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O espaço também é deles

Pesquisa da Geografia aborda como pessoas orientadas para o mesmo sexo ocupam os espaços públicos e privados na sociedade



Confira esta matéria completa na versão digital da 6ª edição da revista Arco, disponível neste link.

Espaços públicos são territórios de encontros e manifestações, coletivas e individuais. Mas alguém pode decidir quem ocupa cada espaço?

Durante anos, boa parte da comunidade LGBT, formada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, manteve-se “dentro do armário”, ou seja, evitou se expor publicamente, já que sua orientação sexual costumava ser motivo de rejeição. Aos poucos, eles passaram a ocupar pequenos territórios públicos, como praças e parques, onde podiam se encontrar e expressar sua sexualidade. No entanto, esses espaços não eram ocupados durante muito tempo, seja por repressões preconceituosas ou desinteresse da própria comunidade em permanecer frequentando esses locais. Além desses espaços, começaram a ser construídos locais de comércio e prestação de serviços, como boates, casas noturnas e saunas. Neles existe a possibilidade das trocas afetivas serem realizadas, como beijos e abraços, além de gerar lucros aos comerciantes. As táticas de ocupação e trocas homoafetivas, em espaços públicos e privados, são estudadas desde o início dos anos 2000 pelo professor Benhur Pinós da Costa, do Departamento de Geociências da UFSM.

O primeiro passo dos seus estudos foi dado na dissertação de mestrado, que se seguiu na tese de doutorado quando Benhur investigou sobre os espaços ocupados pela comunidade LGBT em Porto Alegre, sua cidade natal. O foco da pesquisa é dado para as relações entre as pessoas e os espaços públicos da sociedade, buscando identificar e divulgar as diversidades culturais e sexuais invisibilizadas.

Segundo Benhur, os estudos sobre diversidade sexual costumam estar centrados nas grandes cidades e na vida metropolitana. Em Porto Alegre, além dos locais privados de encontro e consumo, lugares públicos, como a Praça da Alfândega e o Parque da Redenção, são frequentados pela comunidade LGBT e ocupados através de táticas próprias, muitas vezes não perceptíveis aos demais. “Embora seja na perspectiva da grande cidade, naquela época foi um trabalho muito inovador no âmbito da Geografia, visto que as pesquisas sobre o tema ainda eram poucas no Brasil” – diz Benhur.

CIDADES DO INTERIOR

Surgiu, então, a curiosidade de estudar os espaços de convivência homoafetivas em cidades brasileiras de médio porte. O professor desenvolve, atualmente, pesquisa sobre o cotidiano de homossexuais em cidades do interior do Brasil. O pesquisador selecionou cinco cidades, representantes de cada região do país: Santa Maria (RS), Presidente Prudente (SP), Vitória da Conquista (BA), Santarém (AM) e Dourados (MS).

As cidades escolhidas seguiram padrão de tamanho – médio e pequeno porte – e deveriam ser distantes da metrópole. Devido ao difícil acesso a sujeitos que colaborassem com a pesquisa, a seleção das cidades pesquisadas sofreu diversas mudanças. Os grupos entrevistados não seguiram padrões, já que gays, lésbicas, travestis, jovens e adultos, dividiram o mesmo espaço de convivência. Para Benhur, qualquer delimitação seria um impeditivo na formação dos grupos de conversa.

Quando se mudou para Santa Maria, em 2010, Benhur iniciou o projeto “Cidades, espaço público e diversidades culturais no interior do estado do Rio Grande do Sul”. A diferença para a pesquisa ocorrida em Porto Alegre foi a proposta de olhar a cidade pequena como local possível para a convivência LGBT, diferentemente da maioria dos estudos atuais da geografia, que focam apenas na metrópole.

“A cidade grande é um espaço de libertação, mas os grupos estão separados. A travesti está no seu lugar, o homem gay está no seu e a lésbica no seu. A cidade grande fixa o lugar da comunidade LGBT. Na cidade pequena, o gay está no mesmo lugar que a travesti, que a prostituta e, possivelmente, que um heterossexual.”

Benhur também trabalhou com os espaços que sujeitos orientados para o mesmo sexo ocupam em sete cidades do interior do Rio Grande do Sul: Santa Maria, Alegrete, Itaqui, Santo Ângelo, Cruz Alta, Uruguaiana e Bagé. Através do contato com lideranças locais do movimento LGBT, foi possível chegar a cada uma dessas cidades e realizar grupos de entrevista e espaço para trocas de experiências entre as entrevistadas e os entrevistados.

Os locais para convivência LGBT ainda são poucos. Os pontos de encontro, como bares e boates, são frequentados pela comunidade LGBT e por heterossexuais de todas as classes sociais. Apesar disso, o mercado também reproduz segmentações e preconceitos. Para o pesquisador, as barreiras criadas quanto à classe social e à raça dos frequentadores foram visíveis no decorrer da pesquisa e criam discriminações dentro do mundo LGBT.

O estudante da UFSM Jean Moralles é natural de Itaqui e veio para Santa Maria estudar Artes Cênicas em 2012. Para ele, a nova cidade proporcionou um processo de descobrimento e libertação, já que em Santa Maria passou a expressar sua homossexualidade, através da roupa e do teatro. Ele comenta que em Itaqui existe uma homossexualidade velada, onde o gay ainda deve se comportar e se vestir como hétero. “O que mais me assusta no interior é a consciência do homossexual sobre si, pois eles acham que eles estão errados em certas situações de preconceito, e que não devem usar algumas roupas ou se manifestar publicamente.”

Entretanto, para Jean, já há um processo de maior aceitação em sua cidade, quando comparado com gerações de homossexuais mais velhos. Os pequenos debates sobre o ensino de gênero na escola e a ocupação de espaços públicos por gays, lésbicas, bissexuais e transexuais iniciam um movimento para que a comunidade LGBT não precise restringir os encontros apenas aos grupos de teatro, na casa de amigos ou na rua à noite.

Segundo Benhur, as cidades de grande porte tendem a ser mais abordadas em pesquisas, devido ao frequente trânsito de pessoas e à criação de possibilidades de espaços de convivência. Porém, as cidades de médio e pequeno porte ainda são vistas como locais regrados, que seguem padrões de como agir e vestir, e merecem mais atenção de pesquisas de todas áreas do conhecimento.

Reportagem: Andressa Foggiato

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