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Gisele Winck, pesquisadora no Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ-RJ), tem uma grande trajetória na área de pesquisa e conta o papel da UFSM em sua trajetória



Na segunda entrevista do mês de junho o VOLVER conversa com Gisele Regina Winck, egressa do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Maria, turma de 2004. Gisele concluiu o mestrado em Biodiversidade Animal pela UFSM no ano de 2007 e realizou seu doutoramento em 2012, no curso de Ecologia e Evolução, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, realiza pós-doutorado sobre ecologia aplicada na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

Gisele Winck é pesquisadora colaboradora de grandes institutos pelos quais já passou, entre eles o Laboratório de Herpetologia (UFSM), Laboratório de Ecologia de Vertebrados (UERJ), Laboratoire d’Ecologie Alpine (LECA – França), do Laboratório do Dr. Barry Sinervo (UCLA, Sta. Cruz), entre outros.

A cientista integra um grupo interdisciplinar liderado pela equipe do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios, na  FIOCRUZ-RJ. E uma das suas linhas investigativas é “como as redes adaptativas podem ser utilizadas para prever áreas de maior probabilidade de surtos de doenças tropicais negligenciadas”.

Volver – Para começar, relate como foi o início da sua carreira como pesquisadora e qual o papel da UFSM nesse caminho da investigação científica?

Gisele – Foi oficialmente no mestrado, quando decidi seguir a carreira acadêmica, mas durante a graduação na UFSM aprendi a ser pesquisadora. Os três orientadores de estágio nesse tempo, os profs. Drs. Átila A. da Rosa (Departamento de Geociências), Everton R. Behr (Departamento de Zootecnia), e Sonia Z. Cechin (atual diretora do CCNE), foram fundamentais para a minha formação e sempre aproveitei qualquer oportunidade que surgia para ajudar colegas e amigos nos seus projetos, o que me ensinou na prática que ciência não se faz sozinho. Os Drs. Átila e Everton foram imprescindíveis por atiçar minha curiosidade, e principalmente fomentando a busca por informações e conhecimento de forma geral, não apenas no assunto da pesquisa. Por exemplo, apesar de trabalhar com o Dr. Everton na revisão taxonômica da coleção de peixes da UFSM, ele sempre me incentivava a aprender sobre taxonomia de morcegos e aves, identificar rastros de mamíferos, e outros tantos assuntos que foram e ainda são fundamentais ao longo de toda minha vida acadêmica, e especialmente nos trabalhos de campo.

Durante a iniciação científica, sob orientação da Dra. Sonia Cechin, aprendi não apenas como realizar uma pesquisa científica bem fundamentada, mas também sobre a enorme responsabilidade do pesquisador, principalmente quanto ao seu papel na sociedade. Reconheço que meus orientadores e professores da UFSM tiveram papel fundamental para me tornar a profissional que sou hoje. Aproveito para deixar nessas linhas meu profundo agradecimento. A UFSM também foi fundamental em termos de estrutura física, com laboratórios bem equipados e mantidos por pessoal capacitado que faz parte do quadro funcional, mas principalmente a Biblioteca Central, cujos livros e estrutura foram decisivos aos meus estudos. O caminho da investigação científica me parecia bastante natural, considerando as minhas atividades ao longo da graduação. Foi um privilégio ter feito minha formação na UFSM, me fornecendo tantas oportunidades.

Volver – Quais desafios e quais recompensas você aponta em trabalhar com pesquisa científica?

Gisele em campo nos Alpes franceses, na cidade de Chamonix-Mont-Blanc.

Gisele – Um dos principais desafios, que traz como consequência diversos outros, é a falta de reconhecimento do trabalho como pesquisadora e cientista. Em outros lugares do mundo, incluindo na França – onde realizei um período de pós-doutorado – bolsistas de mestrado, doutorado e pesquisadores associados em período de pós-doutorado são considerados trabalhadores assalariados, e possuem todos os direitos da classe. Isso inclui seguro-desemprego, por exemplo, que é muito importante especialmente para quem tem uma lacuna entre um contrato e outro (ou entre bolsas). Outro desafio importante, infelizmente, é o fato de eu ser mulher. Durante toda minha trajetória, me deparei com situações negativas, decorrentes basicamente da falta de respeito, e que incluem até assédio moral e sexual. Essas situações ocorrem em diversos locais onde trabalhei, em campo ou no meio acadêmico.

Não fui a única e infelizmente não serei a última, pois a todo momento temos relatos desse tipo de situação nas diversas áreas da ciência, porque o machismo é estrutural e inerente a todos os segmentos da nossa sociedade. E quem é mãe ainda tem desafios adicionais simplesmente por terem tido filhos. Apenas recentemente o CNPq incluiu o período de licença maternidade no currículo Lattes, e ainda é comum ouvir outros pesquisadores dizendo que preferem que homens passem nos concursos públicos para o cargo de professor adjunto, porque não engravidam.

Em contrapartida, se as recompensas não fossem maiores do que os desafios, não seria pesquisadora e cientista até hoje! Graças ao meu trabalho, tive oportunidades de conhecer praticamente todos os cantos do nosso país, e diversos locais no exterior. Ser pesquisadora e cientista é aprender constantemente. Então, para mim, uma das melhores recompensas é adquirir conhecimento de pessoas dos mais diferentes graus de escolaridade (muitas com quem trabalhamos em campo não têm qualquer grau) e de experiências de vida. De poder, com a minha pesquisa, contribuir com peças em diversos quebra-cabeças maiores, que trazem benefícios para a sociedade. Por exemplo, compreender melhor a estrutura e funcionamento de comunidades animais, de que forma elas interagem entre si, com o ambiente e o espaço, e como essas interações contribuem para a dinâmica dos ecossistemas. E fundamentalmente, quais as consequências de todos esses fenômenos e processos para a sociedade.

Volver – Como é trabalhar na FIOCRUZ? Qual a Importância do instituto?

Gisele – A Fiocruz é diferente de todos os ambientes acadêmicos que já trabalhei (UFSM, UERJ, UFRJ, Université Grenoble Alpes, Université Savoie-Mont Blanc), acredito que por ter como princípio fundamental a promoção da saúde e desenvolvimento social. E é exatamente por isso que trabalhar na Fiocruz é um constante desafio gratificante para mim, porque me obriga a expandir o conhecimento e o foco de pesquisa para a saúde pública, e isso me faz crescer muito como pesquisadora. Antes, não tinha muita noção do quanto minha pesquisa estava interconectada com essa área, principalmente a linha de pesquisa de interações ecológicas. Hoje, faço parte do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do Instituto Oswaldo Cruz, e as interações ecológicas entre parasitos e hospedeiros e como o ambiente molda essas interações, são fundamentais para a pesquisa sobre zoonoses, foco do grupo de trabalho que faço parte. A Fiocruz é de suma importância, pois além de qualificar e formar uma grande quantidade de pesquisadores e trabalhadores da área de saúde, mesmo não sendo uma universidade, é também um centro de excelência em ciência e tecnologia em saúde na América Latina, tendo como missão a produção de conhecimento e tecnologia voltados para a consolidação e o fortalecimento do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), tão importante para nossa sociedade. Talvez um dos fatores positivos que temos com essa pandemia seja o reconhecimento da importância do SUS, da Fiocruz e do Instituto Butantan.

Volver – Na sua opinião, como as notícias falsas e o ataque às instituições de pesquisa afetam o conhecimento e a produção científica? Como a Fiocruz tem se posicionado diante deste contexto?

Gisele – Acredito que um dos principais problemas que enfrentamos com as notícias falsas e ataques à ciência seja o distanciamento da sociedade e das instituições de pesquisa. Fazemos ciência para geração de conhecimento sempre visando melhorar a sociedade e a vida de todos que fazem parte dela, direta ou indiretamente. Fundamentalmente é para ela que trabalhamos. E quando não temos o apoio da sociedade, temos maior dificuldade em perceber suas necessidades mais urgentes, por exemplo. Por outro lado, esse distanciamento da sociedade também reflete os cortes dos investimentos do poder público em ciência. Porque o poder público também é parte da sociedade. Com menos recursos para a ciência, pesquisas são encerradas, a formação e qualificação dos recursos humanos são afetadas, e pesquisadores são perdidos para outros países com mais recursos (a chamada fuga de cérebros). Nos formamos pesquisadores com ajuda da sociedade, através das instituições de ensino superior públicas, e trabalhamos para ela. Mas infelizmente em alguns momentos temos que optar por termos salário ou desistir da carreira em ciência.

O Brasil possui e forma todos os anos excelentes pesquisadores, mas a maioria não é absorvida pelas instituições de ensino e pesquisa (públicas e privadas). Uma das formas de manter esses pesquisadores trabalhando no país foi a ampliação do número de bolsas de pós-doutorado, por exemplo, que são pesquisadores doutores que trabalham em instituições de ensino e pesquisa, mas que oficialmente são considerados bolsistas (de estudo). Então, voltamos ao problema que relatei antes, de não ter os direitos trabalhistas como assalariado. Esses constituem a maioria dos cérebros que estamos perdendo. Eu quase fui um. Em termos de posicionamento da Fiocruz frente às notícias falsas e o ataque às instituições de pesquisa, a Fundação sempre tenta desconstruir as mentiras propagadas e informar de forma correta o público, através de notas, reportagens e vídeos nas redes sociais e pelo site da instituição. O setor de comunicação da Fiocruz é bastante ativo e prioriza um contato mais direto com a sociedade através das diferentes plataformas da instituição. Inclusive, orienta a nós, pesquisadores, as melhores formas de disseminação dos resultados das nossas pesquisas, também com o intuito de evitar a produção de notícias falsas por terceiros, utilizando as informações que divulgamos. A posição da Fiocruz é muito clara, priorizando sempre informar o público corretamente, repudiar ataques sem sentido, e mantendo diferentes canais de comunicação para atuar mais próximo à população.

"Fazemos ciência para geração de conhecimento sempre visando melhorar a sociedade e a vida de todos que fazem parte dela, direta ou indiretamente."

Volver – Qual o seu atual projeto de pesquisa? Em que fase está, envolve quais fatores e demanda quais recursos?

Gisele – Meu projeto de pesquisa na Fiocruz é vinculado às zoonoses, que são as doenças infecciosas que podem ser transmitidas entre animais não-humanos e humanos. O principal objetivo é integrar os dados ambientais, animais e socioeconômicos para, através de modelos de redes eco-evolutivas, compreender e prever surtos de zoonoses no nosso país. Facilitando a tradução de previsões desses modelos em indicadores biológicos e sociais essenciais, podemos informar melhor o planejamento estratégico de políticas públicas na interface entre ecossistema e saúde pública. É um assunto complexo, e o projeto envolve um grupo grande de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, de diversas instituições, e faz parte do recém-criado Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose) do CNPq. A UFSM também possui um projeto vinculado ao SinBiose, da profa. Dra. Mariana Bender (Departamento de Ecologia e Evolução, do CCNE). Por ser um projeto de síntese de conhecimento, ou seja, que concatena dados que já estão disponíveis em diversas plataformas institucionais nacionais e internacionais, demanda muito tempo e processamento. O recurso físico mais demandado é computacional, e isso muitas vezes é um fator limitante. Por exemplo, nosso banco de dados georreferenciado hoje possui milhares de variáveis ambientais (ex. temperatura, precipitação, cobertura florestal), socioeconômicas (ex. produto interno bruto municipal, produção agrícola), e de saúde pública (ex. número de notificações de determinadas doenças). Precisamos ainda incluir outros dados, mas para isso precisaremos de um supercomputador (HPC, High-performance computing) para alimentar esse banco de dados e, mais ainda, para realizar as análises mais complexas. Apesar da necessidade de HPCs em pesquisas no Brasil, ainda são poucas as instituições que dispõem desse tipo de equipamento, comparado a outros países, como a França. Ainda estamos na fase de produção dos primeiros resultados, com análises mais gerais, mas temos duas publicações do grupo, feitas na Lancet e no Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em breve, vamos enviar para a publicação três artigos científicos, um sobre os problemas de recuperação de informação e interoperabilidade dos bancos de dados, o segundo sobre os fatores de mudanças ambientais que foram responsáveis pelos surtos de zoonoses em municípios brasileiros, e o terceiro é uma análise de risco de ocorrência de zoonoses no Brasil em decorrência das atividades de contato humano-animal (ex. caça).

Volver – Como a sua produção científica tem impactado a sociedade?

Gisele – Minha produção científica é diversa, com assuntos variados, mas sempre na linha de pesquisa da compreensão da biodiversidade e das relações entre organismos e o ambiente que ocupam. Darei três exemplos de impactos reais. O artigo que publiquei com a Dra. Sonia Cechin e meu colega Dr. Thiago Gomes (Unipampa São Gabriel), resultante da minha iniciação científica na UFSM, me foi reportado como sendo o responsável pelas informações que faltavam para avaliar uma espécie de serpente na Argentina que, pelos critérios estabelecidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), foi incluída na Lista Vermelha da fauna ameaçada daquele país. Nós a identificamos como sendo uma espécie bioindicadora de ambientes de campo bem preservados, o que auxilia na avaliação do estado de conservação em áreas de Pampa, por exemplo. O segundo exemplo é o resultado da publicação dos artigos da minha dissertação de mestrado, que realizei no PPG em Biodiversidade Animal da UFSM, que trazem informações biológicas e ecológicas de uma espécie de lagarto, popularmente conhecida como teiú ou tejú (Salvator merianae). Colegas pesquisadores do Brasil (incluindo servidores do ICMBio) e dos EUA me relataram terem sido fundamentais para embasar programas de controle das populações dessa espécie de lagarto, que foi introduzida no arquipélago de Fernando de Noronha e na área dos Everglades, na Flórida. Em ambos os lugares, esses lagartos provocaram desequilíbrios ambientais sérios. O terceiro exemplo é relacionado a um artigo publicado com outros colegas brasileiros (Jayme Prevedello, da UERJ, e Marcelo Weber, da UFSM – campus Palmeira das Missões) e estrangeiros (Liz Nichols, da  Swarthmore College e do Departamento de Estado dos EUA, e Barry Sinervo, da UCLA, Santa Cruz – in memorian), onde demonstramos os efeitos do desflorestamento e do reflorestamento nas temperaturas locais, considerando áreas de 5×5 km², ao redor do mundo, e fizemos uma projeção para a situação no Brasil em 2050, considerando diferentes cenários de desflorestamento e reflorestamento (incluindo o cenário previsto caso o Código Florestal Brasileiro fosse aplicado na sua plenitude). As informações contidas nesse artigo me foram relatadas como fundamentais para embasar programas de reflorestamento de áreas degradadas e a conservação de fragmentos pequenos de floresta em diferentes partes do país. Ainda vai sair uma publicação sobre as interações entre aves e morcegos frugívoros e plantas na Mata Atlântica, com meus colegas Laura Pollock (McGill University, Canadá), João Braga e Wilfried Thuiller (Université Grenoble Alpes, França) e Marc Ohlmann (Université Savoie-Mont Blanc, França), que espero que auxilie na tomada de decisões na recuperação de áreas degradadas do bioma.

Volver – Como você se vê daqui a 10 anos?

Gisele – Como uma pesquisadora apaixonada pelo que faz, e extremamente realizada por poder contribuir com a sociedade de forma eficiente, não apenas pela produção de conhecimento, mas também facilitando o encontro de informações, e auxiliando na formação de outros pesquisadores e técnicos. De preferência, na Fiocruz. Seria fantástico!

Texto: Lucas Zambon

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