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AfricArte



REPORTAGEM: KAMILA RUAS E VICTÓRIA LOPES

O Brasil é país com a maior população negra fora do continente africano e apesar disso, ainda é muito precário quando se trata de contar a história,  os costumes, a luta e a cultura dessa população que teve grande importância para a construção da identidade brasileira.

Quando se trata da história dos negros no Rio Grande do Sul a abordagem é escassa, não encontra-se com facilidade e não se tem o protagonismo devido como a história da colonização italiana e a alemã.  Em Santa Maria, a história da cidade mistura-se com a história do movimento negro no final do século XIX,“o processo de abolição da escravatura e a instalação da malha ferroviária na cidade atraíram para Santa Maria um grande contingente de negros e negras como mão-de-obra para a ferrovia e para os vários serviços necessários ao desenvolvimento da cidade” diz o doutorando do Programa de Pós-graduação em História (PPGH/UFSM) e membro do movimento negro de Santa Maria, João Heitor Silva Macedo.

Nesse período, o movimento teve a necessidade de se organizar, assim, surgiram irmandades religiosas, clubes sociais e escolas de samba que eram como espaços de resistência, onde havia ajuda mútua, defesa de direitos e a autoafirmação positiva da identidade. O preconceito mesmo encoberto sempre esteve presente, o movimento negro de Santa Maria trouxe ferramentas no combate ao racismo, como as políticas de ações afirmativas, relata João Heitor. Essas ações incentivaram o surgimento do Museu Treze de Maio que foi criado em 1903 por ferroviários negros.

Ao longo do tempo, a cultura negra ainda luta por seu espaço de direito em Santa Maria. Coletivos, projetos, grupos e até mesmo estudantes buscam ressaltar o protagonismo que até hoje é invisível ao olhar de muitos que ignoram ou desconhecem a cultura afro.

Com isso, alguns projetos realizados por alguns estudantes da Universidade Federal de Santa Maria resgatam e criam maneiras de protagonizar, contar e evidenciar a cultura africana.

 Kiriku – A lenda do menino guerreiro

É uma peça teatral santamariense que percorreu cidades gaúchas no ano de 2015, através da aprovação do projeto pela Lei Rouanet e patrocínio dos Correios. A história é baseada na lenda africana Kiriku, na qual um menino recém nascido é superdotado e é encarregado de salvar sua aldeia de uma feiticeira.

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Foto: Divulgação

O espetáculo foi uma idealização de Marcos Caye Lara, formado em Artes Cênicas bacharel em Direção Teatral pela UFSM e, atualmente professor substituto do curso de Artes Cênicas no CAL. Dentro do percurso da universidade, Marcos seguiu a linha de pesquisa a partir das religiões africanas. Seguindo essa linha, se interessou pela história do filme Kiriku e a feiticeira, um longa-metragem baseado na lenda africana lançado em 1998 pelo francês  Michel Ocelot.

O espetáculo infantil com a temática afro-brasileira foi produzido principalmente para ser inserido dentro das escolas. “A gente vê muitas ações hoje em dia pra tentar incluir o debate da cultura afro-brasileira nas escolas, mas é aquela coisa que as pessoas fazem mais por obrigação do que por interesse, mais porque a lei manda.”  diz Marcos. Com o surgimento do edital dos Correios que disponibiliza uma verba de R$ 35 milhões para a cultura e 10% desse dinheiro é voltado para ações voltadas para a cultura afro-brasileira. O projeto foi selecionado e produzido no ano de 2015.

O objetivo do projeto é pensar na falta de conhecimento da cultura negra para as crianças, além de, contribuir com a lei 10.639 onde torna-se obrigatório o ensino sobre a história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio. O tema da peça sai dos contos europeus e evidência uma cultura que é de extrema importância para o Brasil, mas não é valorizada pela sociedade.

 A obra é uma reflexão a partir de elementos visuais e textuais, mas ao contrário do filme, ela não transmite uma visão eurocêntrica de que a bruxa é má é somente do mau. Apenas a estrutura de situações foram inspiradas nos filme, sendo remodeladas para a cultura para a realidade do Rio Grande do Sul. Um dos elementos usado para diferenciar, é a perna de pau, que os atores usam para que a identificação do Kiriku fique visível. A construção do cenário remete a raízes mais africanas, com o uso de cordas e fibras mais naturais. A equipe conta com 11 pessoas e todos estão envolvidos com direção, atuação, cenografia, iluminação, trilha sonora e figurino.

A peça trata de empoderamento negro, durante a escolha de elenco houve uma preocupação para que o ele fosse composto por pessoas negras para que as crianças se sentissem representadas ao assistir o espetáculo. “É difícil ver referências negras em papéis de empoderamento, dentro das novelas negros são “qualquer” personagem. Queria negros para que as crianças se vissem e se sentissem representadas em primeiro momento.” afirma o diretor.

Para além, uma das apresentações da peça, a produção levou um tradutor de libras para os adultos e crianças com deficiência auditiva. “A gente conseguir entender de que é além de entreter crianças, traz uma política afirmativa do povo negro e do deficiente auditivo que pode assistir o teatro” diz Manoel Luthiery, estudante de Dança na UFSM, e protagonista da peça.  O espetáculo passou por quatro cidades, Uruguaiana, Santa Maria, Ijuí e Bagé, cumprindo as 11 apresentações.

 Protagonismo Negro – Programa de rádio

A verdadeira representatividade da negritude na mídia brasileira é algo que não é visível. Quando há “representação” a população negra é muito estereotipada e estigmatizada nesse meio, são frequentemente marginalizadas. Isso ocorre dentro das Universidades também, apesar do número de negros ter aumentando após a inserção do sistema de cotas – 1,8% para 8,8% de negros -, ainda há carência de representatividade no meio acadêmico.

Com esse problema encontrado dentro da UFSM também, Arianne Teixeira, jornalista formada pela UFSM, idealizou o programa de rádio Protagonismo Negro em outubro de 2015. Convidou sua amiga, Clara Sitó acadêmica do curso de jornalismo, para produzir um programa voltando especialmente para a população negra. Com o objetivo de trazer a discussão da negritude para dentro da Universidade,  o programa é produzido por negros e feito para negros e, traz pautas em que abarcam a experiência, o movimento, as políticas, a identidade negra, o genocídio, o corpo e a carência da representatividade na mídia e na própria instituição de ensino. “É muito importante encontrarmos essa representatividade para conseguir nos fortalecer” diz Clara Sitó, uma das integrantes do programa.

O programa vai ao ar todas as terças-feiras às 13h10, na rádio Universidade 800AM.

 Capoeira – André (CEFD e NEMAEFS)

A capoeira tem sua origem no Brasil, era praticada pelos escravos nas senzalas, servia como forma de diversão e de defesa pessoal. Para os senhores dos engenhos não descobrirem que havia luta dentro das senzalas, os escravos maquiavam a luta como uma dança, envolvendo cantigas. Quando eram procurados pelos capitães-do-mato em suas fugas, os escravos faziam uso da capoeira para se defenderem e se manterem em seus quilombos.

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Fotografia: Mirella Joels

No decorrer da sua história a capoeira adquiriu alguns estilos. A capoeira Angola é a tradicional, ela se assemelha a uma dança, devido ao seus movimentos, onde a ginga mostra a flexibilidade dos capoeiristas. É o estilo que é mais próximo da capoeira praticada pelos escravos.

Há também a capoeira Regional, nascida na década de 1920 com mestre Bimba, que reestruturou a capoeira adicionando alguns golpes de outras lutas marciais e introduzindo a questão da graduação. Além disso, implantou  nas práticas técnicas, formas e sequências de treinos.

Após passar por um período turbulento, onde a capoeira foi marginalizada e chegou a ser proibida. Atualmente a capoeira é além da luta, é uma arte, possuindo teor politico e socializador, assim é considerada patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Acerca disso, há na UFSM alguns projetos ligado as capoeira. Um deles é o programa Lutas Universidade Aberta, que visa atender a comunidade oferecendo aulas das diversas lutas. Entre elas, a capoeira que é ministrada pelo acadêmico de Educação Física Bacharelado que possui 20 anos de conhecimento e prática da capoeira, André Xilique Koth (Mestre Xilique Capoeira). Além da parte prática, André evidência a importância do histórico da capoeira, “a capoeira não é só luta, ela não foi criada assim, a capoeira foi criada com propósitos, de defesa de resistência a opressão”.

A capoeira vai além da luta, abarca todo um histórico-cultural, também é trabalhada a inclusão social, a musicalidade e a cultura afro. O projeto é aberto ao público, qualquer pessoa que tiver interesse pode participar.

 Projeto Negressencia: Mulheres cujos Filhos são Peixes

O projeto Negressencia: Mulheres cujos filhos são peixes é um espetáculo de dança negra contemporânea, que através de um processo etnográfico foram recolhidas histórias de mulheres negras do Rio Grande do Sul, com o objetivo de representar e destacar  a mulher negra gaúcha. O projeto é financiado pela bolsa Funarte de Fomento para Artistas e Produtores Negros. Manoel Luthiery, acadêmico do curso de Dança – licenciatura na UFSM e, diretor do projeto, salienta sua importância “a gente deixa de procurar alguém que seja nosso porta-voz e nós mesmo somos os nossos porta-vozes”.

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Fotografia: Rafael Happke

No Negressencia funcionam quatro eixos, a formação de bailarinos em dança negra, o  da pesquisa, a criação do espetáculo e, o eixo pedagógico. A pequisa ficou por conta da antropóloga Andrea Santos que recolheu entrevistas e, do convívio com algumas mulheres negras, trazendo para o projeto as histórias dessas mulheres. No eixo pedagógico, os bailarinos vão até comunidades discutir educação e arte, através de oficinas de prática artísticas, assim contribuindo para com a lei 10.639.

O projeto é assinado pela produtora cultural Marta Nunes, a qual comprou a ideia de Luthiery  que apresentou o projeto no final de uma disciplina. Ele desejava um projeto maior do que apenas um projeto de pesquisa acadêmico “eu queria um projeto de pesquisa de arte, a gente sabe a dificuldade e quanto a academia é rígida no processo do artista ou do profissional que quer transitar fora dela” afirma o diretor. O projeto conta com muito participantes, desde as entrevistas, passando pela direção, produção, bailarinos, iluminação e produção de comunicação.

Manoel Luthiery traz em questão a carência de incentivo de políticas públicas para a dança e a arte em geral:

 “as pessoas  não tem noção de quanto eu trabalho de quanto meu trabalho é árduo e o quão eu necessito de valorização assim como qualquer outro profissional, e eu não necessito de uma valorização no sentido de riquezas, mas eu preciso viver, preciso comer, preciso me vestir, eu tenho as necessidades básicas de um ser humano.”

As bolsas governamentais auxiliam vários desses projetos, pois a falta de incentivo para a dança é grande, muitas vezes o dinheiro investido para a criação da dança é tirado do bolso dos próprios artistas. A importância de bolsas de incentivo a cultura, principalmente a cultura negra, são essenciais para a formação de uma sociedade em que a sua história é maquiada com a cultura eurocêntrica idealizada como a mais importante. É necessária a discussão de políticas públicas para incentivar e manter projetos culturais.

Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke
Modelo: Andressa Duarte Fotografia: Rafael Happke

Relato de Apuração

O tema dessa reportagem é abordado pela primeira vez na .TXT. A história desse povo que sofreu e  batalhou para construir a identidade de nosso país deveria ser valorizada e lembrada todos os dias, assim como a dos outros povos. Mas esse assunto é infelizmente evidenciado apenas em datas comemorativas. A cultura negra luta por maior reconhecimento e espaço há muito tempo e, durante essa trajetória conquistou muitas coisas, mas ainda não tem o reconhecimento merecido.

Durante a apuração dessa reportagem, notamos a luta constante dos estudantes, principalmente negros, que evidenciam  a cultura afro através projetos, buscando o reconhecimento dessa cultura. Eles, cada um em sua área, criaram uma forma de contar a história do povo africano, enaltecer sua cultura, sua contribuição na identidade do povo brasileiro e protagonizar essa luta que é contínua.

Aprender mais sobre a cultura negra, o povo qual lutou e luta até hoje para garantir seus direitos e sua importância na sociedade foi surpreendente e inspirador, abrindo nossos olhos para vários aspectos importantes abrangidos nesse assunto.

Essa matéria tem o foco de colocar os holofotes não só nesses projetos, nessas pessoas que batalham todos os dias, se dedicam, suam por essa causa, mas em toda a cultura negra. Esperamos que essa matéria abra os olhos de muitas mais pessoas.

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