O desmatamento no bioma Pampa representa uma preocupação ambiental significativa, impulsionado pela conversão de áreas de vegetação nativa em lavouras e pastagens. Embora um relatório recente, realizado pela MapBiomas, tenha apontado uma redução de 42% no desmatamento do Pampa em 2024, a perda contínua de cobertura vegetal reflete a expansão constante da agricultura, especialmente do cultivo de grãos. Os cenários atuais em todos os biomas preocupam, ainda mais com as possibilidades de retrocessos na legislação de proteção ambiental no Brasil.
Esse é o caso da discussão sobre a flexibilização das regras de licenciamento ambiental que ganhou força com a tramitação de uma ampla reforma na legislação. A proposta, aprovada na Câmara dos Deputados em 2021 e no Senado em meados de 2025, criava um arcabouço legal que, segundo críticos, poderia facilitar a poluição descontrolada, aumentar o risco de tragédias como a de Brumadinho e intensificar a crise hídrica e o desmatamento. Desde sua aprovação inicial na Câmara, o projeto passou a ser visto por pesquisadores, pelo Ministério Público Federal e por organizações da sociedade civil como o maior retrocesso ambiental das últimas décadas no Brasil. Pela gravidade dos possíveis impactos, ganhou apelidos como “PL da Devastação” e “mãe de todas as boiadas”.
O “PL da Devastação” reflete o interesse econômico de setores que contrariam o Artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado como um “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. O texto constitucional impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. “Pode ser considerado o maior ataque à legislação ambiental brasileira”, afirma André Trigueiro, jornalista da Globo News, em um vídeo divulgado em seu perfil no Instagram.
Na prática, o PL da Devastação poderia abrir caminho para a “passagem da boiada” em áreas de preservação. Dos 31 deputados federais do Rio Grande do Sul, 21 votaram a favor do Projeto de Lei 2.159/2021. Mesmo após testemunharem e sentirem na pele as consequências da degradação da vegetação nativa, como nas enchentes de 2024, o que evidencia a contínua priorização de interesses econômicos em detrimento do meio ambiente por parte de seus apoiadores.
Mobilização nas ruas e redes pressionam pelo veto presidencial

O ativismo ambiental mobiliza ruas e redes. Nos últimos meses, centenas de organizações e movimentos sociais e ambientais têm realizado manifestações em diversas cidades do país contra o PL da Devastação. Em São Paulo, o ato ocorrido na Avenida Paulista, no dia 13, contou com o apoio de 80 dessas entidades.
As mobilizações tiveram como objetivo pressionar os deputados a rejeitarem a proposta e também o presidente da República. A expressão “mãe de todas as boiadas” tornou-se um símbolo dessa luta, em referência à fala do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em 2020 sugeriu aproveitar que a atenção da mídia tinha foco na pandemia de Covid-19 para “passar a boiada” nas regras ambientais, no momento em que as pessoas estavam fragilizadas e preocupadas com a doença que se alastrava no país.
Além das manifestações presenciais, as organizações lançaram o site PL da Devastação para ampliar a pressão sobre os congressistas. Para o site de notícias “Agência Brasil”, o arquiteto urbanista, ativista e porta-voz da Rede Sustentabilidade em São Paulo, Marco Martins, alerta que o projeto antes dos vetos, “desestrutura completamente o licenciamento ambiental no Brasil”.
Nas ruas de Curitiba, com cartazes e palavras de ordem, manifestantes exigiram o veto integral ao PL pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, unificando o grito nacional: “Veta tudo, Lula!”. O protesto realizado em 02 de agosto reuniu ambientalistas, movimentos sociais, trabalhadores e estudantes, encerrando com performances simbólicas, como a queima de uma bandeira dos Estados Unidos, em crítica à submissão de interesses ambientais a pressões econômicas internacionais.
Presidente veta pontos-chave, mas governo edita MP
Enfim, em 8 de agosto de 2025, o presidente Lula sancionou o projeto com vetos considerados estratégicos. Dos quase 400 dispositivos aprovados pelo Legislativo, 63 foram vetados, impedindo a implementação da licença automática (o chamado “autolicenciamento”), reforçando a proteção de áreas mais sensíveis e garantindo a exigência de estudos de impacto ambiental para projetos prioritários. Conforme a ministra Marina Silva, os vetos também foram essenciais para defender direitos de povos tradicionais e originários, que ficariam privados de serem ouvidos.
O veto presidencial também manteve a possibilidade de impor condicionantes para impactos indiretos, preservou a análise técnica obrigatória em Unidades de Conservação e impediu que produtores rurais com Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente fossem dispensados do licenciamento. Um dos vetos mais importantes foi à criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) no formato monofásico, o “autolicenciamento”, no qual o próprio empreendedor se declararia em conformidade com a lei.
No entanto, no mesmo dia, o governo publicou a Medida Provisória (MP) 1.308/2025, que institui a mesma LAC, mas em um formato distinto. A nova versão não prevê a análise em fase única, mas ainda permite acelerar a autorização para obras e empreendimentos considerados estratégicos pelo Executivo. Embora já esteja em vigor, a MP é vista com ressalvas por ambientalistas.
Toda essa discussão tem muitos interesses econômicos em jogo. E o cenário ainda é incerto, pois há uma forte pressão de setores poderosos para a derrubada dos vetos de Lula, especialmente da bancada ruralista e de outros parlamentares que querem maior autonomia a estados e municípios. Um dos alvos principais é o veto que impediu a transferência irrestrita da competência para definir critérios de licenciamento aos entes federativos, com senadores argumentando que a manutenção do veto fere o pacto federativo. A derrubada deste e de outros vetos restauraria a versão original e mais controversa do projeto, intensificando a probabilidade de judicialização. Para derrubar um veto presidencial, é necessária a maioria absoluta dos votos em ambas as Casas.
Assim, da mesma forma que a mobilização da sociedade civil foi fundamental para garantir os vetos aos piores retrocessos, o tema agora segue para uma nova rodada de embates, debates e ativismo, definindo o futuro da proteção ambiental no Brasil.
Por Raquel Teixeira Pereira | Bolsista PET Educom Clima
Fontes:
https://www.camara.leg.br/noticias/1186832-lula-sanciona-novo-licenciamento-ambiental-com-63-vetos/