Por: Teresa Vitória

Teresices – 4/12

No último Teresices, falei sobre os homens, pelo menos alguns deles. Agora, para ser justa, resolvi vir aqui colocar o meu na reta. Afinal, meu trabalho aqui é ser sincera, e a inimiga do certo (e às vezes até de mim mesma). Hoje eu vim falar de nós, mulheres (algumas), pelo menos: as “mulheres-fantasia”. Existe um termo pra elas também em inglês chamado maniac pixie dream girl, mas além de achar esse termo com muitas palavras pra um significado meio fraco, me recuso a ficar pagando pau pra gringo (Na minha coluna que eu escrevo, aqui não).
E antes de eu explicar, quero dizer que existe um objetivo em comum entre essas mulheres e este texto aqui, que é: tornar coisas difíceis de engolir em coisas engraçadinhas (eu sou uma delas). Porque, assim como experimentar essas mulheres é como levar um soco bem dado que parece um beijo com lambida no cangote, me entender é como tomar um porre com gostinho de cereja. E quero mais.
Acho que provavelmente você já ouviu falar no nome Penny Lane, mas, caso não saiba, é uma música dos Beatles de 1967 que, retirado de forma safada do site menos confiável do mundo, a Wikipédia (baita jornalista), se refere a uma rua em Liverpool em que a letra fala sobre como essa rua é uma memória marcante na vida dos Beatles.
Penny Lane é também o nome de uma personagem interpretada por Kate Hudson no filme Quase Famosos de 2000, indicado ao Oscar (e que eu covardemente ainda não havia assistido até pouco tempo). O filme é sobre um jornalista (na minha opinião um moleque meio otário, mas genial), fazendo uma matéria para a revista Rolling Stone sobre uma banda de rock dos anos 1970. Mas o que rouba a atenção do telespectador é a personagem Penny Lane, com seus cachos dourados e casaco de pelo, a líder das band-aids, como se autointitulam as garotas que acompanham a banda, vivendo o máximo da vida dos anos 1970, movidas por sexo, drogas e rock and roll (mas na ordem contrária, porque o mais importante é música, como diz Penny). Se eu fosse um homem tentando te explicar de forma boboca (sim, eu amo essa palavra), poderia dizer então que ela não passava da amante do guitarrista, o que seria uma tremenda sacanagem, porque ela é muito mais que isso. Ela é a alma e o coração do filme, mesmo não sendo a personagem principal.

Penny Lane rouba a cena. Com sua presença quase que sedativa, parece que as drogas que ela usa no filme batem, na verdade, é em você. E você fica encantado com ela. E o mais triste disso é que ela não existe nem dentro da própria ficção. Ela é uma personagem dentro da própria personagem, tanto que até o final do filme a gente nem sabe o verdadeiro nome dela.
Em um momento, é dito por uma de suas colegas band-aids, em uma cena em que ela confronta seu caso romântico só com o olhar: “Ela vai devorá-lo vivo”. E ela devora cada um de seus homens. Mas, no final do filme, ela é devorada viva, por si mesma. Porque, enquanto ela é aquela figura feminina louca, fantástica e fantasiosa que ela mesma criou, ela ainda é só o momento. E momentos passam. Nenhuma fantasia dura, nenhuma noite dura, por mais incrível que ela seja. É um golpe de ingenuidade achar que uma fantasia vai permanecer.
Os homens amam a fantasia. A fuga da realidade. Como você os faz se sentirem no limite entre o prazer e o ódio, e pode ser ódio do que você pode fazer com eles em quatro paredes, ou ódio deles mesmos por verem que estão sentindo demais. Mas, quando a realidade bate à porta, eles precisam da estabilidade. E, quando eu digo isso, eu falo sobre as outras mulheres, as “mulheres-mornas”, que trazem firmeza, não altos e baixos. Que são mornas, não num sentido ruim, mas num sentido de saber o que esperar, de ser estável, de não ser demais, de não querer demais, de não ter problemas demais, de não beber demais, de não usar roupas extravagantes demais.
Garotas como a Penny são só a fantasia com tempo contado. São as garotas que vão estar ali durante um período curto, mas intenso, como da turnê da banda no filme, e terminam sendo trocadas pelas esposas, a estabilidade que vem com elas e uma caixa de Heineken às vezes. Isso acontece literalmente no filme: ela é trocada por uma caixa de cerveja.
Quando a penny descobre isso, a reação dela é esboçar um sorriso sob as lágrimas e dizer:
“Que marca de cerveja?”
Porque até ela sabe o valor de um engradado de Heineken e que, até num momento dilacerante como esse, é necessário manter a personagem engraçadinha do que desmoronar. Porque, no fundo, até ela mesma sabe que seria difícil demais ser amada.
E aí tracei uma linha na minha cabeça. Um espectro (que, explicado pra alguém que é lerdo que nem eu, são duas pontas opostas ligadas por uma linha). Agora imagina comigo essa linha que tem Penny Lane numa ponta – que, mesmo sabendo que é uma fantasia, quer a todo custo continuar nela –- e, no final dela, lá na outra ponta, está: Holly Golightly (e se eu fosse você, nem tentava falar o sobrenome, porque a vida inteira eu não consegui. Só sei como escreve porque também copiei da Wikipédia).
Holly é a personagem principal do meu filme favorito da vida toda: Bonequinha de Luxo, de 1961, um clássico do cinema, interpretada pela maravilhosa Audrey Hepburn. E, se você não conhece esse filme, tenho certeza de que já deve ter visto pelo menos uma imagem dessa personagem icônica em algum lugar na sua vida:
![]()
Holly é descrita pelo portal de cinema da internet brasileira (procura aí no google) como “prostituta, que fuma maconha e fala palavrão”. Na verdade ela é só uma mulher excêntrica e encantadora, mas também é inventada. Também é uma garota-fantasia. Uma personagem criada como fuga da real protagonista: Lulla May (a personagem de Audrey Hepburn). E ela sabe disso. A princípio, a personagem era pra ser de Marilyn Monroe, mas Marilyn já era a garota-fantasia de seu tempo. A personagem de Norma Jean no nosso mundo real (o nome verdadeiro de Marilyn). Então o papel foi para Audrey, e, no filme, Holly tinha tanta autoconsciência de ser uma garota-fantasia que ela fez disso seu ganha-pão. Virou uma acompanhante de luxo, inventou esse nome complicado que ninguém consegue pronunciar, e fez das fantasias que os homens tinham dela a sua armadura.
Essa é a diferença entre ela e Penny Lane. A Penny queria que sua fantasia fosse real. Pobre garota. A Holly, não. Ela já sabia: quando a manhã chegasse, os homens que só a queriam à noite, que queriam despertar o que era selvagem, não a queriam para a tranquilidade e estabilidade dos dias claros.
Tem uma fala linda da penny no filme, que mostra como demonstra seu falso desprendimento, que é:
“Eu sempre digo pras garotas: nunca levem nada a sério. Se você nunca levar nada a sério, nunca vai se machucar, você sempre vai se divertir, e, se caso você se sentir sozinha, pode ir à loja de discos e visitar seus amigos”.
Eu facilmente diria isso para vocês, minhas leitoras. Mas de uma forma sincera, porque a Penny queria ser levada a sério.
Já a holly, não. Quando foi confrontada com um “eu te amo”, ela solta: “E daí?” – mesmo amando. Quando foi atravessada pela possibilidade de um amor bom, um homem a segurou e disse: “Eu te aceito com seus defeitos, com suas dores. Você me pertence”.
Ela arrebatou: “Pessoas não pertencem a pessoas. E eu não vou deixar ninguém me colocar numa jaula”.
Algo que facilmente diria para as pessoas que amo muito, e tento dar os melhores conselhos.
Porque ela sabia que, no momento em que aceitasse aquele amor (por mais bom que ele fosse), ela estaria entrando em outro personagem. Porque aquele homem não amava ela, amava a ideia dela. E quando ele visse que a Holly não era a fantasia dele, ela já estaria aprisionada e domesticada em sua jaula.
A Penny ainda não descobriu isso. Tanto que, nas cenas finais, ela quase tira a própria vida com uma cachaça e uma caixa de remédios.
A Holly, por mais bom que fosse esse amor, ela o nega até o último segundo. Pois sabe que, para mulheres como ela, um amor (mesmo que bom) não vale o preço de sua liberdade.
Verdade verdadeira? É que algumas mulheres são, sim, difíceis de amar. E nós sabemos disso. Mulheres como nós. Eu me incluo nessa pataquada (como disse, ia botar minha cabeça na guilhotina aqui). As mulheres de lua, porque você só pode nos amar quando é noite. Mulheres-fantasia, pois somos o delírio fantástico que caminha com o desejo. Para alguém como nós, que achamos impossível dar qualquer tipo de estabilidade. Ou a certeza de permanecer quando a manhã chegar.
E eu não tô aqui dizendo “coitadas dessas mulheres que nunca tiveram um relacionamento saudável e estável”. Pelo menos no meu caso, eu encontrei muitos caras incríveis, doces, que me levaram para jantar, que me tratavam como uma princesa. Mas eu sabia que, em algum momento, aquilo ia por água abaixo. Porque eu só sou perfeita sendo a fantasia. Mas na vida real sou desastre, uma bagunça. E, nessa altura do campeonato, com tudo que eu já aprendi sobre o amor, incluir alguém que parece perfeito na minha bagunça (onde só eu me encontro) não é justo com essa pessoa.
Então acho que esse texto também é um pedido de desculpas para esses caras perfeitos que eu já conheci mas não consegui ficar. Eu não ia conseguir. Eu não sobrevivo fora do caos.
E a Holly tinha consciência disso também. E é por esse motivo que eu amo tanto Bonequinha de Luxo.
As mulheres-fantasia são difíceis de amar. E você vai odiá-las por elas te fazerem amar tanto o caos. Mas são elas que movem o imaginário das pessoas. Que servem de inspiração pra fazer filmes… e textos para um blog de garotas bobocas (eu amo mesmo essa palavra) como esse. Mas, quando se confrontam com a realidade, são garotinhas confusas em suas armaduras. Só podem ser amadas quando não são reais.
Eu tô nesse espectro. Talvez você também esteja. Mais pra Penny. Ou mais pra Holly.
Mas saiba: a bênção de nunca permanecer e de enjoar rápido de lugares e amores é que você pode ser uma fantasia nova a cada manhã. E, como Penny, talvez fugir pro Marrocos. Ou, como a Holly, pra Nova York. Ou como eu, que vou pra qualquer lugar do mundo desde que não seja os que já conheço.
No final, você vai ter muitas histórias. Às vezes, ser algo marcante: uma rua, uma música, uma persona ou um sentimento forte e passageiro, é mais libertador do que a dor de se sentir presa tentando se diminuir, porque você não pode ser demais, você tem que ser fácil, tranquila, morna.
E ser morna é uma prisão para quem é muito, para quem é fogo, pra quem sabe que pode ser tudo – mas jamais o bastante.
Ser livre também é uma escolha corajosa.
Bom, cumpri o que eu prometi, me justifiquei com os homens legais, coloquei minha cabeça e meu coração numa bandeja de prata para vocês (e cá entre nós, foi horrendo e libertador para mim também).
Dito isso, eu nunca mais falo de sentimento nesta coluna. Próximo Teresices vai ser sobre moda ou música. Espero vocês sem dia e sem horário marcado.

Beijinhos,
Tere.