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Importunação sexual nas ruas da cidade



A falta de espaço para falar sobre o assunto chama atenção em Frederico Westphalen, interior do Rio Grande do Sul.

Texto: Maria E. B. Leite; Maria L. S. Lima; Willian E. Tomasi; Walter Guerra

Foto: Pexels

“Eu estava voltando da casa de um amigo, a pé, eu morava ali perto da URI, um cara estava vindo na minha direção, a gente ia cruzar o caminho e, no momento que a gente cruzou o caminho, ele me colocou contra a parede e me agarrou. Eu gritei e tentei revidar”. O relato é da mineira Ana Alice, de 19 anos, que se mudou para a cidade) com o intuito de estudar jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no campus de Frederico Westphalen. A situação contada pela jovem aconteceu em agosto de 2021. “Na hora que eu tentei revidar ele saiu correndo e eu saí atrás gritando, corri até o momento que não conseguia mais correr, pessoas que estavam na rua me ajudaram, e então eu liguei para a polícia”. O homem foi preso em flagrante.

Ana Alice é uma das tantas mulheres que passam por situações de assédio e importunação sexual diariamente. A jovem conta ainda que essa situação não foi a única. Ao ser questionada se já passou por outras situações de importunação na rua, Ana Alice responde com tom de cotidiano: “Mais de uma. Estar andando e o carro parar, o homem dentro do carro insinuar alguma coisa, oferecer carona, esse tipo de coisa”. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o Brasil registrou 9.466 casos de assédio e 35.328 casos de importunação sexual nos anos de 2020 e 2021.

Conforme o delegado de Frederico Westphalen, Jackson Boni, no último ano, no período de dezembro de 2021 a dezembro de 2022, ocorreram na cidade 12 registros de crime de importunação sexual, sendo um deles uma prisão em flagrante e os demais registros simples, sem prisão. O delegado explica a diferença entre os crimes de violência sexual. Segundo ele, normalmente o assédio ocorre em âmbito de trabalho, no ato de constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, usando da sua posição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Já a importunação sexual entra no artigo 215 do Código Penal e é definida em situações como praticar contra alguém um ato sexual com o objetivo de satisfazer o próprio desejo.

Delegado Jackson Boni com livro sobre crimes sexuais. Foto: Willian Tomasi

            A legislação que pune o crime de importunação sexual foi criada em 2018 e surgiu por conta de frequentes situações nas quais homens ejacularam em mulheres nos metrôs de São Paulo. Boni fala ainda sobre um outro tipo de situação, que, segundo ele, é comum na região, mas não tem tipificação, ou seja, é uma conduta que não é crime, mas apenas uma contravenção. Trata-se da importunação ofensiva ao pudor. Ela é uma infração penal de menor gravidade, que consiste em praticar contra uma pessoa qualquer ato de ofensa que a constranja.  O delegado continua: “Um cara passar por uma mulher e falar ‘sua gostosa, sua bunda etc.’ de dentro do carro dele não se torna algo libidinoso, se torna uma conduta ofensiva inoportuna. Essa não tem certificação, eu acho um equívoco, ficou essa lacuna”.

A jovem Yasmmin, de 20 anos, diz ter vivido uma situação parecida com a que conta o delegado, quando, durante a tarde, ao andar na rua, percebeu um carro reduzir a velocidade ao seu lado e segui-la, com o motorista perguntando a ela qual era o seu preço, se queria ir para casa com ele, seu nome e o que estava fazendo ali. “Ele foi o caminho inteiro, eu atravessei a rua, ele atravessou também, ficou na contramão, a rua estava vazia, ele estava vendo que eu estava chorando. Ele estava vendo que eu estava super desconfortável e me seguia”, relata. O homem foi embora após perceber que Yasmmin estava falando ao telefone com sua mãe.

Sabendo que ocorrem muitos casos que não chegam aos ouvidos da polícia, por vezes por falta de coragem da vítima em se dirigir até a delegacia e registrar um boletim de ocorrência, o delegado deu algumas orientações de como se proteger de uma situação de importunação ou até de casos mais graves. Ele salienta a atenção que se deve ter a qualquer mínima suspeita, e a importância de se saber os canais de denúncia, como o 190, além de momentaneamente procurar ajuda em algum estabelecimento ou um local seguro para acionar alguém de confiança.  “Ligar para o 190 e buscar um abrigo, ter cuidado quando andar na rua é de fato essencial”, reforça

Importunações sexuais vão além de situações momentâneas como as de Ana Alice e de Yasmmin. “Qualquer coisinha você lembra e fica muito mal. Lembro que nem queria sair de casa por uma semana”, diz Yasmmin. O que aconteceu com a jovem é comum nesses casos em que a vítima sente sensação de impotência diante da violação do seu ser, pode além do desconforto causado, gerar traumas e/ou abalos psicológicos. Segundo Náthaly Zanoni, psicóloga e especialista em psicologia social que atua em Cruz Alta (RS), passar por situações de importunação sexual muda a perspectiva das mulheres sobre o próprio corpo, afetando diretamente a autoestima e o comportamento, como vestir roupas que deseja, ocupar alguns espaços e falar em determinados momentos.

Em uma sociedade não familiarizada com as questões das variadas formas de violência na vida das mulheres, vemos o constrangimento imposto no lugar do acolhimento. A assistência psicológica às pode ser feita no CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) e também em uma delegacia da mulher. Yasmmin ressalta a importância de se ter uma delegacia feminina e com mulheres atendendo. Isso facilita muito e dá um conforto muito maior estar com alguém que vai te entender. “Eu não sei se existe delegacia da mulher aqui, não sei nada sobre, não tem nenhuma política que eu saiba agindo por isso”. Já Ana Alice diz que “foi horrível ligar para a polícia, porque eu tive que contar a mesma história várias e várias vezes, e eu só fui ouvida por uma mulher uma vez”.

Acolher sem julgamentos é imprescindível para que as vítimas se sintam à vontade em seguir ou não para a via judicial. Muitas vezes, as mulheres só querem ser ouvidas, como afirma a advogada Kelly Fernandes, de 39 anos, presidente da Comissão da Mulher Advogada (CMA) de Frederico Westphalen RS. A Comissão existe há sete anos e foi criada com o intuito de dar voz às mulheres advogadas e a luta pela igualdade de gênero, em direitos e oportunidades.

Advogada Kelly Fernandes, presidente da CMA. Foto: Maria Luisa

A presidente da Comissão ressalta que o assunto de importunação, assédio e violência é pouco ou quase nada tratado perante a sociedade, no município:  “Eu acho que em Frederico a gente tem muito que evoluir ainda e não vejo nenhuma política pública vindo disso”. No que se refere à educação nas escolas e, até mesmo, ao mês de combate à violência contra mulher, ela nota que o município deixa a desejar, e que, em anos sendo uma mulher advogada, foi a primeira vez que foi requisitada para tratar de tal assunto em uma reportagem.

A luta pelo direito de viver livre das amarras do machismo que levam a atos violentos e inoportunos deve partir não só de iniciativas individuais e sociais, mas principalmente de quem tem poder na política. “Os homens que estão inseridos na política só fazem leis para eles, os homens vão olhar apenas para os temas deles e tentam melhorar aquele mundo deles, e o nosso mundo ninguém olha, ninguém melhora”, conclui Kelly Fernandes.

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