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Por amor atravessei o oceano (e fiquei)



Por: Vanessa Carvalho

Segundo dados da OBMigra em 2022, de 2011 a 2022, o Brasil passou a abrigar cerca de 1,5 milhão de imigrantes oriundos de diversas partes do mundo e com objetivos diferentes. Em 2024, ainda segundo a OBMigra e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o país acolheu 194.331 novos imigrantes, sendo os oriundos da Venezuela a principal nacionalidade.

No censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, os números eram 268,5 mil pessoas que haviam desembarcado no Brasil, em comparação com os anos 2000. Alguns vieram como refugiados, a trabalho, estudos. E outros, por causa de um alguém especial.

À época do censo do IBGE de 2010, mais exatamente em 2015, conversei com o espanhol, militar aposentado, Carlos Sánchez em Imperatriz no Maranhão. No portão de sua casa e bem sorridente, Carlos me aguardava para contar o motivo que o fez emigrar de sua terra natal, Salamanca, na Espanha, atravessar o oceano pela primeira vez e vir ao Brasil. Com a fala ainda carregada de um hispano-falante recém-chegado em solo brasileiro, revelou que veio por um motivo especial, o amor pela professora Erismar Nascimento (também chamada de Iris).

O casal se conheceu ainda na Espanha, quando Iris estava na condição de imigrante em Salamanca, em 2007.  Ao retornar ao Brasil, Carlos e Iris mantiveram contato pela internet e telefone até se reencontrarem em 2008 em Salvador, na Bahia. Foi a primeira de muitas vezes que Carlos iria atravessar o Atlântico para rever sua amada, com voos Salamanca/Imperatriz frequentes, a cada três meses exatos. “Acho que foram umas 15 viagens. Fiz mais viagens que Colombo!”, conta Sánchez, sorrindo. O fim dessa saga chegou em 2012, com o casamento de Iris e Carlos.

 

Agora o imigrante seria Carlos no Brasil. Trouxe em sua mala seus objetos pessoais e seus equipamentos de artes marciais. Além da adaptação ao português, teve que se adaptar ao clima e à culinária local, que, por sinal, só não aprovava os pratos que tinham verduras.

Concluiu a entrevista dizendo que, desde o início, preferiu não se concentrar nos problemas da cidade e nas diferenças culturais. Disse que sente saudades da Espanha e a visita pelo menos duas vezes ao ano, mas se adaptou a Imperatriz porque é onde Iris, a esposa, está.

Casal de virginianos, Carlos e Iris decidiram ficar juntos depois de uma história à distância.

 

Cabe uma vida em uma década

 

Como um deja-vú, Carlos e Iris me recebem novamente sorridentes à sua casa. Desta vez, em 2025, conversamos por videochamada. Eles, no Maranhão, e eu, no Espírito Santo. Revisito-os para saber o que coube neste espaço temporal de uma década desde a última vez (e primeira entrevista) em que nos vimos.

Ainda atuando como professora do município, Iris Nascimento, e como militar aposentado, Carlos Sanchéz. Desta vez descubro uma informação no mínimo curiosa. Ambos aniversariantes do mês de setembro, um do dia 6, e outro, do dia 12 – portanto, virginianos, para quem acredita em astrologia. Mais uma coisa em comum entre os dois, que compartilham muitas coisas e gostos juntos.

Cabe uma vida em uma década, mas algumas coisas permanecem as mesmas. Carlos, como espanhol, continua com a fala confirmando suas origens. A luta contra as verduras na comida, o calor e as muriçocas em Imperatriz continua a mesma, porém um pouco melhores, agora já amenizadas.

Comento sobre a adaptação à língua, e Carlos diz: “Eu cheguei já muito velho para aprender a falar português correto”. E Iris completa: “Ele disse que se sente mal porque ele já mora no Brasil há tanto tempo, e às vezes ele chega no lugar para fazer alguma coisa, para resolver alguma coisa, e as pessoas não entendem ele. Mas eu disse para ele que as pessoas entendem. O problema é porque ele fala muito rápido”. A entrevista inclusive foi conduzida nos dois idiomas, português e espanhol.

Sobre as muriçocas e o calor, coisas que mais o incomodaram ao chegar ao Brasil, Carlos comenta que seus aliados são o repelente, inseticida e as centrais de ar condicionado, mas enfrenta o calor quando precisa. “Mas eu gosto de estar aqui porque ‘lo que realmente me asegura en Brasil é a Iris’. Então, eu tenho calor, tenho frio, a comida não gosto, deixo de gostar. Eu estou com minha esposa, que é com quem gosto de ficar”.

 

A vontade de estar juntos se traduz em o amor também estar lá durante essa década de intervalo. Talvez até mais acentuado ou forte. Com certeza, é inegável sua existência. Gostam de compartilhar a vida juntos. Tomar café, passear no shopping, dançar e principalmente viajar. As visitas à Espanha ainda acontecem pelo menos duas ou três vezes ao ano. Períodos mais breves, suficientes apenas para visitar a família e resolver assuntos corriqueiros. Tão logo, retorna para junto de sua amada.

A situação só mudou durante a pandemia. Carlos, que estava viajando à Espanha no dia 8 de março de 2020, ficou impedido de voltar para casa até dia 15 de agosto de 2020. “Aí foi ruim demais. Aí a única distância e tempo que nos machucou bastante. Porque eu viajei para Espanha justamente no dia 8 de março de 2020. E não pude voltar para o Brasil até o mês de agosto, 15 de agosto mais ou menos. Ficamos aí como 6 meses separados. (…) Durante os 18 anos em que nós estamos juntos, o tempo da pandemia, uma vez casados, foi o tempo mais de separação entre os dois”, comentou Carlos.

Uma das atividades que mais gostam de fazer juntos é viajar pelo Brasil e mundo.

 

Eu quero partilhar a vida boa com você

 

            Rubel e Anavitoria  já diziam, na música Partilhar, sobre enfrentar os mais diferentes obstáculos para se juntar ao outro porque a vida é boa assim e completam com “eu quero partilhar a vida boa com você”. Na convivência com outros, é importante assimilar os aprendizados, qualidades e conselhos para que seja harmônica e funcione.

Conversamos sobre os aprendizados, a admiração que sentem um pelo outro, conselhos amorosos e como eles definiriam o amor. As respostas afiadas e carregadas de sinceridade revelam que, apesar de não haver uma fórmula pronta, é possível fazer dar certo. A comunicadora Elisama Santos fala sobre: “Não é o amor que sustenta um relacionamento. É o modo de se relacionar que sustenta o amor”.

Sobre admirações, Carlos conta que gosta de como Iris conduz a vida de maneira ética e a profissional que é, buscando soluções e apoiando os outros. “Eu acho que ela é a pessoa mais ética e mais confortável que eu achei na vida. Por isso estou com ela”. A recíproca se faz verdadeira, com Iris contando como, dentre tantas qualidades, diz que gosta de como Carlos é “uma pessoa de um coração muito bonito. Ele é uma pessoa muito boa, muito generosa, muito carinhosa comigo e com todos da minha família. (…) É uma pessoa cuidadosa, uma pessoa que chegou na família e soube conquistar todo mundo. Então ele tem esse lado humano de tratar bem todo mundo. E ele sempre me coloca em primeiro lugar. Tudo dele eu estou em primeiro lugar, então isso me cativou muito. Para mim, ele é a melhor pessoa do mundo que eu já conheci até hoje. Não tem outro.”

De aprendizados, além do português e a adaptação cultural, Carlos conta que aprendeu a viver e conviver juntos, sem brigar. Sabendo falar, escutar e se entender em um ponto comum. Mesmo em tempos extremos como durante a pandemia, nunca brigaram. Aqui vale a máxima de se colocar no lugar do outro, a empatia. Para Iris, o que mais aprendeu com Carlos foi sobre a união entre os dois, sobre companheirismo e saber compartilhar. “O bom e o ruim é por dois. E isso eu aprendi com ele.”

            Ainda sobre aprendizados, pergunto sobre conselhos amorosos que eles dariam a outros casais sobre coisas que aprenderam com seus relacionamentos. Os dois concordam que, além do elemento essencial do amor, é preciso respeito, carinho, e espaço como sinal de confiança. E nada de ciúmes.

 

Em espanhol, Carlos fala sobre sentir empatia com sua parceira. “Y siempre colocarse en el lugar de la otra persona para no machucar a ella y sentirse en su lugar, ¿cómo me sentiría yo ahí? No sé si dio para entender. ¿Eh? Lo llama empatía. Empatía, saber cómo se siente la otra persona cuando vos se facea. Si yo hago una cosa que va a machucar a ella, está errado. Pero si yo hago una cosa que va a ayudar a ella, está perfecto.”

Tradução: E sempre se colocar no lugar da outra pessoa para não a machucar e sentir-se no lugar dela, “como eu me sentiria lá?”. Não sei se deu para entender. Hã? Isso se chama empatia. Empatia é saber como a outra pessoa se sente quando você faz algo. Se eu faço uma coisa que vai machucá-la, está errado. Mas se eu faço uma coisa que vai ajudá-la, está perfeito.

Quando o assunto é talvez uma das perguntas mais complicadas, “como definir o amor?”, Carlos me conta ainda em espanhol que, para ele, “el amor es aplacar la ansiedad por estar con alguien”. O amor é aplacar a ansiedade de estar com alguém. Sentir vontade de estar com quem se quer estar, de quem se ama. Além disso, saber dar o que se quer receber no relacionamento.

Ele comenta sobre o amor ser como uma planta que precisa de cuidados diários. “Planta que no riega, seca. Y amor, es una planta que tiene que regar, regar. Que tienen que cuidar de ese amor. Son pequeñas cosas. Las tienen que ver. No sé, eh compartir un sorbete con tu con tu parcero, con cariño. Es parte de ese amor compartir, de saber que esa persona piensa en vos de él. Salir con él, cuidar de él cuando está doente.” Tradução: Planta que não se rega, seca. E amor, é uma planta que tem que regar, regar. Que tem que cuidar desse amor. São pequenas coisas. Não sei, compartilhar um sorvete com seu parceiro. É parte desse amor compartilhar, de saber que essa pessoa pensa em você, de ele sair com você, cuidar dele quando está doente. E Iris completa que Carlos cumpre bem a função de cuidar da “plantinha do amor” dos dois, todos os dias com elogios e cuidados com ela. “É bom a gente compartilhar a vida da gente com alguém com quem a gente se sente amada, se sente segura, se sente protegida. É muito bom. Cada dia a gente quer estar mais perto da pessoa. É assim que acontece”.

            Por fim, Carlos concluiu a entrevista dizendo que foi atrevido. Atrevido por vir de malas prontas ao Brasil por amor a Iris. Seus familiares e amigos na Espanha não conseguiam acreditar na empreitada que ele estava prestes a fazer, mas ainda assim não conseguiram desanimá-lo. O amor falou mais alto. “Eles me falaram assim: ‘Ei, você vai para o Brasil? Você vai ter problemas sérios. Essa mulher vai tirar tudo de você. Vai pegar tudo o que você tem’. Eu vim para o Brasil e estava certo. Ela tirou tudo o que tinha. La pena, la angustia, a saudade, a solidão.”

            Nos despedimos, e ficamos com a possibilidade de encontrarmos e continuar a conversa talvez antes de outros 10 anos mais. Cabe uma vida inteira em uma década, e a vida é boa com alguém.

 

Para ouvir: Rubel, Anavitoria – Partilhar | Diana – Canção dos namorados | Mochi y Alexandra – Hasta el fin

 

A parede da casa de Carlos e Iris guardam recordações de Salamanca na Espanha e fotos do casal.
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