Sandro iniciou no banco de reservas, mas o frio na barriga, e o fato de estar concentrado com o restante do elenco, já bastavam para o jovem jogador. “Aéreo, momento especial, realização de um sonho e uma sensação diferente da vida normal”, conta Sotilli. Ele ainda não sabia o que viria pela frente.
O gol que impulsionou a carreira
Quis o destino que o primeiro jogo como titular de Sotilli no Ypiranga, fosse contra um dos maiores clubes do estado, o Sport Club Internacional. Com o começo irregular no Campeonato Gaúcho, Tite foi demitido e quem assumiu o comando técnico do time erechinense foi Guilherme Macuglia. No primeiro jogo do novo treinador, o centroavante foi escolhido para titularidade na partida, sendo uma aposta, pois tinha como concorrentes de posição grandes nomes como Sandro Gaúcho e Gilmar. A jovem promessa respondeu ao chamado quando aos 23 minutos do segundo tempo, virou o confronto e garantiu a vitória do Canarinho sobre o Colorado. Matada no peito e chute no ângulo, foi dessa maneira que o gol tomou proporções nacionais.
No Internacional
A passagem pelo Sport Club Internacional, em 1997, foi breve. Mas, naqueles dez minutos finais em Pelotas, Sotilli relembrou com carinho da oportunidade, pois estava realizando um sonho, já que era torcedor desde criança. Por conta dos concorrentes de posição, foram dez jogos e apenas dois gols anotados pelo Colorado. Em 1998, o clube da capital optou por fazer uma troca com o Juventude. Fernando iria para Porto Alegre, enquanto Sotilli e Mabília iriam para Caxias do Sul.
Campeão gaúcho de 1998
Ficou na história. Primeiro título Gaúcho do Esporte Clube Juventude e, também, do jogador. O jogo da decisão foi contra seu ex-clube, que resolveu trocá-lo: Internacional. O primeiro duelo foi no dia 31 de maio, no Alfredo Jaconi e terminou com a vitória do time Jaconero por 3×1. A volta aconteceu em 7 de junho, no Beira-Rio e terminou empatado em 0x0. O placar concedeu o título inédito ao time da Serra, que ainda foi campeão invicto e quebrou a hegemonia da Dupla GreNal, que desde 1955 alternavam o pódio.
Clubes do interior
A carreira de Sandro Sotilli ficou marcada pelas passagens nos clubes do interior gaúcho. No total foram 16: Ypiranga, Ta-guá, Veranópolis, Internacional, Juventude, Caxias, 15 de Novembro, Glória, Pelotas, São José, Brasil de Farroupilha, São Paulo de Rio Grande, Passo Fundo, São Luís, Gaúcho e Marau. Com a rodagem, Sottili tem propriedade para falar sobre o futebol do interior do estado. As maiores dificuldades desde a época, eram financeiras. Os clubes precisavam buscar recursos para que as folhas de pagamento fossem integralmente pagas e a estrutura de alguns times também deixavam a desejar com a precariedade do gramado, sem academia e alojamento, por exemplo. Porém, essa é uma realidade que todos os jogadores sabiam quando surgia a proposta para jogar em um desses clubes.
Além disso, outra desvantagem é a curta temporada de jogos para a maioria dos clubes do interior. Alguns jogam um campeonato de quatro meses e precisam ir para suas casas e fazer bicos para ter renda ou arrumar outro time. Isso acontece sucessivamente, todos os anos. São poucos aqueles que têm um calendário cheio para jogar.
Por outro lado, houve algumas mudanças, que podem ser consideradas mínimas, mas que já são um avanço para os clubes do interior. Tato Moreira, presidente do Guarany de Bagé, cita que “o futebol do interior vem se organizando, as equipes vêm se profissionalizando, principalmente a nível diretivo”. Assim como demais clubes, o Guarany também já teve seus baixos. Em 2004, suas dependências se encontravam sem luz e água e dois funcionários não recebiam há dois anos. Para Tato, o ponto positivo é que a “Federação Gaúcha de Futebol tem sido muito interessada e solicita em estruturar os clubes do interior do Rio Grande do Sul”.
Josinara Ramos, funcionária do Setor de Competições da Federação Gaúcha de Futebol, cita que há 80 equipes ativas e filiadas à FGF no estado. Perguntada sobre quais competições são disputadas anualmente, Josinara respondeu: “Atualmente, nós temos quatro competições da categoria profissional, que são: Gauchão Série A, Gauchão Série A2, Gauchão Série B e Copa FGF. Além das competições de base, que é Estadual Sub-20, Estadual Sub-17 e Estadual sub-15. Tem também as competições da categoria feminina, que é o Gauchão Adulto”.
Sobre o repasse financeiro, Josinara explica: “qualquer tipo de ajuda para os clubes a gente entende que é sempre bem-vinda. Então, sempre, dentro do possível, isso é feito. Mas não há uma regra de quanto vai ser repassado aos clubes, porque depende muito das parcerias que estão sendo formadas para aquela competição”.
Atualmente, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) é a terceira melhor ranqueada segundo a Confederação Brasileira de Futebol, ficando atrás da Federação Paulista de Futebol (FPF) e da Federação Carioca de Futebol (FERJ). Todos os anos, a entidade realiza a somatória de pontos de todos os clubes, de cada estado, representando a média de pontuação da federação estadual correspondente. A pontuação da FGF é atribuída ao trabalho que vem sendo desenvolvido em todas as competições da organização, que tem por missão aumentar o nível do futebol gaúcho. Por fim, Josinara falou um pouco sobre a importância desse reconhecimento: “quanto mais longe as equipes chegam, vai ser melhor para todos nós. Então, entendemos que o menor passo adiante de cada um, ou a contribuição mesmo que pequena, de cada uma das equipes nas nossas competições, faz elevar o nível do futebol gaúcho e nacional, como um todo”.
Fim de um ciclo
A carreira como jogador profissional de Sandro Sotilli chegou ao fim em 2014. Ele não teve dúvidas de qual seria o clube para encerrar seu ciclo no futebol profissional, foi no Pelotas. Lá ele deixou sua marca durante seis temporadas, e conquistou o carinho de todos torcedores áureo-cerúleos.
“Quando faltavam uns dez minutos para o juiz apitar o jogo, eu comecei pensar em tudo que passou na minha infância. Meu sonho de menino, de ser jogador de futebol, as dificuldades do Ypiranga, de morar embaixo da arquibancada, fazer comida, ter jogado na China e no México. Eu estava chorando e até hoje me emociono, porque naqueles dez minutos a torcida cantava o cântico ‘Quando ele entra na área, a torcida vai ao delírio! É o Alemão Matador! E dale Sandro Sotilli!’, em minha homenagem na arquibancada, mesmo perdendo para o Caxias… Nos dez minutos finais pensei que realmente valeu a pena aquele sonho de criança, nos 14 quilômetros que fazia para ir e voltar da escolinha antes de ir para o seminário, todas as alegrias que consegui fazer dentro de campo para os torcedores, então tudo isso passou pela minha cabeça e pensei: valeu a pena”, ressaltou o jogador.
Essa foi a carreira do maior artilheiro do Campeonato Gaúcho, com 111 gols. Além dos outros 134, contando segunda e terceira divisão gaúcha e outros campeonatos. Sandro Carlos Sotilli: o jogador que deixou marca nas goleiras dos estádios, presença e lembrança nas diversas cidades que visitou e segue percorrendo. Sotilli sagrou-se no campo e virou figura marcada entre as personalidades gaúchas. Sempre lembrado pelos cabelos loiros de alemão, festas de comunidade, latão e carisma além da conta, virou personagem na internet e segue sendo a cara do gaúcho de interior.
Passo Fundo, RS
*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.