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AMAmentar: nutrir no peito e na escuta

Projeto acolhe mães e bebês para amamentação com cuidado, ciência e afeto



Para escutar o áudio da reportagem, clique abaixo:

Mãe e bebê durante atendimento do Amamentar

Todo ser humano é mamífero, mas o ato de amamentar não é instintivo. Existe um ditado que diz: “Nasce um bebê, nasce uma mãe” e pode parecer que a amamentação nasce com eles. A mãe recebe o bebê, pega no colo, coloca no peito e pronto. Entretanto, a maternidade não é igual para todo mundo, uma amamentação adequada necessita mais do que instinto materno, necessita de informação. 

Vinda da classe média do Rio de Janeiro, onde amamentar não era uma prática comum, Maria Clara da Silva Ramos tem raízes mais profundas com a amamentação. Ela guarda com muito carinho uma foto de sua mãe amamentando-a e foi essa memória que a motivou a querer amamentar seu próprio filho, aqui chamado de Ulisses.

Logo após seu nascimento, algumas pessoas comentavam que ele parecia preguiçoso para mamar. A rotina exaustiva de acordar a cada poucas horas para cuidar e amamentar o bebê é extremamente estressante: “Depois que nasce é que começa a dor, né? O parto em si a gente tem acompanhamento até lá, e depois a mãe fica completamente sozinha” afirma Maria Clara.

Nos primeiros dias de vida, durante o teste da orelhinha, a residente de Fonoaudiologia e participante do Amamentar, Adeline Zingler, identificou que o queixo do bebê era um pouco mais para trás. No dia seguinte, Ulisses já tinha uma consulta com o setor de Odontologia da UFSM.

Ulisses foi diagnosticado com a sequência de Pierre Robin (SPR), uma formação craniofacial que envolve uma série de problemas em sequência, precisou passar por uma cirurgia para corrigir o queixo e ficou 60 dias sem mamar. Durante esse período, Maria Clara continuou a tirar leite manualmente, um apoio fundamental que recebeu do projeto Amamentar. Tanto na parte técnica quanto no suporte emocional, a ajudou a resistir, mesmo quando algumas pessoas diziam que o mais fácil seria desistir.

O Projeto Amamentar da UFSM é coordenado pela professora Geovana de Paula Bolzan, do Departamento de Fonoaudiologia. Com atendimento gratuito a díades mãe-bebê, mais do que suporte técnico, promove vínculos afetivos essenciais para uma amamentação saudável e duradoura.

O Amamentar acompanha mães e bebês, ensina as mães sobre o aleitamento e ajuda os bebês a mamar. O que muitas vezes é um desafio, ganha esperança por meio de um atendimento seguro, informado e acolhedor. O caso do pequeno Ulisses, hoje com dois anos, exemplifica como o acesso a serviços públicos de qualidade pode transformar trajetórias marcadas por resistência e apoio. 

Diante do dado do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI-2019), que aponta que apenas 35,5% dos bebês brasileiros são amamentados exclusivamente até os seis meses, iniciativas como essa se mostram fundamentais para alcançar a meta da OMS de 60% até 2030, o que reforça que a amamentação bem-sucedida exige envolvimento físico, emocional, familiar e social.

Desde 2019, o Projeto Amamentar acolhe cerca de dez famílias por semana no Ambulatório de Pediatria do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), onde oferece atendimentos conduzidos por estudantes da graduação em diferentes fases de formação. Com escuta atenta, cuidado técnico e tempo dedicado a cada caso, o projeto nasceu para preencher uma lacuna no sistema de saúde do Hospital: enquanto bebês prematuros tinham acompanhamento, outros recém-nascidos com dificuldades na amamentação seguiam sem apoio. A iniciativa responde à desinformação e à solidão que cercam o início da maternidade e se torna um espaço de acolhimento, aprendizado e transformação para as famílias e para os futuros profissionais.

Para Maria Eduarda Zimmermann, estudante de Fonoaudiologia e integrante do Projeto Amamentar, o trabalho vai além do atendimento pontual: “A ideia é levar informação e seguir junto, acompanhando esses bebês desde o começo”. A equipe acompanha cada mãe pelo tempo necessário e oferece orientação clara, para resolver o máximo de demandas antes da alta. “Nosso primeiro objetivo é trazer segurança às famílias em relação à alimentação dos filhos”, explica a coordenadora Geovana.

Mais do que técnica, o foco é o cuidado integral. Desde o início, os estudantes são orientados a ter um olhar ampliado e atento ao desenvolvimento da criança como um todo, mesmo quando a queixa não é diretamente ligada à fonoaudiologia. Atendida no Amamentar, Fernanda Rodrigues já havia passado por duas gestações em que não conseguiu amamentar por conta da anatomia do mamilo. Agora, com o apoio da equipe, vive uma experiência diferente. Desde o início do acompanhamento, aprendeu técnicas que fizeram a diferença. Sente que pela primeira vez a amamentação está mais tranquila e segura: “Fico bem feliz por poderem me proporcionar uma melhor experiência na parte da amamentação”, destaca.

Alinhado à meta da OMS de alcançar 60% de aleitamento materno exclusivo até 2030, o Projeto oferece apoio técnico e emocional em um momento delicado e cheio de dúvidas para muitas mães. Com duas filhas mais velhas, Luana de Souza relata que a primeira sempre enfrentou dificuldades na amamentação. Na época, não teve acesso a diagnóstico ou suporte e conta que experiências em outras cidades foram desagradáveis, ao contrário do suporte que recebeu no Amamentar. 

Com a filha mais nova, Manueli, Luana recebeu apoio desde o nascimento. Após a avaliação de frênulo lingual, o encaminhamento para cirurgia de frenectomia foi rápido, realizado por um projeto parceiro na Clínica de Cirurgia do Curso de Odontologia da UFSM. A melhora foi imediata: a bebê voltou a mamar bem, ganhou peso e o desconforto da mãe diminuiu. Luana conta que, sem esse suporte, talvez não conseguisse amamentar, algo que sempre desejou. Seu relato emociona ao relembrar a dor, as feridas e a persistência, agora marcadas por acolhimento e orientação contínua.

Tanto Maria Clara quanto Luana encontraram no Projeto Amamentar o suporte necessário para tornar a amamentação possível e tranquila. No caso de Manuela, o diferencial foi o acompanhamento antes, durante e após a frenectomia. Já Ulisses se beneficiou de um diagnóstico certeiro ainda nos primeiros dias de vida.

Adeline Zingler, responsável pelo atendimento de Ulisses, hoje é fonoaudióloga materno infantil e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana (PPGDCH) na UFSM, além de continuar atuante no projeto. Para ela e para a equipe do ambulatório, o caso de Ulisses é um verdadeiro sucesso — resultado não apenas da intervenção profissional, mas também do comprometimento da família.

Adeline está ligada ao projeto desde a graduação, e a experiência foi um divisor de águas na sua carreira. Foi nesse trabalho que ela construiu sua trajetória na atuação fonoaudiológica voltada à amamentação e à alimentação infantil. “Para mim, ser a pessoa que auxilia a mãe a oferecer o primeiro alimento ao bebê, nutrir o bebê pela primeira vez, é isso que enche o meu coração de alegria”, afirma a fonoaudióloga.

Como exemplificam os relatos de mães atendidas pelo Projeto, informação, acolhimento e uma rede de apoio dentro e fora de casa fazem a diferença. Amamentar é um direito, não uma obrigação. Embora o leite materno seja o padrão-ouro da nutrição infantil, o caminho até a amamentação é cercado de desafios físicos, emocionais e sociais. 

Com uma equipe multiprofissional, o projeto oferece escuta qualificada e apoio técnico, o que transforma um momento de insegurança em uma experiência de cuidado e vínculo. Mais do que alimentar, amamentar é também fortalecer o laço afetivo, estimular o desenvolvimento emocional e proteger a saúde da criança desde os primeiros dias de vida.

Amamentação além do mito

Amamentar é um processo único estabelecido entre o físico e o emocional, mas é rodeado de mitos. Mais do que nutrir, o aleitamento materno tem papel fundamental no desenvolvimento emocional, psíquico e linguístico do bebê. A fonoaudióloga Patrícia Menezes Vilas Boas Lapa mostra em sua pesquisa que, durante a amamentação e nas interações iniciais com a mãe, o bebê se vincula afetivamente por meio da voz materna, um registro de fala mais agudo e afetivo conhecido como “manhês”.

A amamentação esbarra em barreiras práticas, mas também em tabus históricos, culturais e sociais. Amamentar em público, por exemplo, ainda causa desconforto e até constrangimento, mesmo sendo um direito protegido por lei. Muitas mães são julgadas, orientadas a se esconder em banheiros ou “salinhas” para amamentar, quando o ideal seria normalizar essa prática em qualquer ambiente saudável. 

Segundo uma pesquisa global sobre aleitamento, realizada pela Lansinoh Laboratórios entre os meses de abril e maio de 2015, cerca de 47,5% das brasileiras relataram que já sofreram preconceito por amamentar em público. O número coloca o Brasil no topo da lista entre os países que mais censuram a mulher em um momento de vínculo entre mãe e bebê.  Entre os principais desafios está a volta ao trabalho, uma das principais causas do desmame precoce. Ainda que haja possibilidade de manter o aleitamento com planejamento, apoio e orientação sobre extração e armazenamento do leite, a realidade brasileira mostra um cenário desigual: cerca de 40% das mulheres estão no mercado informal, sem direito a licença-maternidade, creche ou horários flexíveis. 

Apesar dos desafios, os benefícios da amamentação são indiscutíveis. Ela reduz os riscos de doenças respiratórias, gastrointestinais e crônicas no bebê, diminui a mortalidade infantil e protege a saúde da mulher, já que reduz o risco de câncer de mama e ovário. Ainda assim, dados nacionais mostram que apenas um terço das mães mantêm o aleitamento exclusivo até os seis meses de vida do bebê. Entre mães adolescentes, essa taxa é ainda menor, cerca de 25%. Baixa renda, pouca escolaridade, falta de apoio e instabilidade conjugal são os principais fatores que dificultam a continuidade do aleitamento nessas populações.

Para pensar a amamentação além do mito, surge o projeto de extensão Amamentar, vinculado ao curso de Fonoaudiologia da UFSM. O projeto oferece atendimentos gratuítos e auxilia em diversos aspectos do processo de aleitamento materno.

O intuito do Amamentar é acolher, informar, oferecer suporte e garantir que as mulheres possam exercer o seu direito ao aleitamento sem culpa, medo ou constrangimento. O ato de amamentar é um gesto de amor — mas, no Brasil, também é um ato de resistência.

Com um olhar atento às necessidades das famílias e um compromisso com o cuidado integral na primeira infância, o Projeto Amamentar se consolida como uma importante iniciativa de apoio ao aleitamento materno e ao desenvolvimento saudável dos bebês. A cartilha educativa, disponível gratuitamente por QR Code, e o canal direto pelo Instagram são ferramentas valiosas para orientar e acolher as famílias após a alta hospitalar.

A parceria com o Projeto Musicalização de Bebês, coordenado pela professora Aruna Noal Gaspareto, ampliou ainda mais o impacto das ações, promovendo momentos de estímulo, afeto e conexão entre mães e bebês durante as tardes de atendimento no HUSM. Essa integração entre saúde, educação e arte demonstra o potencial transformador das ações interdisciplinares voltadas ao bem-estar infantil.

Equipe do Projeto Amamentar

Repórteres: Kethelyn Rodrigues Radunz e Emilly Wacht

Fotografia: Emilly Wacht

Contato: emilly.wacht@acad.ufsm.br/kethelyn.rodrigues@acad.ufsm.br

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