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Enquanto alunos circulam entre prédios e laboratórios no Campus da UFSM, animais silvestres enfrentam obstáculos diários para sobreviver. O espaço, que antes era território livre para a fauna local, foi ocupado por calçadas, prédios e vias asfaltadas. Mesmo em meio ao concreto, seriemas, ouriços, bugios, pererecas e até lontras continuam a habitar a área universitária — invisíveis para muitos, mas essenciais para o equilíbrio ecológico.
A área da UFSM já era habitat natural de diversas espécies de aves, mamíferos, répteis e anfíbios. Como destaca o doutor em Zoologia e docente no Departamento de Ecologia e Evolução da UFSM, Tiago Gomes dos Santos, : “fomos nós que invadimos o território deles”. A presença humana acarreta em diferentes respostas da fauna local, algumas espécies abandonaram o local, outras passaram a viver discretamente em fragmentos verdes e um terceiro grupo se adaptou ao novo cenário urbano.
Entre as espécies adaptadas estão lagartixas, roedores silvestres e aves generalistas — que se alimentam de diferentes tipos de alimentos, tanto de origem animal quanto vegetal. Animais como as seriemas, que se tornaram figuras emblemáticas do Campus, caminham entre gramados, mesmo em contato direto com humanos. Animais que não são facilmente vistos também desempenham funções importantes, como controle de insetos, dispersão de sementes e polinização. Sua presença indica que o ecossistema original do pampa gaúcho, que, mesmo fragmentado, ainda resiste.

A expansão territorial resultou na eliminação de áreas úmidas, essenciais à reprodução de anfíbios. Sapos e pererecas, por exemplo, são obrigados a cruzar ruas e avenidas para chegar até poças ou açudes, onde ficam vulneráveis ao calor do asfalto, à desidratação e a atropelamentos. Monitoramentos feitos por estudantes de Zootecnia, coordenados por Tiago, já identificaram diversas mortes nos arredores do Jardim Botânico: “A gente monitorou por um ano os atropelamentos de fauna de vertebrados em vários pontos aqui do Campus e um desses é perto do Jardim Botânico. Encontramos vários animais que estavam se deslocando possivelmente para a poça atropelados ali”.

O impacto vai além: A fragmentação dos habitats compromete a conectividade ecológica e dificulta o deslocamento seguro da fauna, o que afeta a diversidade genética e aumenta o estresse dos animais. Mesmo espécies mais adaptadas como algumas aves urbanas, enfrentam dificuldades causadas pela presença de veículos, excesso de iluminação artificial e pela perda de locais seguros para construírem seus ninhos. Casos como o de um jacaré encontrado em um dos açudes do Laboratório de Piscicultura da UFSM mostram que os animais persistem em se manter no espaço — mas muitas vezes sua permanência depende da sorte.
Além dos desafios estruturais, os animais também lidam com reações humanas hostis ao encontrar animais silvestres “é comum que alguém veja um ouriço e entre em pânico, preocupado com seu cachorro, sem perceber a importância ecológica do animal”, afirma a doutora em Zoologia e docente do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSM Marilise Krügel . Cobras são outro exemplo: mesmo as não peçonhentas são frequentemente mortas por impulso. Segundo o doutor em Zoologia e professor no curso de Medicina Veterinária do Departamento de Ecologia e Evolução da UFSM, Nilton Caceres, a raiz do problema está na falta de educação ambiental. Sem informação adequada, comportamentos como alimentar seriemas ou tentar “amansar” animais silvestres tornam-se comuns, o que interfere nos instintos naturais das espécies.
A invisibilidade de anfíbios, répteis e roedores também revela uma hierarquia de empatia. Enquanto aves e mamíferos despertam mais simpatia, anfíbios, répteis e roedores são frequentemente ignorados ou exterminados sem protesto. Contudo, todos exercem papéis cruciais nos ciclos ecológicos locais. As enchentes que atingiram o Campus em maio de 2024 também deixaram marcas na fauna local. Canais transbordaram e trilhas foram inundadas e animais que vivem próximos à água, como anfíbios, roedores, além de aves de solo, como quero-queros e seriemas, foram afetados e muitos não conseguiram escapar. Além disso, a água represada ou poluída compromete a qualidade dos habitats.
Registros de animais como lontras em áreas degradadas mostram que, mesmo diante da adversidade, a fauna tenta resistir. No entanto, de acordo com o professor Tiago, essa resistência tem limites: a ausência de planejamento urbano e políticas ambientais estruturadas agrava a situação e força os animais a ocupar espaços cada vez mais hostis. Com o objetivo de aproximar a comunidade universitária da fauna do Campus, docentes dos departamentos de Engenharia Rural, Engenharia Sanitária e Ambiental e alunos do curso de Redes de Computadores desenvolveram o aplicativo eFauna UFSM. Lançado em 2024, o aplicativo permite que qualquer pessoa registre a presença de animais na UFSM. Os dados são georreferenciados e formam um mapa vivo da biodiversidade do local.
O objetivo vai além do monitoramento: O aplicativo busca educar, gerar empatia e reforçar a percepção de que os animais fazem parte do cotidiano do Campus. “Queremos que as pessoas tirem os fones e escutem o ambiente”, afirma a professora Marilise. A ferramenta também fornece informações detalhadas sobre as espécies e promove a desconstrução de mitos e uma convivência mais consciente.

O projeto também está no Instagram (@efaunaufsm), e incentiva a participação de estudantes e voluntários interessados em biologia, comunicação e ciência cidadã. Embora haja iniciativas pontuais, como o eFauna e monitoramentos de atropelamentos, não existe um plano de manejo ambiental amplo na UFSM. Segundo Tiago, medidas como instalação de passagens subterrâneas, redutores de velocidade, corredores verdes e campanhas educativas poderiam reduzir significativamente os conflitos entre pessoas e animais: “claro, a efetividade dessas medidas é bastante variável, depende do ambiente e das espécies que estão ali, mas acho que vale a tentativa de sugerir e testar essas medidas”, explica.
O docente Nilton Caceres defende ações contínuas de educação ambiental, que incluiriam desde orientações para calouros até sinalizações específicas. Mais do que ações isoladas, o que se busca é uma mudança de práticas e perspectivas — uma universidade que não apenas conviva com a fauna, mas a reconheça como parte de sua identidade.
Repórteres: Felipe Trost e Luana Pereira