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A década de 1950 foi marcada por avanços tecnológicos e transformações importantes no mundo todo. No Brasil, houve a inauguração da TV Tupi, o início do que seria um dos principais meios de comunicação e entretenimento do país: a televisão. A UFSM ainda nem existia nessa época e a troca de informações era feita por telefone com discagem manual, no início da década de 60. As telas digitais estavam longe de fazer parte do cotidiano.
Pessoas que nasceram nesse contexto tentam acompanhar uma grande quantidade de telas, cliques e plataformas digitais. Para elas, voltar a estudar é também entrar em uma nova era, onde a alfabetização digital se torna tão importante quanto a leitura dos livros. Essa é a realidade de Alvino Ferreira Bitencourt, 73, que precisa acompanhar aulas e agendar almoços através do aplicativo UFSM digital.
Alvino inicia seu dia às 6h15min, quando pega o primeiro ônibus na zona Sul em direção ao Centro. De lá, embarca em um segundo transporte coletivo até a universidade, onde cursa o Técnico em Zootecnia no Colégio Politécnico. Após ser dono de um mercado por 43 anos, decidiu voltar a estudar quando o estabelecimento fechou. Concluiu o ensino médio e, incentivado pelos professores, fez a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para concorrer a uma vaga no curso de Medicina Veterinária. Como não atingiu a nota mínima, decidiu participar do processo seletivo do curso técnico e foi aprovado em 19° lugar, num total de 50 vagas.
Alvino é um dos sete alunos com mais de 70 anos matriculados nos cursos técnicos do Colégio Politécnico, o que representa 0,6% do total de 1.248 estudantes. Há 198 estudantes com mais de 50 anos (15,9%). Destes, 120 estão na faixa etária de 50 a 59 anos (9,6%) e 71 têm entre 60 e 69 anos (5,7%). Os dados são relativos ao mês de maio de 2025, de acordo com o Centro de Processamento de Dados da UFSM (CPD). Ele afirma que os problemas começaram na inscrição para o processo seletivo, feita exclusivamente através do site da instituição: “eu vim aqui [na UFSM] para eles me inscreverem e depois voltei para fazer a matrícula.” Ele tinha e ainda tem muita dificuldade em realizar atividades nos meios digitais. Para agendar as refeições no Restaurante Universitário e colocar saldo, Alvino pede para seus colegas, que fazem tudo para ele. Além disso, comenta que uma professora permitiu que entregasse um trabalho escrito à mão por não saber digitar. Ele elogia os docentes por facilitarem sua rotina acadêmica e entenderem sua difícil adaptação aos meios digitais.
Outro exemplo é o estudante de Jornalismo João Veigas, 54, que ingressou na UFSM em 2020 e foi o primeiro da família a entrar em uma universidade. Atualmente, sua rotina é dividida entre os estudos e o trabalho. Ele estuda durante o dia e, em seguida, encara turnos de 12 horas, seguidos por 36 horas de folga, em uma escala conhecida como 12 por 36. João relata que gostaria de dedicar mais tempo aos estudos, mas precisa focar mais no trabalho.
João comenta que sabe utilizar funções básicas no celular, mas as plataformas da instituição foram um desafio na sua vida acadêmica. Quando entrou, não recebeu orientações necessárias para acessá-las, apenas instruções de como fazer o e-mail institucional. Também afirma não ter encontrado nenhum departamento específico na UFSM que pudesse auxiliá-lo.
João faz parte dos 1,8% de alunos matriculados em cursos de graduação com mais de 50 anos, o que representa 494 do total de 26.835. Na UFSM, há 367 acadêmicos na faixa etária entre 50 e 59 anos (1,4%), 117 de 60 a 69 (0,4 %) e apenas 10 têm mais de 70 (0,04 %), de acordo com dados do CPD em maio de 2025.
A universidade está inserida em um contexto digital em que o Moodle, o site institucional e o aplicativo “UFSM Digital” são ferramentas necessárias para o dia a dia. Entretanto, Alvino e João dependem da ajuda de colegas, veteranos e professores para conseguirem fazer tarefas diárias, essenciais para se manterem na universidade. O que evidencia isso é uma pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC/CGI, 2021) que mostra que 76% das pessoas mais velhas afirmam nunca ter utilizado um computador. Ainda que 77% possuam celular, 46% delas nunca acessaram a internet.
O papel do rádio
“Muita gente ainda não tem acesso à internet. O radinho de pilha continua a ser o canal de comunicação mais acessível”, explica João Veigas, que além de estudante, também é diretor da Rádio Comunitária Caraí. Para ele, a emissora ainda é uma das principais fontes de informação para a população mais velha da zona sul da cidade. “A rádio leva a informação local, faz a ponte entre a comunidade e os serviços que ela precisa acessar”, completa.
A experiência cotidiana na estação radiofônica também evidencia as limitações digitais. “As pessoas nos dizem que preferem comprar um radinho do que tentar acessar a rádio pela internet. A barreira não é só econômica, é também de conhecimento”, relata João. Mesmo com iniciativas digitais, o alcance ainda depende da familiaridade dos ouvintes com dispositivos e aplicativos, algo distante da realidade de muitas famílias da periferia.
A Subdivisão de Ações Afirmativas Sociais, Étnico-Raciais e Indígenas da Coordenadoria de Ações Educacionais (Caed), vinculada à Prograd, disponibiliza a Monitoria de Apoio às Tecnologias Digitais para todos os estudantes. Porém, ela é divulgada apenas no site da Caed, o que dificulta o acolhimento do público-alvo. O Pró-Reitor de Graduação Substituto, Félix Alexandre Antunes Soares, afirma: “nós atendemos pessoas que têm dificuldade direto por telefone ou por e-mail, mas, para quem quer tirar dúvida presencial, sempre tem alguém para ajudar”.
Felix acrescenta que todo aluno que entra na universidade precisa ter um e-mail institucional, canal por onde as principais informações da UFSM são repassadas. A exigência, embora padronizada, desconsidera realidades diversas. Isso evidencia a necessidade de políticas de inclusão que considerem a diversidade etária.
Um exemplo é o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que desenvolve iniciativas voltadas à inclusão digital de pessoas idosas. Entre elas, destaca-se a Unidade de Inclusão Digital para Idosos (UNIDI), que tem como objetivo aprimorar a interação desse público com as tecnologias. É de suma importância que a UFSM siga este modelo, para que pessoas como Alvino e João possam estudar com autonomia, sem depender da ajuda de terceiros. De acordo com o jornalista da Agência de Notícias da universidade, membro do Comitê da Política de Comunicação, Maurício Dias, as emissoras de rádio e de TV da instituição fazem o papel de transmitir as informações para aqueles que não estão acostumados a acessar o site. Elas atuam com duplo foco: comunicação institucional (temas ligados à universidade) e comunicação pública, mais ampla. Além disso, Dias comenta que são contemplados diferentes tipos de públicos e levados em consideração as especificidades, conforme as diretrizes gerais que fazem parte da política de comunicação, aprovada em 2018. As tecnologias não são prejudiciais, ao contrário, oferecem uma série de benefícios em diversas áreas da vida cotidiana. Porém, com a tendência crescente de digitalização, torna-se fundamental promover a educação digital e oferecer orientação, especialmente às pessoas mais velhas, que muitas vezes enfrentam dificuldades para acessar e utilizar as plataformas digitais de forma autônoma e segura.
Gráficos de comparação:
Reportagem: Luana Borgmann e Tainá De Carli Nascimento
Contato: luana.borgmann@acad.ufsm.br/taina.nascimento@acad.ufsm.br