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Duas frentes, um mesmo propósito

Quando o ensino encontra a realidade em prol do combate a violência contra a mulher.



Segundo o Monitoramento dos indicadores de Violência Contra as Mulheres do Rio Grande do Sul no ano de 2025 da Secretaria de Segurança Pública (SSP), aconteceram 18 mil casos de violência contra a mulher entre janeiro e abril, em uma média de 4,6 ocorrências por mês. Os crimes enquadrados são de feminicídio tentado, feminicídio consumado, ameaça, estupro e lesão corporal.

Em plena Sexta-feira Santa, feriado marcado por reflexões religiosas e familiares, seis mulheres foram brutalmente assassinadas em diferentes cidades do Rio Grande do Sul. Os crimes, registrados ao longo de poucas horas, levantam uma grave preocupação: até quando a violência contra a mulher será tratada como rotina no Brasil? Os casos chamam atenção não apenas pela quantidade de vítimas em um único dia, mas pela reincidência de um padrão trágico que expõe a vulnerabilidade feminina diante da violência doméstica, da negligência institucional e da cultura machista ainda enraizada na sociedade brasileira

Na UFSM, duas professoras de áreas distintas se destacam por transformar ensino, pesquisa e extensão em ações concretas de enfrentamento à violência contra as mulheres e nos concederam entrevistas para a revista .TXT. 

De um lado, a professora do curso Técnico em Enfermagem do Colégio Politécnico da UFSM, Laura Ferreira Cortes, une a prática da saúde ao ativismo social com projetos de extensão voltados ao empoderamento feminino, à formação de profissionais e à articulação de serviços públicos. De outro, a professora do curso de serviço social Laura Regina da Silva Camara Mauricio da Fonseca tem mais de três décadas de experiências dedicadas à reflexão crítica sobre gênero, vulnerabilidade e cidadania, com atuação direta em políticas públicas e formação universitária.

Ambas lideram iniciativas que colocam a universidade em diálogo com a realidade social e constroem pontes entre a academia e a rede de proteção às mulheres em Santa Maria. Seus projetos não apenas acolhem vítimas de violência, também formam profissionais mais conscientes e preparados para atuar em contextos complexos. Com diferentes abordagens, elas mostram como o compromisso com os

direitos humanos e a equidade de gênero podem e devem atravessar os muros da Universidade.

Entrevista

A .TXT conversou com as professoras da Universidade Federal de Santa Maria, Laura Ferreira Cortes e Laura Regina da Silva Camara.

.TXT: Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional e sua experiência em relação a projetos de apoio a mulheres em situação de violência?

Laura Ferreira: Minha trajetória profissional, ela vem em boa parte da graduação ainda na enfermagem, da área da saúde, tem inquietações muito relacionadas com a nossa formação ser ainda muito biológica, focada nas lesões, no cuidado físico e pouco abrangente em termos da realidade social das pessoas. A violência é um problema de saúde pública e afeta diretamente a saúde das mulheres e das famílias. E aí, vendo isso, durante a formação, essa fragilidade nessa abordagem, eu despertei então para esse olhar das questões de gênero, alinhado a docentes que trabalhavam com isso na época. E aí, a partir disso, então, eu comecei a pesquisar no mestrado e principalmente no doutorado pensando nesse olhar ampliado para a rede de atendimento. Então, como essas mulheres circulavam após o atendimento na saúde, para onde elas iam, se elas eram encaminhadas para algum local, se elas iam para a rede, se elas voltavam para casa, enfim, fragilizadas, não tinham esse apoio. Foi aí que eu comecei a despertar o interesse no tema e eu trabalhei então na pesquisa do mestrado com enfermeiras, entrevistando enfermeiras sobre esse processo de trabalho das portas de entrada dos serviços de emergência do município. E depois no doutorado eu trabalhei com profissionais em um grupo de trabalho para a gente pensar como era essa rede de atendimento, quais eram as fragilidades, quais eram as potencialidades e se existia essa rede de atendimento.

E daí, dos resultados da pesquisa do doutorado, a gente conclui que existem muitas falhas nessa rede, que os serviços não estavam organizados, compondo uma rede conectada, integrada. Então, existiam buracos nessa rede e a mulher acabava percorrendo muitos serviços e, às vezes, sem nenhuma ajuda ou, muitas vezes, só centrados na delegacia. E aí, essa continuidade, esse acompanhamento não existia. Então, isso, os resultados da pesquisa, da minha tese.

Quando entrei na universidade, em 2018 como professora aqui no Politécnico, criei um projeto de extensão: o Fórum de enfrentamento à violência por parceiro íntimo contra as mulheres do Município de Santa Maria: promoção da cultura de paz e superação da violência, que é esse espaço, que é o fórum, que é um espaço permanente para a gente discutir, nós nos reunimos mensalmente e a gente contempla lá todos os serviços da rede. E é um espaço para a gente tentar integrar a ação profissional. Então, tem vários setores, segurança pública, assistência social, saúde, educação, conselho tutelar, enfim, segurança pública, são profissionais que estão à frente dos serviços e a gente busca discutir melhorias no atendimento e na integração desses serviços, justamente para que essa rede funcione de forma mais integrada. Nós temos o Centro de Referência da Mulher, também, que é um serviço que o fórum ajudou a criar aqui em Santa Maria, que não existia, que ele busca, justamente, a articulação desses serviços entre si. Então, a minha trajetória é um pouco a partir dessa história, da prática. 

.TXT: Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional e sua experiência em relação a projetos de apoio a mulheres em situação de violência?

Laura Ferreira: Minha trajetória profissional, ela vem em boa parte da graduação ainda na enfermagem, da área da saúde, tem inquietações muito relacionadas com a nossa formação ser ainda muito biológica, focada nas lesões, no cuidado físico e pouco abrangente em termos da realidade social das pessoas. A violência é um problema de saúde pública e afeta diretamente a saúde das mulheres e das famílias. E aí, vendo isso, durante a formação, essa fragilidade nessa abordagem, eu despertei então para esse olhar das questões de gênero, alinhado a docentes que trabalhavam com isso na época. E aí, a partir disso, então, eu comecei a pesquisar no mestrado e principalmente no doutorado pensando nesse olhar ampliado para a rede de atendimento. Então, como essas mulheres circulavam após o atendimento na saúde, para onde elas iam, se elas eram encaminhadas para algum local, se elas iam para a rede, se elas voltavam para casa, enfim, fragilizadas, não tinham esse apoio. Foi aí que eu comecei a despertar o interesse no tema e eu trabalhei então na pesquisa do mestrado com enfermeiras, entrevistando enfermeiras sobre esse processo de trabalho das portas de entrada dos serviços de emergência do município. E depois no doutorado eu trabalhei com profissionais em um grupo de trabalho para a gente pensar como era essa rede de atendimento, quais eram as fragilidades, quais eram as potencialidades e se existia essa rede de atendimento. E daí, dos resultados da pesquisa do doutorado, a gente conclui que existem muitas falhas nessa rede, que os serviços não estavam organizados, compondo uma rede conectada, integrada. Então, existiam buracos nessa rede e a mulher acabava percorrendo muitos serviços e, às vezes, sem nenhuma ajuda ou, muitas vezes, só centrados na delegacia. E aí, essa continuidade, esse acompanhamento não existia. Então, isso, os resultados da pesquisa, da minha tese. Quando entrei na universidade, em 2018 como professora aqui no Politécnico, criei um projeto de extensão: o Fórum de enfrentamento à violência por parceiro íntimo contra as mulheres do Município de Santa Maria: promoção da cultura de paz e superação da violência, que é esse espaço, que é o fórum, que é um espaço permanente para a gente discutir, nós nos reunimos mensalmente e a gente contempla lá todos os serviços da rede. E é um espaço para a gente tentar integrar a ação profissional. Então, tem vários setores, segurança pública, assistência social, saúde, educação, conselho tutelar, enfim, segurança pública, são profissionais que estão à frente dos serviços e a gente busca discutir melhorias no atendimento e na integração desses serviços, justamente para que essa rede funcione de forma mais integrada. Nós temos o Centro de Referência da Mulher, também, que é um serviço que o fórum ajudou a criar aqui em Santa Maria, que não existia, que ele busca, justamente, a articulação desses serviços entre si. Então, a minha trajetória é um pouco a partir dessa história, da prática. 


TXT: Quais as ações o projeto promove para amparar essas mulheres vítimas de violência em Santa Maria?

Laura Ferreira: Então, o fórum em si trabalha com essa integração da rede. Então, nós construímos um fluxograma de atendimento junto aos serviços, aos profissionais, que não existia. Então, hoje nós temos um direcionamento de como essa mulher deve circular na rede. Então, esse apoio técnico foi feito. A gente busca, então, essa qualificação por meio desse curso de extensão de profissionais, para que eles possam refletir sobre o seu processo de trabalho, sobre os aspectos psicossociais e humanitários no atendimento dessas mulheres, as questões étnico-raciais, também nós discutimos bastante no curso. Então, pensando na formação de profissionais, nós temos contribuído nesse aspecto. E, além disso, a gente traz mulheres diretamente lá do CAPES. Então, nas terças-feiras à tarde, por meio dessas oficinas, é um grupo que é do CAPES, o Mulheres no Corre, que é um grupo de mulheres em abuso de substâncias, em uso de álcool e outras drogas. E ele visa a geração de renda, mas o empoderamento também e a promoção da saúde mental. Então, elas produzem artesanatos, camisetas e ecobags. E elas vendem em feiras de artesanato e participam de eventos também. A gente faz muito essa interlocução com a universidade. Elas vêm para cá também em aulas, participam, fazem apresentações sobre projetos. E a gente trabalha muito a questão desse empoderamento. Então, gênero é a base do que a gente discute, as desigualdades de gênero, pensando nesse empoderamento feminino. E elas acabam construindo esse empoderamento juntas no grupo, compartilhando as vivências. Cada uma fala sobre as suas dificuldades, sobre seus processos, sobre as violências que sofreram. E elas vão se apoiando umas nas outras e a gente vai mediando isso. Por meio das discussões teóricas, claro, mas que são da vida. Então, a gente trabalha nessa lógica lá dentro do CAPES, nesse sentido. E na minha prática também, como docente, junto com os estudantes do Técnico de Enfermagem, a gente faz atendimento na unidade de saúde, no posto de saúde. Então, a gente faz atendimento direto a mulheres também, mas não tem nenhum projeto específico para isso. Mas no nosso cotidiano, como eu trabalho essas temáticas em sala de aula, a gente acaba trabalhando também o serviço, acolhendo de uma forma mais diferenciada. Fazendo os encaminhamentos, as articulações necessárias lá também.

.TXT: Como essas atividades colaboram para a garantia da proteção dessas mulheres?

Laura Ferreira: Então, a proteção é justamente pensando no empoderamento delas, porque a superação da violência exige o empoderamento feminino. E o empoderamento é uma categoria de análise que a gente compreende como sendo algo que é construído. Não sou eu, Laura, que vou lá empoderar aquela mulher. Eu posso mediar esse empoderamento, posso levar elementos, meios para ela conhecer os seus direitos, para ela conseguir perceber a situação de violência, para se enxergar no mundo, posso mediar isso. Mas essa tomada de consciência é um processo, ela é gradual. E se for coletiva, vai ser muito melhor, vai ser muito mais rápido também. Então, a gente contribui nesse sentido, de mediar esse empoderamento delas, fazer a escuta dessas mulheres também, porque violência dói muito, sofrer violência dói muito. Então, escutar elas se escutarem e a gente tentar pensar nas potencialidades que elas têm para que elas consigam se libertar daquela situação, para que elas enxergue outras possibilidades de vida. Mas isso é um grande desafio, então a gente faz esse atendimento lá, mas nessa perspectiva, pensando na geração de renda. E o fórum tem contribuído muito para fomentar que o município possa pensar e propor mais políticas públicas para as mulheres, porque a gente entende que antes da violência a gente tem que ter a base da igualdade de gênero para conseguir prevenir a violência contra as mulheres. Então, a gente trabalha muito nessa ideia da prevenção, em alguns aspectos. Até vamos em algumas escolas com algumas ações, quando somos chamados. Os cursos, então, nós temos feito as duas últimas edições dos cursos, elas têm sido focadas para profissionais da educação, para professores e professoras de educação básica da cidade, justamente para que eles consigam tentar lidar com essas situações no ambiente escolar, mas também na saúde. Geralmente a gente abre a vaga para diferentes cursos, e esse curso é bem interessante porque ele exige, a avaliação dele, o processo avaliativo dele, consiste na criação de um produto para ser desenvolvido no seu contexto de trabalho. Então, os professores, as professoras que participam do curso, precisam levar para as escolas um instrumento, alguma tecnologia, um produto, alguma tecnologia para usar com os alunos, que pode ser jogos, tem várias dinâmicas que eles constroem, e tem sido muito rico, ele já vai para a quinta edição agora, o curso. Então, a gente aposta muito na estratégia educativa desses profissionais de formação e profissionais já formados, para a gente estar qualificando esse atendimento. E a manutenção desse fluxo, porque exige, para que a gente tenha um projeto do fórum, ele consiste nas reuniões, onde a gente tenta integrar as ações dos serviços e criar estratégias para que os serviços se integram na rede. Para que essa mulher não fique sem acolhimento, para que essa mulher possa ter uma perspectiva no momento que ela resolve denunciar e também antes da denúncia. É aí que o centro de referência, que é o serviço-chave hoje, peça-chave do fluxo, ele é fundamental para que isso aconteça. Lá no centro de referência elas são acolhidas, elas recebem o atendimento psicológico do serviço social e também orientações jurídicas. E elas vão percorrendo esse fluxograma, que é o desenho da rede. A gente trabalha junto com o Ministério Público também, a gente faz as reuniões geralmente lá. Então é uma parceria interessante. A gente tem apostado também bastante nessa questão da qualificação por meio de eventos. E vamos começar um projeto em parceria. Na verdade é do ADH e a gente está entrando na parceria, que é um projeto para atendimento dos agressores, dos homens. A gente vai começar com grupos reflexivos para homens, para tentar prevenir novos incidentes de violência.

.TXT: Quais ligações o projeto tem com redes de proteção e garantia dos direitos às mulheres? 

Laura Ferreira: Na verdade, o fórum vem para articular essa rede. Então como é que funciona? Existe uma política nacional do enfrentamento à violência contra as mulheres, que é de 2007. Ela vem para concretizar a Lei Maria da Penha. Que foi criada em 2006. E aí essa política, um dos seus eixos, que é a dimensão da assistência a essas mulheres, ela contempla a rede. A rede de atendimento. E a rede de atendimento tem quatro braços. Que é o direito e a justiça, a segurança pública, a saúde e a assistência. Então esses serviços, o que incluem? Vou falar um pouquinho dessa rede, para ficar um pouco mais explícito. Na justiça, são criados os juizados especializados em violência doméstica. Todos os casos entravam dentro das varas comuns, criminais. E agora não. Existe um juizado específico. No Santa Maria nós temos um juizado específico para os casos de violência doméstica. Isso agiliza muito mais os julgamentos. As medidas protetivas. O juiz tem até 48 horas para expedir as medidas protetivas. E agora, mais recentemente, em função dos números de homicídios que tiveram agora no feriado de Páscoa, a gente tem as medidas protetivas sendo solicitadas online também. Então esse é o sistema de justiça. Além disso tem as promotorias e ainda as defensorias. Que vão advogar por essas mulheres também. E o sistema de segurança pública. Nós temos a polícia civil. Por meio das delegacias da mulher. Ou as delegacias de atendimento geral. Aqui em Santa Maria nós temos a delegacia funcionando de segunda a sexta. Até as 18 horas. Então não temos uma delegacia da mulher 24 horas. A delegacia que nós temos é uma delegacia de plantão geral. Que atende todos os tipos de situações aos finais de semana, o que é uma dificuldade. Porque as mulheres não têm um atendimento especializado aos finais de semana. E nem à noite.

E aí nós temos também um serviço que é a Patrulha Maria da Penha. Que é da Brigada Militar. Que atende as mulheres com medidas protetivas. Então como é que funciona? Ela vai fazer o boletim de ocorrência. E aí ela pode solicitar. Independente do risco que esse agressor está expondo. Ela solicita uma medida. Que essa medida é um papel que o juiz vai expedir. Ordenando que esse agressor não se aproxime dessa mulher ou da sua família. Suspendendo porte de arma. Enfim, existem vários tipos de medidas. Dessas medidas. Então elas são fiscalizadas aqui em Santa Maria. Pela Patrulha Maria da Penha. Que é um grupo de policiais. Que vai nas casas das mulheres com medidas. Para acompanhar o andamento da situação. Se ela continua afastada. Se ela não está em risco. Se o agressor continua afastado dela. O serviço social que seria assistência social, todos os serviços, como por exemplo, os CRAS. Que são os centros de referência de assistência social. Os CRES. Que são os centros especializados em assistência social. O centro de referência da mulher. Que é um serviço de assistência social. E também a casa abrigo.As casas abrigo. Que são casas onde as mulheres podem ficar abrigadas. Com seus filhos por um período. Até que ela consiga achar um outro lugar para ir. Então enquanto ela estiver em risco. Ela pode permanecer abrigada nessa casa. E ainda tem a casa de passagem. Que é para mulheres em situação de rua. Isso são serviços de assistência social. Depois os serviços de saúde, que seriam todos os serviços de saúde do município. A gente tem um específico para a mulher em situação de violência. Especialmente sexual. Que é o centro obstétrico do hospital universitário. E depois todas as unidades de saúde, as unidades básicas do município. Mas para que eles funcionem como uma rede mesmo de produção. Eles precisam estar em comunicação. Eles precisam estar articulados. E é por isso que o centro de referência vem fazer esse grande braço articulador. A ideia é que essa mulher digamos entrou na saúde. A saúde já articula esse centro de referência. Que vai articular o município público. Vai articular com a delegacia. A mesma coisa quando a mulher vai denunciar. O ideal é que ela já seja vinculada ao centro de referência. Para que ele vai fazer esse acolhimento psicológico. Com serviço social. E já articula. Já mapeia onde que essa mulher mora. Como é que pode transportar ela para que ela não corra perigo na rua. Então só assim a gente consegue evitar feminicídios. E mesmo assim já é muito complexo a gente evitar. Mesmo com toda uma rede operando. O sistema machista patriarcal. Ele é muito muito forte. E muitas vezes essas mulheres não estão na rede. Às vezes até o medo. O medo porque como eu falei antes. A medida protetiva é um papel. Também nós temos aqui uma patrulha para patrulhar todas as mulheres. Então são mais de 300 medidas protetivas por mês. Então são muitas mulheres para poucos policiais. Em uma cidade de médio porte. Então com uma viatura policial. Então a gente ainda precisa avançar nisso. E para além disso tem essa questão da dependência emocional. De todo um contexto. Dos papéis de gênero, o que é estar numa relação para essa mulher. Então essas representações do relacionamento fazem com que elas permaneçam muitas vezes. E desistam de denunciar. Então é um movimento muito ambivalente. Uma hora ela quer denunciar. Outra hora ela não quer. Então é bem complicado. Então isso tudo existe em políticas públicas que possam fortalecer essa rede. Mas ampliar esse papel dessa rede. Também na prevenção. É toda uma cultura que precisa mudar. Para que a gente chegue ao feminicídio zero. Mas a gente já melhorou muito. Só que precisamos avançar muito ainda.

.TXT: Como o projeto age diante dos desafios de violência dessas mulheres?

Laura Ferreira: O projeto ele se responde nele mesmo. Por exemplo, quando a gente está lá no CAPES e tem uma situação muito complexa. Um caso de uma mulher que é muito complexo. A gente tenta discutir esse caso em rede. Tentar assim a gente articula. Vou te dar um exemplo, por exemplo, teve um caso de uma mulher que estava em risco extremo de feminicídio. E aí a gente fez uma articulação com o Ministério Público pra gente pensar junto com o promotor e com a delegada o que nós podíamos fazer naquele momento. Que ela não tinha pra onde ir. Que a gente não tinha uma eminência de pagamento de aluguel social. Ela não tinha onde ficar. E ela estava sendo perseguida. Então a gente leva pra própria rede discutir e acolher esse caso. Então, parece simples. Mas é muito difícil a gente conseguir articular a saúde com a justiça, por exemplo. Porque nós somos áreas completamente diferentes. Formações completamente diferentes. Não existe um sistema de comunicação único no Brasil inteiro. Não é só Santa Maria. No Brasil inteiro. No mundo inteiro. Os serviços estão aprendendo a se organizar mais articulados. Então, a gente tem essa experiência de aparecer um problema mais extremo, um desafio maior a gente tenta articular essa rede caso a caso. Porque cada uma vai exigir uma coisa. No caso dela, ela não tinha rede de apoio nenhuma nem para onde ir. Aí já muda um pouco o cenário. Então, vai depender de cada caso. Então, os desafios mais complexos principalmente estão relacionados à habitação para onde elas vão, a questão da renda. Nesse caso, ela não conseguia ir pra casa de abrigo onde ela tinha tido uma experiência que não foi positiva lá. E aí, a gente realmente não tinha onde acolher essa mulher. Os casos mais desafiadores têm que ser discutidos com a rede entre os serviços. Então, é isso que a gente ajuda a mediar essa articulação da rede. 

.TXT: De que forma o projeto prepara os profissionais para realizar atendimento às vítimas? 

Laura Ferreira: É por meio da qualificação do curso que a gente tem de extensão que acontece geralmente no segundo semestre e na discussão do caso. Por exemplo, para os estudantes de enfermagem na prática quando a gente está no serviço de saúde a gente vai receber o caso da situação, a gente vai fazer todo o acolhimento dela, a escuta dela vai tentar, então, orientar sobre os seus direitos sobre os direitos dela e aí a gente vai fazer a notificação da violência, que é uma notificação da saúde, onde a gente preenche uma ficha para lançar num sistema que é o SINAN, então, do SUS que vai para a violência epidemiológica. E aí a gente faz essa articulação direta com o centro de referência a gente já marca o atendimento para ela ir no centro de referência. Então, a formação é caso a caso, a gente trabalha esses conteúdos em sala de aula também, isso acho que é bem importante destacar aqui dentro da universidade nas minhas disciplinas a gente trabalha nas salas de aula e ofertamos esse curso de extensão que é anualmente,  fora algumas formações que a gente faz, por exemplo, semana passada eu fui fazer uma fala com policiais da Patrulha Maria da Penha e da Brigada da Região então a gente foi fazer uma contribuição num curso de formação deles então é mais pela educação permanente mesmo, sobre essa temática.

.TXT: Como as experiências do projeto impactam a percepção dos futuros profissionais de enfermagem? 

Laura Ferreira: Sim, eu percebo que elas e eles, geralmente a maioria é mulher primeiro acho que é um processo de empoderamento delas mesmo, empoderamento feminino então como é um projeto também que demanda muito articulação com outros setores com o judiciário também manda e-mail, se comunica então elas aprendem também a se comunicar de uma maneira mais formal e isso também contribui nesse processo formativo como conectar conhecer a rede, eu tenho que enviar o convite para tais e tais setores para o conselho tutelar, para o juiz como que eu ativo isso, então essa formação de articulação é interessante mas também sobre a apropriação do tema, então é muita reflexão, elas conseguem enxergar as situações de violência até para si mesmas e para familiares então elas ampliam o olhar para além do atendimento da ferida, do curativo da lesão, da medicação elas conseguem olhar para esse problema que é social, então para o que está por trás daquela lesão. É um aprendizado que a gente consegue estimular psicologicamente para as questões emocionais, psicológicas exatamente para o trauma, para os abusos para essa dor, esse sofrimento que ele não é mensurável, ele não é tão objetivo, ele é emocional muitas vezes psíquico então essa construção se dá dentro da formação e também no espaço do projeto e essa questão do olhar para a rede de entender que não é só a saúde que vai dar conta de um problema complexo desse tamanho então que a saúde ela tem tantas dimensões que ela precisa de uma rede de vários serviços, vários setores só que isso não é quase trabalhado na formação em saúde então esse é um déficit que a gente ainda tem, então eles conseguem enxergar essa rede e para serem ativadores dessa rede serem sujeitos e ativadores desses outros serviços, então acho que a grande contribuição, resumindo é a ampliação desse olhar para além da doença olhar para todos os aspectos do indivíduo, a questão do conhecimento e da ativação dessa rede e de pensar também nessas questões de prevenção do gênero de mudar a cultura machista então elas passam por esse processo de empoderamento também que eu acredito que todas nós precisamos nos empoderar para a gente conseguir fazer alguma coisa porque todos nós estamos nessa cultura machista e patriarcal então para a gente conseguir fazer alguma coisa, a gente também precisa passar por esse empoderamento e a leitura, os estudos a academia é muito importante para nos ajudar a fortalecer isso.

.TXT: Poderia citar alguns projetos específicos voltados para o enfrentamento da violência doméstica, saúde da mulher na perspectiva de gênero, direitos humanos, cidadania e políticas públicas?

Laura Ferreira: o Fórum do Enfrentamento à Violência contra as Mulheres de Santa Maria temos então o curso de extensão segura e esse outro projeto que é o apoio matricial como dispositivo de cuidado à mulher em situação de violência também tem um outro projeto no Departamento de Terapia Ocupacional coordenado pela professora Tatiana de Move, que é um projeto também que apoia as mulheres no Corre dentro do CAPES, que é para ficar com as crianças, é um espaço lúdico terapêutico para as crianças que acompanham essas mulheres durante o atendimento porque uma grande dificuldade que a gente tinha é que as mulheres não vinculavam o CAPES muitas vezes porque elas não tinham com quem deixar os filhos elas não tinham esse apoio para elas poderem estar lá no serviço então a gente entendeu que esse era um espaço importante, um espaço para as crianças então a professora Tatiana tem as estudantes de terapia ocupacional que vão para ficar com essas crianças também nesse espaço, ofertando atividades lúdicas e ocupacionais para elas nesse espaço tem também o o projeto da professora Miliana Freire, que é sobre maternagem.

TXT: Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional e sua experiência em relação a projetos de apoio a mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Laura Fonseca: Tudo começou ainda no século passado, quando eu atuava como docente na Universidade de Brasília (UnB). No mestrado, desenvolvi uma pesquisa que relacionava gênero, pobreza e HIV. Na época, estávamos por volta de 1997, 1998. Acompanhamos mulheres em situação de vulnerabilidade por meio de um projeto de extensão no ambulatório de infectologia. Observamos a dinâmica da contaminação e recontaminação dessas mulheres, e o contexto social em que estavam inseridas. Alguns anos depois, ingressei na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, bem distante do Centro-Oeste. Lá, além dos projetos de pesquisa, também desenvolvi atividades de extensão voltadas às mulheres que chegavam à delegacia na época, ainda não havia uma delegacia especializada em vítimas de violência doméstica ou intrafamiliar, principalmente. Começamos então a realizar ações por meio da universidade, em parceria com o sistema de segurança pública. Inicialmente, atuamos na capacitação das equipes das delegacias para que estivessem mais preparadas para lidar com essas mulheres. De certa forma, conseguimos alcançá-las através da formação desses profissionais. Desde o final de 2013, já na UFSM, comecei a atuar, a partir de 2014, no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão Hegemônicas que chamamos de Hegemônicas com ações de pesquisa e extensão voltadas para grupos mais vulneráveis.

Temos um trabalho de mediação que vai além da pesquisa e das palestras: atuamos principalmente por meio dos estágios em Serviço Social, realizados em espaços institucionais com vínculo direto com a temática, como o CRM (Centro de Referência da Mulher) em Santa Maria. Então, essa trajetória já soma cerca de 30 anos de atuação.

.TXT: Quais ações o curso de Serviço Social desenvolve para apoiar essas mulheres?

Laura Fonseca: As ações ocorrem principalmente por meio dos projetos de extensão. Esses projetos têm momentos e etapas voltadas à formação de profissionais que atuam diretamente com essa população. Temos, por exemplo, um projeto coordenado por uma professora do curso que trabalha com profissionais da assistência social e da segurança pública que atuam junto a mulheres vítimas de violência. Esse projeto é voltado especialmente à formação de assistentes sociais, psicólogos e outras pessoas de equipes multidisciplinares que trabalham com esses grupos. Também desenvolvemos ações de ensino por meio dos estágios curriculares em espaços sócio ocupacionais diretamente relacionados à violência contra a mulher. Embora não tenhamos um projeto exclusivo voltado diretamente às mulheres, nossas ações permeiam os contextos de vulnerabilidade que as afetam.

.TXT: Como essas atividades contribuem para a garantia dos direitos e a autonomia das mulheres?

Laura Fonseca: Acreditamos que essas ações contribuem, primeiramente, por darem visibilidade à realidade vivida por essas mulheres. Elas revelam o que está acontecendo e apresentam essa realidade também aos nossos estudantes. Como é um curso superior, é fundamental que desde o início os alunos tenham contato não só com os temas, mas com as situações concretas do município, do estado e do país. Por exemplo, no segundo semestre do curso, temos uma disciplina obrigatória chamada “Gênero, Políticas Sociais e Serviço Social”, destinada a estudantes ingressantes. É uma disciplina obrigatória, não optativa, e desde o início buscamos problematizar essa realidade em sala de aula.

.TXT: Quais parcerias o curso tem com redes de proteção social, ONGs e políticas públicas?

Laura Fonseca: Mantemos parcerias com todas as secretarias do município de Santa Maria, tanto para estágios quanto para projetos de extensão não só na área da violência, mas também em outras, como segurança alimentar e assistência social. Temos parceria com as secretarias de Assistência Social, Saúde e educação. Atuamos também com o terceiro setor, especialmente com ONGs que atendem mulheres e outros grupos em situação de vulnerabilidade.

.TXT: Como o curso lida com os desafios da vulnerabilidade social dessas mulheres? 

Laura Fonseca: Essa pergunta é muito boa. Primeiro, partimos do entendimento de que essas vulnerabilidades não são naturais; elas expressam uma realidade social mais ampla, na qual a universidade também está inserida. Assim, lidamos com essas questões por meio do ensino, da pesquisa e da extensão. Alguns núcleos são mais organizados em torno da questão da vulnerabilidade das mulheres, outros nem tanto, mas todos compartilham o compromisso de colocar a universidade a serviço da sociedade e trazer a sociedade para dentro da universidade. Buscamos reconhecer e concretizar essa relação, pois é a partir dela que conseguimos promover mudanças. Os projetos são formas concretas de dialogar com a sociedade. 

.TXT: De que maneira o curso prepara os profissionais para a defesa dos direitos dessas mulheres? 

Laura Fonseca: Desde o início da formação. O curso de Serviço Social tem como base essa fundamentação. Surgiu há quase 100 anos, no final da década de 1930, exatamente para lidar com as expressões da “questão social”, ou seja, com as contradições e desigualdades presentes na sociedade. O curso tem nove semestres e, do primeiro ao último, visa preparar profissionais para garantir direitos, atuar na sua defesa e desenvolver habilidades para fortalecer ações práticas em seus contextos de trabalho. Destaco algumas disciplinas como “Cidadania e Direitos Humanos”, “Gênero”, “Família e Segmentos Vulneráveis” e “Gerontologia Crítica”, esta última voltada à população idosa, também vulnerável. Todas essas disciplinas dialogam constantemente com a defesa de direitos.

.TXT: Como as experiências no curso impactam a percepção dos futuros assistentes sociais sobre a equidade de gênero? 

Laura Fonseca: Acredito que o impacto ocorre de maneiras diferentes, dependendo de como cada estudante recebe e vivencia a formação. O conceito de equidade, por exemplo, é muito presente na área da saúde, e se diferencia da igualdade justamente por reconhecer as diferenças e propor ações a partir delas. A formação acadêmica não garante sozinha essa percepção, mas ela potencializa o entendimento e coloca o estudante diante da necessidade de incorporar essa perspectiva no exercício profissional. Essa diretriz está também assegurada em nosso Código de Ética Profissional, em vigor desde 1993, que já apontava a equidade como um princípio e valor fundamental. Então, embora o debate esteja mais presente atualmente, essa preocupação não é nova na profissão. Claro que a forma como cada um irá materializar essa visão dependerá também de sua trajetória cultural e social. 

.TXT: Poderia citar alguns projetos específicos voltados para o enfrentamento da violência doméstica, desigualdade econômica e outras formas de opressão contra as mulheres?

Laura Fonseca: Temos um projeto coordenado pela professora Cristina Fraga, voltado à formação de profissionais da segurança pública para o enfrentamento da violência contra a mulher. Também temos o Núcleo Hegemônicas, que coordena ações como o “Quartas Hegemônicas” e grupos de estudos de gênero, voltados à discussão das vulnerabilidades e de como elas afetam especialmente as mulheres. Além disso, temos atuação junto à Casa Verônica e outras iniciativas dentro da própria universidade.


Repórteres: Joice Figueiredo e Raíssa Dietrich

Contato: joice.scherer@acad.ufsm.br / raissa.dietrich@acad.ufsm.br

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