Em especial para Dona Patrícia (afinal, filha de Patrícia… patricinha é).
Por: Teresa Vitória
Teresices – 2/12
Muita gente diz que a nossa geração é uma pataquada. Que temos vontades que ninguém nunca teve antes (tipo ficar vendo TikTok deitada na cama, o que para mim é necessidade básica), doenças que ninguém nomeava (como FOMO e depressão) e vícios novos (como o pod, esse diabo da frutinha congelada – é bom, né, gente?). Mas não vou entrar nesses méritos. Quero falar da geração Lilica Ripilica, como eu autointitulei a nossa geração de garotas que cresceram nos anos 2000.
Por causa das nossas mães que só nos vestiam de Lilica Ripilica, com mochila e lancheira da Barbie combinando, tinha o CD da Kelly Key e assistia Meninas Superpoderosas no Cartoon Network enquanto tentava pegar o chaveiro da Hello Kitty dentro do salgadinho com um Kapo de morango na mão. E agora, patricinhas crescidas, como é saber que seu medo de engravidar na adolescência não é mais real, porque vocês não estão mais na adolescência, hein manas?
Hoje eu vim falar com vocês! E com a geração de mães que criou essas divas que agora estão tatuadas, com preenchimento labial (eu que o diga), estudando fora, conhecendo o mundo. E a saudade? Aquela vontade de ver Sessão da Tarde com pipoca e um musical bem anos 2000 no colo da mamãe… já tá batendo?
Se tem uma coisa que minha mãe amava fazer comigo, além de me arrumar como uma bonequinha, ver sessão da tarde e “bater perna” (uma desculpa safada que ela usava pra gastar dinheiro com mais roupas e adereços pra mim, coisa que eu amava, tá?), era me mostrar fotos da juventude dela. E olha, gente, ela viveu!
Quando eu digo que viveu, esse “viveu” é dançar em gaiolas em noites mexicanas regadas a tequila nos anos 90, conhecer os Mamonas Assassinas e fazer after com eles (tem foto e tudo, tá, manas?) trocar o Fábio Assunção numa boate de SP (sim, ele mesmo!) em plena fase Rei do Gado por outro bofe (já sabemos de onde vem meu péssimo gosto para homens) e terminar a noite (ou começar a manhã) num velório, de roupa de balada, com minha avó querendo comer o fígado dela! (Aliás, minha avó deve querer comer é o meu fígado lá do céu por eu estar expondo isso com minha boca de sacola pras minhas 3 leitoras.)
Voltando às fabulosas aventuras de Dona Patrícia: ela sempre disse que gostava de “biscatear”, e isso nunca foi depreciativo. Ela amava viver. Amava viajar, beber, usar minissaias, sair com homens que davam presentes caríssimos (que ela guarda até hoje, e me conta a história de cada um, aliás). Mas, um dia, isso tudo acabou.
Não sei se foi porque ela conheceu meu pai e engravidou (de mim). Só sei que as noites viradas vivendo viraram noites em claro cuidando de mim. A música e as risadas do apê em Campinas com as amigas deram lugar à voz do meu avô no telefone dizendo que ela teria que largar a faculdade porque ele não podia bancar um filho na medicina e uma filha fazendo turismo. (Anos 90, né? Melhor um filho médico do que uma filha que “uma hora tá aqui, outra hora tá lá”.)
Os homens babadeiros ficaram de lado diante da maior ânsia que ela tinha (e ainda tem, acho) de consertar o meu pai. Ela escolheu um homem quebrado por dentro, na esperança de ajudá-lo, de salvá-lo. E eu vi minha mãe fazer isso a vida inteira, com ele, com todo mundo à sua volta, e até comigo.
(Às vezes penso que, se não fosse por mim, Teresa, ela poderia estar vivendo tudo aquilo. E isso me dói tanto.)
Acho que toda mãe se doa pelos filhos. Elas só faltam tirar pedaços delas pra colocar na gente. Literalmente, se isso fosse necessário, elas o fariam sem hesitar. Minha mãe sempre disse que sua boneca favorita quando criança se chamava Teresa, por isso o meu nome, e esse meu jeitinho mimado de uma garotinha de apenas 25 anos. Sim, eu admito que vocês estão certos, eu sou mimada (e olha que melhorei muito!). Mas fui criada para isso. Criada para ter todos os meus sonhos servidos em uma bandeja de prata, pra que eles não fossem só sonhos, como os dela, que ficaram no etéreo. Já os meus sempre foram uma wishlist de carrinho da Shein, sabe? Só desejos que vou realizando um a um, dando check, porque, graças à minha mãe, ela sempre os tornou possíveis e reais.
(Às vezes até me toma o pensamento que ela desistiu dos sonhos dela pra eu poder realizar os meus.)
E eu vejo isso em toda a nossa geração. Posso estar falando de um lugar completamente errado e privilegiado, sim, mas é o que vejo. Cada amiga que largou tudo para seguir seu sonho, ou sua carreira ou qualquer outra coisa que a gente inventa, cada uma que decidiu cair no mundo… tem uma figura feminina forte por trás. Uma mulher que abriu mão de algo pra essa menina estar fazendo isso agora, seja escrevendo uma coluna na internet, curando pessoas, cuidando de animais, ensinando crianças. (Tá, minha profissão pareceu uma merda perto dessas que citei, né? Mas ok, vambora…)
Essas mulheres nos prepararam. As Lilicas Ripilicas que assistiam desenho no intervalo entre a escola e o balé, tomando Kapo, estão vivendo seus sonhos porque alguém pavimentou esse caminho e construiu essa identidade nelas. E foi uma mulher! Independente de ser mãe ou não.
Minha mãe nunca passou necessidade, mas as “Barbies profissões” que ela tinha ficaram só pra brincar mesmo. Quando chegou a vez dela ser “o que quisesse ser”, como diz o slogan da própria Barbie, ela não pôde. Mas ela abriu todos os caminhos possíveis pra que eu pudesse escolher. E eu a amo tanto por isso e queria tanto agradecê-la… (apesar de quase nunca devolver os Pix que ela me faz durante a semana quando tô lisa).
Você que tá lendo isso: saiba que sua mãe abriu mão de muita coisa por você. E mães, se estiverem lendo: a gente sabe. Não agradece o suficiente, mas sabe. E essa consciência é feita de gratidão, e de um certo luto. Porque sabemos que talvez algum sonho seu teve que morrer pro nosso poder viver, e queremos fazer jus a isso.
Minha mãe sempre cultivou em mim uma cultura de autoestima: o sentimento de que eu era “demais”, pra que eu nunca me sentisse “de menos”. Ela me inscrevia em concursos, e eu sempre ganhava. Não por ser a mais bonita (a mais bem vestida eu era, sim, mérito total dela!), mas por ser a mais confiante. E você, com certeza, tem alguém que te encorajou, seja na escola, nos esportes, em qualquer hobby que hoje se tornou parte da sua personalidade. Alguém que viu você. Que torceu por você mais alto que qualquer crítica ou vaia do mundo.
Fui tão envolvida no meu mundo cor-de-rosa criado pela minha mãe para me proteger, que só depois de adulta entendi: o mundo não é cor-de-rosa, as pessoas não são só boas, e quase nada sai como o planejado. Às vezes nosso pai não tem salvação, e às vezes você tem, sim, que levar o casaco antes de sair, porque se resfriar não vai ter mamãe pra fazer sopa. A verdade é: a gente cresce, mas no fundo segue sendo aquela menininha que precisa de colo e do urso de pelúcia.
Essas mulheres, nossas mães, nos deram o que elas queriam ter tido. Agora, enquanto escrevo esse Teresices, tô ouvindo Slipping Through My Fingers, do musical Mamma Mia (história de mãe e filha que a minha mãe sempre quis ver comigo, e eu nunca quis porque odeio musicais). Mas, quando assisti, percebi que a história sempre foi mais da Donna (a mãe) do que da Sophie (a filha). Sophie só vive aquilo porque a mãe, Donna (tentando não dar spoiler), abriu mão de algo que amava pela maternidade. Mas teve uma vida cheia de lembranças para se orgulhar e lembrar com carinho da época em que era livre, cheia de viagens, festas e músicas do ABBA. Minha mãe queria isso pra mim, não necessariamente a mesma vida, mas a liberdade de ter escolhas. Que pudesse escolher viver isso e depois, assim como a Sophie, escolher aquietar a bunda em casa. Ela me deu essa escolha que ela não teve, de mão beijada, numa bandeja de prata. E é por isso que um pedaço dela vive em mim.
Quando dizem que sou uma patricinha, pois é, sou mesmo, incorrigivelmente. Não porque sou mimada, criada à base de Lilica Ripilica e Melissa no pé. Mas porque tenho muito orgulho de ser filha da minha mãe, Dona Patrícia. Ou poderia ser a Dona Cris, Luciana, Micheli ou Tatyana (sim, estou citando as mães das minhas amigas, porque elas também deram isso a suas filhas).
A geração das nossas mães ainda precisava cumprir as expectativas que a sociedade colocou sobre elas. Mas foram as últimas. A nossa, graças a elas, veio pra cumprir as próprias. E esse é um dos maiores legados que elas nos deixaram.
O título desse texto é para as mulheres que nos criaram. Porque foram elas que nos moldaram, que nos construíram. Independentemente de quem tenha sido essa mulher na sua vida, mãe biológica ou não, avó, tia, madrasta, professora, ela te deu um pedaço de si, talvez tudo de si, pra você ser essa mulher completa hoje.
Beijinhos,
Tere.