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Os games como ferramenta social



Fernando Simonet e Jonathas Grunheidt

Ilustrações: Giovana Zago

Jogos eletrônicos podem ser fundamentais na interação entre as pessoas e até a formar amizades. “Os jogos me ajudaram a expandir quem eu sou e como vejo as outras pessoas”, conta Leonel Nadal de Oliveira, 31 anos, natural de Passo Fundo, município com 200 mil habitantes, onde reside. Desde criança, foi incentivado pelos pais a ter contato com novas tecnologias. Ele faz parte dos 74,5% dos brasileiros que jogam, segundo levantamento da Pesquisa Game Brasil, de 2022. Nesse cenário, a plataforma mais popular é o celular, com 48,3% de usuários.

Leonel ganhou seu primeiro console de videogame em 1997: um TV Gaming, similar ao Atari 2600. Na época, era muito difícil ter acesso a aparelhos eletrônicos na cidade. Por isso, as pessoas encomendavam com alguém que pudesse trazer do exterior. Logo depois, teve contato com o Super Nintendo, o Playstation 2 e o Playstation 4. Foi perto da virada dos anos 2000, entretanto, que ganhou a plataforma que se tornaria a sua principal: o computador.

Pelo computador, Leonel teve mais acesso aos games e conheceu o Cabal Online, que joga desde 2008. No game, um grande número de jogadores pode realizar atividades em conjunto, criando comunidades online. Ele é caracterizado como um MMO (Massive Multiplayer Online ou “multijogador massivo online” em português). “Quem me mostrou o jogo foi um colega de escola que veio de Santa Catarina, acabei fazendo amizade com ele”, comenta. Cabal deu origem a um grupo de amigos na escola de Leonel. Eles, inclusive, marcavam compromissos externos como partidas de futebol, por meio do game.

É o tipo de interação que chama a atenção do pesquisador Yago Nascimento. “A interação social motivada por um jogo não se limita ao momento de jogar em si”, avalia o mestrando em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nascimento explica que a maioria dos games incentiva o jogo coletivo e diferentes formas de contato entre jogadores, então jogar raramente é uma atividade solitária. Para Nascimento, os games podem influenciar na construção da identidade de uma pessoa do mesmo modo que filmes, séries de TV, telenovelas e músicas.

Não só o Cabal, mas outros MMOs foram responsáveis por contribuir com a personalidade de Leonel. O doutor em Informação e Comunicação em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marcelo de Vasconcellos, afirma que uma pessoa não se desconecta totalmente de quem é ao jogar. “O jogo é um artefato cultural”, avalia.

Games, trabalho e pandemia

As pessoas que assistem Leonel o fazem recordar a lembrança de, quando criança, observar a mãe Lourdes jogar videogame. Hoje, ele é streamer, e, nesse universo, mais conhecido pelo apelido, “Rinno”. O streamer é alguém que constantemente transmite por meio de uma plataforma ao vivo o que está fazendo, enquanto permite que pessoas com acesso à essa plataforma assistam e comentem sobre o assunto. No caso dele, a conversa é sobre games. “Achava muito legal compartilhar com outras pessoas o que eu estava fazendo e isso gerava interação”, completa.

O filho de Lourdes conta que coloca nomes de animais com frequência em seus personagens de MMOs. O jogo Need for Speed: Most Wanted deu vida ao “Rinno”. O nome vem de rinoceronte e se deve a existência de um veículo no game de corrida chamado Rhino. Com duas graduações no currículo, Engenharia Ambiental pela Universidade de Passo Fundo, e Engenharia Civil, pela Faculdade Meridional, diz ter bastante experiência com pesquisa para produção de conteúdo e isso o ajudou a dar base para a carreira de streamer.

Quem iniciou o projeto não foi ele, mas uma amiga. Eliana Mendes, mais conhecida como “Ranna”, mora em Porto Alegre. Ela conheceu Leonel por meio do Cabal, em 2017, ano em que ingressou no game. Ambos tinham o desejo de compartilhar o que faziam com outras pessoas. A ideia, no entanto, de início não foi para frente.

“Tudo aconteceu por causa da pandemia”, revela a streamer. Em 2020, início da pandemia de Covid-19, quando as pessoas não podiam sair para a rua sem máscara, e muitos estabelecimentos fecharam, a empresa em que Ranna trabalhava encerrou as atividades. Sem perspectiva de trabalho, e com tempo livre, ela diz que os games foram responsáveis por reinventar sua vida social e evitar o desenvolvimento de doenças psicológicas, como a depressão.

As pessoas diziam que Ranna tinha boa voz para comunicação e ela sabia que seu computador era bom, então resolveu colocar a ideia de ser streamer em prática. Assim que aprendeu o suficiente para o projeto, chamou Leonel para ser sócio. Hoje, os dois detêm uma rádio virtual focada em games. Nas transmissões, Ranna joga MMOs.

Por serem embaixadores do Cabal, são responsáveis por representar e promover o game. Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o pesquisador Mike Mazurek explica que muitos MMOs podem se transformar de prazer em trabalho, muitas pessoas vivem disso e há um amplo mercado envolvendo essa categoria de games.

Satisfação e desafio

Leonel é fascinado pela franquia de games Dark Souls, conhecida por uma história fragmentada e por puxar os limites de seus jogadores para superarem desafios “impossíveis”. O streamer pontua que aprecia ler a descrição de itens para conhecer profundamente a história dos jogos.

Especialmente no caso dessa franquia, a história não ser entregue de forma fácil desperta a curiosidade de muitos no sentido de pesquisar e debater para desvendar seu significado. O pesquisador Marcelo de Vasconcellos aponta que games podem servir tanto para produção de conteúdo como para criação e ampliação de comunidades.

Com amplo conhecimento na área da saúde e tecnologia, Vasconcellos denuncia o pânico moral com os games. “Há um grande interesse em associar jogos à violência, é uma lógica que a sociedade tenta transferir os problemas dela para algo que não conhece”. O especialista assegura que, até o momento, não existe pesquisa que prove a criação de sentimentos violentos por parte dos jogos. 

Especializado em Psicologia Junguiana pelo Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa (IJEP), Mike Mazurek explica que games como Dark Souls estimulam o desenvolvimento de tempos de reação e a percepção de padrões. Ele também cita que o ato de jogar games no geral provoca a produção de dopamina e adrenalina. Enquanto a dopamina é um hormônio que traz sensação de compensação e prazer, a adrenalina atua em situações de estresse ou excitação aumentando atividade muscular e acelerando o raciocínio.

Lançado em 2018, Monster Hunter: World é um game baseado em grinding, ou trabalho árduo. Nele, o jogador cria um personagem e precisa enfrentar múltiplas criaturas pelo caminho. Mazurek esclarece que a fundamentação do grinding está relacionada ao ciclo de enfrentar um desafio, ser recompensado e usar essa recompensa para desafios mais complexos. No caso de Monster Hunter, o desafio seriam as criaturas e a recompensa, utilizar tais bichos na construção de armas e armaduras mais resistentes e poderosas.

Alívio e aprendizado

Melancólico, Leonel relembra: “Em 2019, acabei perdendo minha vó. Quando você perde um ente acaba ficando horas sem dormir direito. Um jogo que me ajudou muito a espairecer a cabeça foi Monster Hunter: World”. O streamer complementa que a questão do multiplayer (multijogador) foi fundamental, já que se reunia com Ranna e os espectadores para caçar criaturas em conjunto. Ele recorda do maior desafio que realizou no game, obter todas as conquistas. Com 600 horas de jogo, alcançou os troféus de caça das criaturas mais raras. Completou, assim, as 100 conquistas na plataforma Steam, que conta com milhares de jogos.

O professor Marcelo de Vasconcellos alega que as conquistas de games, geralmente, não possuem valor real. “Elas funcionam no contexto do jogo, ao adicionar valor ao produto e à plataforma em que o compra”, reitera o pesquisador. Os jogos eletrônicos, como qualquer mídia, podem ajudar em situações difíceis. No momento em que joga, a pessoa se sente herói de uma história, sabe como é ser alguém que toma decisões e interfere no rumo de acontecimentos, argumenta. Ele explica que, ao jogar, uma pessoa não se limita ao game. O jogador produz conteúdo, cria comunidades e grupos em redes sociais.

Nem todo jogo produz heróis. O pesquisador da Fiocruz afirma que os games permitem a vivência de outras vidas e com isso se aprende algo. Para ilustrar, conta o caso do game That Dragon, Cancer, desenvolvido nos Estados Unidos pelo pai de um menino com câncer. Lançado em 2016, o game conta a história da família. Na época, o menino já havia falecido, mas uma comunidade cresceu ao redor do jogo, e estimulou pessoas a compartilharem os sentimentos diante da perda de entes queridos para a doença. “Os jogos têm o poder de dar outras vidas para a gente e nesse processo a gente entende como é o outro, tende a ser mais tolerante e compreensivo”, reflete Vasconcellos.

Frederico Westphalen, RS

*Esta é uma produção laboratorial e experimental, desenvolvida por estudantes do curso de Jornalismo da UFSM Campus Frederico Westphalen. O texto não deve ser reproduzido sem autorização. Contato: meiomundo@ufsm.br.

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