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À flor da pele



Tatuagem: onde a arte se eterniza em traços e histórias

Amanda Busnello, Gabrieli Ferla, Thayssa Kruger

pecado

bizarro

absurdo

marginalidade

cicatriz

forma de expressão

arte na pele

Essas palavras são usadas para definir a mesma prática: a tatuagem. Apesar de ser alvo de debates controversos, o ato de marcar a pele é tão antigo quanto a própria humanidade. Os primeiros registros datam de mais de 3000 a.C.

A tatuagem foi símbolo de diversas culturas, representando crenças, nacionalidades, crimes e, nos dias de hoje, estética. Embora tatuar seja visto como algo pertencente ao universo masculino, atualmente podemos encontrar muitas mulheres trabalhando na área da tatuação. No Brasil, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2021, as mulheres ocupavam 45% das posições no setor de tattoo.

A cidade de Frederico Westphalen, interior do Rio Grande do Sul, possui mais de 30 mil habitantes e entre eles quatro mulheres se destacam. Ketllyn Tavares, Luci Buzatto, Nicoly Silva e Valéria Pinheiro não apresentam muitas características em comum, elas têm idades e experiências diferentes, mas há algo que as une: o amor pela tatuagem.

A vontade de trabalhar com a arte na pele fez com que elas lutassem contra os preconceitos da sociedade e permanecessem na profissão. Com delicadeza e coragem, elas desafiam as convenções e transformam corpos em verdadeiras obras de arte. Em estúdios repletos de personalidade, essas artistas encontram seu espaço, criando narrativas que vão além do gênero.

Ao entrar em um estúdio de tatuagem, somos imediatamente envolvidos por um ambiente que respira criatividade. O som suave das agulhas dançando sobre a pele, a mistura de cores vibrantes e a intensidade dos desenhos compõem um cenário onde a imaginação ganha vida. Cada tatuador é um artista, transformando a epiderme em uma tela em branco pronta para receber sua poesia.

O começo

Para qualquer iniciante em uma profissão nada é fácil. Tudo se torna mais complicado quando se é mulher. A tatuadora Ketlyn Tavares, 26 anos, iniciou no ramo com pouco incentivo de sua família. A vontade de trabalhar com tatuagem surgiu aos 12, mas quando ouviu que não levava jeito para a profissão, resolveu deixar de lado.

Ketlyn sempre gostou muito de arte, “eu desenhava a pincel na unha, fazia uma cartelinha de adesivo para vender, […] fazia caricatura em quadros para vender. Então, eu sempre quis tentar trabalhar no que eu gostava”, conta.

Ketlyn foi manicure por 12 anos e foi só quando conheceu Charles, seu atual marido, que na época “brincava de tatuar”, que a vontade em ser tatuadora foi despertada novamente. Charles iniciou a carreira primeiro e foi só um ano depois que ela deixou seu antigo emprego para viver 100% da tatuagem.

A mãe desaprovou quando Ketlyn tomou a decisão, dizia que trabalhar com desenho não dava dinheiro, “hoje em dia dá, porque a gente trabalha com o que ama”. Ela já tatua há cinco anos na cidade e conta que o começo não foi nada fácil. “Lembro que eu ganhava 80, 100 reais por semana. E aí, depois que ingressou clientela, eu pude parar de trabalhar no salão e passar a tatuar”, relembra.

Ketlyn demonstra seu amor pela profissão quando afirma que muitas de suas tatuagens foram feitas para testar a dor em algumas partes do corpo. “O cliente chegava e pedia se doía no dedo e eu dizia para o Charles fazer algo em mim no dedo,[…] eu fiz para falar para eles”.

Nicolly Silva, de apenas 21, caiu de paraquedas nessa profissão. Nunca havia imaginado se tornar tatuadora. Foi sua mãe que a incentivou a entrar no ramo. Cabeleireira há 23 anos, independente profissionalmente e sem carteira assinada foi algo presente em sua vida.

Antes de deixar tudo para viver somente da tatuagem, ela foi secretária em um consultório por quatro anos. Conciliava o emprego com fazer micropigmentação no salão de sua mãe. Para ela, o início foi desafiador, o que a levou a pensar em desistir. “No início encontrei bastante dificuldade, porque tu já começa a pensar como que tu vai fazer teu nome aqui. […] quando eu saí do consultório pensei ‘Meu Deus eu vou pedir para voltar’”.

Nicolly descobriu seu talento para tatuar somente após um curso que fez. “Eu não sabia que eu conseguia fazer isso. Eu fiquei naquela coisa assim, fui eu que fiz?”, conta.

Hoje seu estúdio de tatuagem fica junto ao salão de sua mãe, a incentivadora de tudo isso. Há dois anos e meio ela deixou seu emprego no consultório para entrar de vez na profissão de tatuadora. “Foi assim, inesperado. Foi impulsivo. Um impulso que deu certo”. Para ela, a tatuagem é um amor, uma paixão. “Foi onde me encontrei”.

Fotos: Gabrieli Ferla

Conquistando espaço

O preconceito com as pessoas tatuadas sempre esteve na cultura da sociedade. No livro Uma história da tatuagem no Brasil, a autora Silvana Jeha cita que, no final do século XIX, pessoas tatuadas se apresentavam em circos por serem consideradas exóticas e, até a década de 1970, as pessoas associavam a tatuagem com a criminalidade.

No Brasil, a prática da tatuagem só foi inserida na cultura popular na década de 1980, ao ser aderida pelos jovens surfistas e rockeiros, porém, ainda muito associada ao universo masculino. Mas a discriminação contra pessoas tatuadas não é coisa do século passado. Muitas pessoas perdem oportunidades de emprego, por exemplo, por possuírem tatuagem à mostra, principalmente em áreas de profissões consideradas tradicionais.

Para Luci Bozatto, tatuadora há seis anos, Frederico Westphalen ainda é muito preconceituosa a respeito de tatuagem. “Ontem eu tatuei uma menina e ela falou que queria tatuar uma florzinha no pescoço, atrás da orelha. E eu falei  ‘pensa bem, né? Porque pescoço e mão não são lugares que tu esconde fácil.’ E ela disse: ‘ah é, eu tenho essa preocupação porque eu trabalho com vendas’”, relembra Buzatto.

Mas houve transformações importantes para quem se interessa pela prática. Atualmente, as pessoas têm entendido a tatuagem como um tipo de arte. Valéria Pinheiro, tatuadora há 18 anos, acredita que isso tem a ver com a profissionalização da tatuagem. “A galera mais jovem que gosta do desenho está se apropriando muito, vendo como uma profissão”, diz Pinheiro.

“Tem significado?”

Talvez essa seja a pergunta mais comum que pessoas tatuadas escutam. A resposta é sim e não. Em muitas culturas ancestrais, como a dos povos indígenas e dos povos africanos, a tatuagem remete ao lugar de origem da pessoa, a sua situação conjugal ou à fé. Para os marinheiros do século XIX, a tatuagem era a lembrança permanente das suas aventuras, de seus amores e de suas saudades.

Jeha observa que atualmente a prática se afastou de ritos místicos para fertilidade e proteção contra o mau olhado, mas permanece sendo uma forma de fazer o corpo falar, de externalizar seus sentimentos e de marcar na pele sua história.

Para Valéria Pinheiro, a tatuadora mais antiga de Frederico Westphalen, a clientela feminina ainda enxerga a tatuagem como um meio de homenagear um ente querido. “A mulher é sempre mais sentimental. Ela tem um motivo mais específico, tem uma história”, relata Pinheiro.

Para Luci Buzzato, toda tatuagem possui um significado, mesmo que o tatuador o desconheça. “Pode ser que não signifique uma coisa filosófica, mas só de você achar bonito e querer fazer já é um significado”. 

A tatuagem é a fusão perfeita entre a arte e o corpo humano. Dança entre tinta e pele que transforma a vida em poesia. Cada marca é única, cada desenho uma história e cada pessoa é um livro aberto a ser lido por aqueles que têm olhos para enxergar além da superfície. A tatuagem expressa um desejo profundo de ser, pertencer e marcar o mundo com a própria existência. E assim, os tatuados seguem, carregando na pele a poesia da vida, se eternizando em traços que ecoarão através das gerações.

Frederico Westphalen/RS

*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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