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Vestindo a revolução



A moda como ferramenta de protesto ao longo da história

Texto: Luiz Sérgio de Lima, Marina Oliveira, Melissa Belarmino e Teresa Valvassore Juvêncio

A estudante de Relações Públicas da Universidade Federal de Santa Maria, campus de Frederico Westphalen (UFSM/FW), Luana Keny dos Santos, tem 20 anos e há cerca de nove meses saiu de São Paulo, capital, para estudar no sul do país. Ela conta que a partir da mudança pôde perceber a moda ainda mais como uma das principais ferramentas de expressão e resistência da população negra. “A moda no Brasil e no mundo, infelizmente, ainda é pautada em padrões brancos, eurocêntricos. Em um país onde mais de 50% da população é composta por pessoas pretas e pardas, demonstrar que a moda pode ser plural, híbrida e que tem espaço para o reconhecimento da minha cultura é o que me impulsiona a continuar manifestando o meu estilo livremente, apesar de toda e qualquer demonstração de estranhamento quanto a isso”.

Luana Keny dos Santos é estudante de Relações Públicas na UFSM/FW e encontra por meio da moda uma maneira de expressar diariamente a sua individualidade. Foto: arquivo pessoal.

Como Luana, muitas pessoas utilizam a moda como forma de expressão, representando, através da vestimenta, seu status social, sua cultura, sua religião e seu posicionamento político. É ela que causa a primeira impressão, podendo ser usada para pertencer a um grupo ou se individualizar.  De monarcas a tribos urbanas, a roupa sempre foi mais do que apenas tecidos para cobrir o corpo.

No século XVII, Maria Antonieta, a rainha guilhotinada, também intitulada a rainha da moda, chocou a todos usando calças que, até então, eram de uso exclusivo dos homens e colocando de lado o uso de corsets de barbatanas, que eram peças indispensáveis para uma dama de seu tempo.

Após receber críticas da corte por não prover um herdeiro ao trono e ser rejeitada por seu marido, Maria Antonieta encontrou na moda uma forma de fazer seu nome e seu legado serem lembrados na história. Através de seus vestidos luxuosos, acessórios coloridos e penteados rocambolescos, achou sua voz para dizer que aquele era, sim, o seu lugar e que não iria recuar.


Kirsten Dunst representando Maria Antonieta em filme de Sofia Coppola (2006). Foto: Âmbar Muebles.

No pós Primeira Guerra Mundial, silhuetas confinadas em pequenos espartilhos e vestidos longos deram lugar à praticidade de peças mais curtas, para que os trabalhos antes destinados aos homens – os quais estavam agora majoritariamente em campos de batalha – fossem realizados com mais facilidade por figuras femininas. Nesse momento, as mulheres também começaram a votar ao redor do mundo e a ocupar outros ambientes sociais além do doméstico.

Mais do que qualquer outro designer do século XX, Gabrielle Bonheur “Coco” Chanel revolucionou e adaptou a moda aos princípios do modernismo, se tornando uma das estilistas mais famosas do mundo. Suas contribuições para a adequação de roupas masculinas em femininas tinham como base a defesa de um sistema de vestir baseado em simplicidade e adaptabilidade.

Yves Saint Laurent, uma das primeiras figuras da alta costura assumidamente homossexual, dedicou muito de sua vida a utilizar a moda como porta-voz das causas LGBTQIA+ e das mulheres. Em 1966, seu ato a favor do conforto feminino foi criar o “Le Smoking”, o terninho feminil que permitiu que as mulheres pudessem trabalhar de calças compridas, mudando o curso da moda e trazendo uma rebelião de androginia e glamour.

Coco Chanel e Yves Saint Laurent. Foto: Vogue.

No Brasil, a moda também foi usada como manifestação política pela designer Zuzu Angel, na década de 1970, após seu filho ser morto pela ditadura militar e considerado desaparecido. Para recuperar o corpo do seu filho, ela usou seu trabalho como estilista para pressionar os governos ditatoriais instaurados a partir de 1964. Zuzu criou uma coleção estampada de manchas de sangue, pássaros pretos engaiolados, armas bélicas e um anjo ferido e amordaçado que representaria seu próprio filho assassinado. As modelos desfilavam com fitas pretas nas golas e nos pulsos, representando o luto.

O desfile-protesto ocorreu no consulado do Brasil em Nova York, para denunciar as práticas de tortura do governo e criticar a ditadura, alçando uma visibilidade mundial para o cenário político que assombrava o Brasil. A localização foi estrategicamente pensada, pois havia uma lei que impedia que brasileiros criticassem o país fora dele. Dessa forma, ela estaria protegida pela lei americana e não poderia ser presa e submetida à tortura. Apesar de não conseguir resgatar o corpo de seu filho, a estilista travou uma guerra sem artilharia, apenas com costuras como suas armas e seu grito por justiça em forma de estampas.

Zuzu Angel e um de seus modelos do desfile protesto. Foto: Memórias da Ditadura.

A moda tem a tendência de se deixar influenciar pelos acontecimentos da época em que se situa, e na década de 1970 não foi diferente. Em um contexto de crises, surgiu o movimento punk, cujo objetivo era protestar contra o capitalismo e seus efeitos, utilizando seu visual para chamar a atenção. Com jaquetas de couro, piercings, cabelos diferenciados, peças personalizadas com rebites, a moda punk refletia a revolta dos jovens com o cenário social em que se encontravam. No Brasil, tais elementos eram combinados com músicas anárquicas para criticar a ditadura militar.

Ainda no movimento de contracultura, estavam os hippies. Sendo antagônicos aos punks, adotavam visuais muito mais cheios de cores, flores e estampas, simbolizando seu famoso slogan “paz e amor”. O movimento hippie fez com que jovens do mundo todo se reunissem para protestar contra a guerra do Vietnã, o sistema capitalista e o consumismo.

O estilo dos punks e dos hippies na contracultura. Foto: Fashion Bubbles.

Posteriormente, surge o Glam Rock, mais baseado na exuberância da moda e na polemização dos conceitos de gênero. Entre cetim, lantejoulas, botas de plataformas e muita maquiagem, o Glam Rock contribuiu com a evolução da moda andrógina. Indo além do feminino e do masculino, o movimento ganhou notabilidade, reverberando até os dias atuais, nos quais muito se fala sobre uma moda sem gênero.

Os anos 1990 chegaram e a moda ainda estava sob influência da década anterior, com uma miscelânea de tendências. Nesse período, o Hip-Hop se popularizou e o processo começou a inverter: a moda passou a sair das ruas para as passarelas.

Francisco Costa, designer à frente da direção criativa da coleção feminina da marca Calvin Klein, afirma que a moda dessa década era usada como uniforme do Trap e do Hip-Hop. “A moda dos anos 90 originou-se de pessoas negras, como Michael Jordan, que hoje é um dos maiores astros pop do mundo. Não é à toa que uma das peças que mais marca a volta da moda anos 90 no mundo, é o tênis Nike Jordan”, disse ele em entrevista para a PUC SP.

Segundo Costa, naquele momento, a moda serviu como forma de protesto no Brasil, com o grupo Racionais MC, representando a população marginalizada, que lutava pelos seus direitos. Dessa forma, a roupa dos rappers virou uniforme de combate à desigualdade.

Com um direcionamento focado na juventude negra, o modo de se vestir da comunidade afrodescendente não era apenas uma maneira de reafirmar as raízes desses jovens, mas mostrar que eles tinham espaço e valor em uma sociedade que sempre tentou inviabilizar suas vozes.

Integrantes do movimento do Hip-Hop e da moda negra. Foto: RedBull.

O início dos anos 2000 foi marcado pelas incertezas ocasionadas pela ideia de início de ciclo e de século, com a colisão entre ideias antigas e novas, tornando essa nova era completamente diferente de qualquer outro momento. O choque de tendências, elementos, subculturas, excessos, visões e comportamentos marcaram a história da moda, chegando, enfim, à atualidade.

Para Letícia Stempczynski, 27 anos, natural de Erechim e proprietária de uma marca de roupas, nunca houve outra possibilidade a não ser ter uma ampla quantidade de estilos e tamanhos. “Acredito que por isso que deu tão certo, pelo fato de eu conseguir trazer roupas que as pessoas conseguem mostrar quem são de fato, se sentirem bem e se sentirem bonitas, independente do gênero e do tamanho”, afirma a empresária.

Letícia Stempczynski é DJ, publicitária e empresária. Para ela, a moda é a forma que encontrou de expressar quem é e, por meio da sua marca, busca incentivar essa identificação nos consumidores. Foto: Mederlens.

O período político e pandêmico vivenciado no momento é, como nos anos 2000, um tempo de dúvidas, hesitações e mudanças. Pouco a pouco, aspectos que antes eram ignorados passam a ter relevância, como a preocupação de uma moda inclusiva, sustentável e igualitária. No presente, pode-se dizer que o protesto está na inovação, no ato de abraçar a diversidade e exercer a liberdade de ser quem é.

 

Fontes históricas:

ANDRADE, Vitória Lorenzoni. A INFLUÊNCIA DA SUBCULTURA PUNK DOS ANOS 1970 NAS COLEÇÕES DE MODA ATUAL. Disponível em: A INFLUÊNCIA DA SUBCULTURA PUNK DOS ANOS 1970 NAS COLEÇÕES DE MODA ATUAL.

BARROS, Patrícia Marcondes. A CONTRACULTURA, O GLAM ROCK E A MODA ANDRÓGINA NOS ANOS 70- 80. Disponível em: A CONTRACULTURA, O GLAM ROCK E A MODA ANDRÓGINA NOS ANOS 70- 80.

CASTRO, Kedna Lima; CASTRO, Jetur Lima; OLIVEIRA, Alessandra Nunes. A moda como objeto de informação: o caso do Movimento Feminista Punk Riot Grrrl. Disponível em: A moda como objeto de informação: o caso do Movimento Feminista Punk Riot Grrrl.

Coco Chanel: Modernismo. Google Arts and culture. Disponível em: Coco Chanel: Modernismo — Google Arts & Culture.

Fresh Dressed. Direção: Sacha Jenkins. Produção: Marcus A. Clarke. Mass Appeal, 2015.

PICARDIE, Justine. Coco Chanel: A vida e a lenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira –  Casa dos Livros, 2011.

ROUX, Edmond. A era Chanel. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

 

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