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Para muitas pessoas, o simples ato de segurar uma colher para se alimentar se torna uma grande missão. Isso ocorre devido aos tremores causados por doenças degenerativas, como o Parkinson e outros distúrbios com esse tipo de sintoma. José Juraci Carvalho, 69, é um desses casos. Ele iniciou o tratamento para a Doença de Parkinson em abril de 2025, após passar 4 anos com o diagnóstico incorreto e teve seu caso tratado como Acidente Vascular Cerebral (AVC). “Um dia eu acordei com o lado esquerdo do corpo paralisado, mas pensei que tivesse dormido em cima. Conforme os dias foram passando e aquilo não melhorava, fui ao médico fazer exames neurológicos e fui diagnosticado com AVC. Passei muito tempo tomando medicação para a doença errada, quase morri”, explica José.
De acordo com uma pesquisa publicada na Revista Científica The Lancet Regional Health e realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), em 2024, mais de 500 mil brasileiros acima de 50 anos convivem com Parkinson. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Saúde, aproximadamente 20% da população mundial acima dos 65 anos tem chance de desenvolver Tremor Essencial (TE) em algum período da vida. A doença de Parkinson é uma enfermidade neurológica crônica que compromete a coordenação motora. Entre os principais sintomas estão os tremores, lentidão nos movimentos, rigidez muscular, problemas de equilíbrio e alterações na fala e na escrita. O quadro de parkinson é resultado da degeneração de células localizadas em uma área do cérebro chamada substância negra. Essas células são responsáveis pela produção da substância dopamina – um neurotransmissor essencial para a transmissão de impulsos nervosos aos músculos. A redução ou ausência dessa substância compromete os movimentos corporais, provocando os indícios característicos da doença. O diagnóstico da doença é clínico, baseado na análise do paciente e em exames neurológicos. Até o momento, não existem exames laboratoriais ou testes específicos que confirmem a doença ou maneiras de prevenção. A doença progride de forma lenta e contínua e os tremores ficam mais evidentes quando o paciente segura objetos leves, como uma colher. Esses movimentos são chamados de “tremores de repouso” porque ocorrem quando o corpo está parado e tendem a se intensificar em momentos de estresse ou nervosismo. No entanto, não é apenas o parkinsonismo que causa tremores. Outras condições neurológicas também são afetadas por essa circunstância e o Tremor Essencial (TE) é uma das mais comuns. Diferente do parkinson, o tremor essencial geralmente afeta as mãos durante os movimentos voluntários, como escrever, segurar objetos, e tende a ter origem familiar, ou seja, pode ser herdado geneticamente. Outras causas de tremores incluem esclerose múltipla, que afeta a comunicação entre o cérebro e o corpo; distúrbios da tireoide, como o hipertireoidismo; além de efeitos colaterais de certos medicamentos ou abstinência de álcool.
A fonoaudióloga do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), integrante das equipes de Cuidados Paliativos e Geriatria, Marília Trevisan Sonego, explica que os momentos de avaliação clínica possibilitam a identificação de disfagias – dificuldade de engolir alimentos e até mesmo a própria saliva. No momento da alimentação, o tremor pode gerar angústia e preocupação para tentar controlar os movimentos. “Os pacientes acabam esquecendo de deglutir a própria saliva ou resíduos alimentares. Nesse sentido, a colher estabilizadora tem o potencial de dar segurança ao paciente”, afirma Marília.
Apesar de ainda não haver cura para a doença de Parkinson, é possível tratar os sintomas e desacelerar a sua progressão. A dificuldade em encontrar cura está relacionada à genética humana, pois as células nervosas perdidas na substância negra não se regeneram. O tratamento pode envolver o uso de medicamentos que atuam sobre a dopamina, fisioterapia para manter a mobilidade e em alguns casos intervenções cirúrgicas. Além disso, a fonoaudiologia desempenha um papel fundamental no tratamento de dificuldades na fala e na voz que muitos pacientes enfrentam. Embora o tremor possa ser apenas um sintoma, ele é um sinal de que o corpo está pedindo atenção. E, muitas vezes, um diagnóstico precoce faz toda a diferença na qualidade de vida do paciente.
Mais que um projeto, uma causa
Diante desse cenário, surgiu o projeto “Desenvolvimento de Sistemas Eletroeletrônicos voltados à Tecnologia Assistiva”, coordenado pelos professores do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria (CTISM), Thiago Cattani Naidon e Saul Azzolin Bonaldo. Vinculada ao grupo de pesquisa “NightWind”, desde 2023 a iniciativa produz acessibilidade ao criar itens de baixo custo pensados para pessoas com algum tipo de deficiência e que não têm condições de pagar por uma Tecnologia Assistiva (TA). “A gente começou a ver que não é só para quem tem Parkinson, tem muita gente que tem problemas de tremor, e aí pensamos: Como desenvolver algo acessível? Porque hoje, uma colher importada que estabiliza o movimento custa cerca de R$ 20 mil. Isso é inviável para a maioria das pessoas”, comenta Saul.

Entre os produtos, desenvolve-se uma colher ergonômica que visa estabilizar os tremores durante as refeições e busca garantir uma maior independência aos pacientes. Essa demanda surgiu a partir da experiência da fonoaudióloga Marília em seus atendimentos hospitalares. Ela percebeu que os pacientes não conseguiam se alimentar sozinhos devido aos tremores e sugeriu o desenvolvimento de uma peça que pudesse proporcionar essa autonomia. Em sua primeira versão, o protótipo da colher utiliza a plataforma microcontrolada Arduino, que é manipulada na criação de eletrônicos interativos como impressoras. Porém, o professor Thiago menciona que, para o produto final, o planejamento é substituir o Arduíno pela plataforma ESP, que oferece um maior controle da amplitude de movimento. “Estamos verificando a possibilidade de usar a plataforma ESP, que é outro microcontrolador mais potente porque como o processo de correção de ângulo e inclinação envolve técnicas de controle é necessário um dispositivo que dê conta de executar operações lógico-matemáticas”, explica Naidon. Além disso, o modelo da colher possui um servomotor, um acelerômetro e um giroscópio que garantem a funcionalidade do produto. Toda a produção da colher é feita no CTISM, onde os participantes do projeto têm acesso a equipamentos, como a impressora 3D, na qual são feitas as impressões dos acessórios.

Para o discente do terceiro ano do Curso Técnico em Mecânica Integrado ao Ensino Médio e bolsista do projeto, Gustavo Carneiro Carabajal, a oportunidade de trabalhar em um grupo como esse é uma forma de colecionar memórias e aprendizados. Gustavo tem sob sua responsabilidade o desenvolvimento do protótipo da colher, com auxílio e supervisão do professor Thiago. Aliado a isso, o estudante também trabalha na criação de um site sobre o produto, que irá conter informações técnicas sobre a utilização e será disponibilizado para médicos, usuários da ferramenta e familiares. Antes de ser finalizada e disponibilizada para uso no HUSM e no Sistema Único de Saúde (SUS), a colher estabilizadora passará por um rigoroso processo de testes para aplicação em pacientes que enfrentam dificuldades diariamente.
Uma dessas pessoas é José, que convive com tremores constantes nas mãos, especialmente perceptíveis durante as refeições. Para sua esposa e principal cuidadora, Diva Ilga Bessauer Carvalho, 69, a existência de uma ferramenta como a colher desenvolvida pela NightWind poderia transformar sua rotina. “Ele tem bastante dificuldade para se alimentar por causa dos tremores. Todas as pessoas que têm Parkinson deveriam ter acesso a esse tipo de coisa”, comenta Diva. O caso de José evidencia a urgência e a relevância de iniciativas como esta, que aliam tecnologia e responsabilidade social para promover mais autonomia e qualidade de vida a quem precisa.
Para saber mais sobre o projeto, acompanhe o Instagram:@ctism_nightwind
Repórteres: Maria Eduarda Camargo e Myreya Antunes
Contato: eduarda.carvalho@acad.ufsm.br/myreya.antunes@acad.ufsm.br