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Natacha Klein Kafer, egressa do curso de História, conta sobre como é fazer Pós-Doutorado na Universidade de Copenhague e compartilha sua trajetória na pesquisa.



O Programa VOLVER entrevista Natacha Klein Kafer, egressa da UFSM no curso de História, turma de 2010. A egressa está realizando o seu terceiro Pós-Doutorado e atualmente desenvolve um projeto em conjunto com a UFSM, no qual pesquisam sobre a história da privacidade na América Latina.

VOLVER – Para iniciarmos, nos conte como ingressou na carreira científica, quais desafios e recompensas em trabalhar com pesquisa?

NATACHA – Iniciei minha carreira científica no curso de História da UFSM em 2005. Na época o currículo incluía licenciatura e bacharelado, mas desde o início notei que meu coração estava na pesquisa. Iniciei fazendo parte dos laboratórios de arqueologia, mas em 2007 passei a me dedicar à história oral. Foi durante esse período de pesquisa de campo que encontrei as fontes que guiaram minha pesquisa até hoje. Durante entrevistas com curandeiros da comunidade imigrante alemã, onde cresci, descobri que certos praticantes mantinham as suas fórmulas de cura em manuscritos em alemão. Minha pesquisa inicial revelou que as receitas, rezas e símbolos compilados nesses manuscritos fazem parte de uma longa tradição de cura. Encontrei cópias exatas desse material em livros publicados na Alemanha no século XVIII e XIX, assim como manuscritos similares que foram criados entre comunidades alemãs na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Como a maioria das fontes que precisava para continuar minha pesquisa só se encontravam na Alemanha, decidi tentar continuar minha carreira na Europa, seguindo os traços das práticas que encontrei no Brasil. Até hoje, essa experiência inicial de pesquisa continua informando como trabalho com história: meu foco se mantém em encontrar conexões transcontinentais de formas de cura e saberes populares. 

VOLVER –  Quais as lembranças guarda da UFSM e como a instituição contribuiu para o seu ingresso na pesquisa?

NATACHA – O curso de História da UFSM me ensinou a paixão por pesquisa, especialmente minha orientadora do bacharelado, Prof. Beatriz Teixeira Weber. Se o curso em si me passou as diretrizes básicas da pesquisa histórica, a Prof. Beatriz me ensinou como encarar lacunas de conhecimento menos como empecilhos e mais como oportunidades para expandir os campos de pesquisa da história. Foi trabalhando com ela que eu descobri minha fascinação por destrinchar fontes primárias!

VOLVER – Vimos que atualmente você desenvolve uma pesquisa sobre o conhecimento popular de cura. Nos conte em que fase está e quais os principais resultados?

NATACHA – Após minha graduação na UFSM, continuei minha pesquisa sobre práticas populares e rituais de cura na Alemanha. Fiz meu mestrado em Estudos Religiosos na Universidade de Erfurt entre 2011 e 2013, escrevendo minha tese sobre a tradição popular chamada “Brauchbücher”, ou “livros de costumes”.

Esse era o nome dado para textos como os que encontrei no Brasil. Além de compilações manuscritas de receitas e rezas, o termo também incorpora panfletos e livros impressos, a maioria dos quais foi popularizada a partir do fim do século XVIII e levados juntos pelos imigrantes alemães que partiram no século XVIII e XIX. Completei meu doutorado através do programa Erasmus Mundus “Text and Event in Early Modern Europe” entre o fim de 2013 e início de 2017. O programa de doutorado era compartilhado pelas universidades de Kent (Inglaterra), Berlin (Alemanha), Charles University of Prague (Republica Tcheca) e Porto (Portugal), ambientes que me proporcionaram conhecer colegas incríveis! Durante esse período de três anos pude desenvolver minha tese “Rituals, Migrations, and Texts: German Charms in a Transcontinental Perspective”, na qual tracei a história de longa duração dos rituais alemães para curar e aliviar problemas diários. 

A tese inicia com os primeiros exemplos escritos desses rituais em manuscritos do século IX, passando por várias fases históricas, como a caça às bruxas, estabelecimento da medicina como forma oficial de cura, popularização dos textos de forma impressa e a transmissão das tradições durante as grandes ondas de imigração. Esse trabalho está para ser publicado como livro, sob o título “A Thousand Years of Rituals”. Dando continuidade a esse trabalho, fiz um pós-doutorado no Centro de Pesquisa da Biblioteca de Gotha (Alemanha), focando na relação entre rituais e alquimia no século XV e XVI. Ainda em 2017, fiz outro pós-doutorado na Johns Hopkins University, que me possibilitou uma visita ao Pennsylvania German Heritage Center na University of Kutztown (EUA), onde pude pesquisar manuscritos dos imigrantes alemães na coleção do Prof. Patrick Donmoyer. 

Hoje me dedico ao estudo de saúde e sigilo no período moderno no Centre for Privacy Studies da Universidade de Copenhague. Os resultados dessas pesquisas saíram em periódicos e livros internacionais, muitos dos quais ainda estão em processo de publicação.

VOLVER – Descreva o impacto social e científico da sua pesquisa, quais fatores (sociais, ambientais, tecnológicos..) envolve e demanda quais recursos (orçamento, laboratório.)?

NATACHA – A proposta da minha pesquisa é entender como formas de cura operam em sociedade, desde a medicina tradicional até as formas populares às quais a população recorre em casos de doenças ou dificuldades. Fazer sentido desses processos de maneira histórica nos ajuda a entender como pessoas e sociedades se adaptam e codificam esses momentos nos quais a saúde está em risco.

Tal pesquisa nos dá os instrumentos intelectuais para lidar com as suspeitas de medicamentos, repensar o apelo da fé, medir os níveis de confiança em médicos ou outros praticantes e compreender os sistemas de suporte que se formam nas comunidades. Todos esses aspectos, que se mostraram tão centrais durante a pandemia, se consolidaram a partir de longos processos históricos. Trazendo essa história à tona, ganhamos uma perspectiva única: um jogo de distanciamento e aproximação de realidades que demonstra como nós humanos lidamos com adversidades. Tal pesquisa envolve conhecimento especializado e fontes primárias, mas o ônus orçamentário geralmente é baixo. A grande dificuldade relacionada à pesquisa em saúde partindo das ciências humanas é a falta de reconhecimento da sua importância. Usando o caso da pandemia como exemplo, é compreensível que o desenvolvimento de medicamentos seja o grande foco. Contudo, se não entendermos o porquê de certos grupos terem medo das vacinas, ou como certas pessoas são mais vulneráveis às doenças e seus impactos sociais, não temos como otimizar o acesso à saúde e a proteção da população. A desvalorização das humanas tem consequências sérias para o funcionamento da sociedade como um todo.

VOLVER – Você desenvolve outras pesquisas além da citada acima? Se sim, gostaria de nos contar um pouco mais sobre?

NATACHA – Ultimamente tenho me dedicado à questão da ideia de privacidade no período entre 1500 e 1800 no Centre for Privacy Studies. Primeiramente, meu foco é em saúde e a ideia de sigilo entre o curador e o paciente e como isso era organizado antes de criarmos leis a esse respeito. Outro tema importante nesse campo é o problema de mantermos conhecimento de cura privado, seja na forma de segredos, patentes, ou erudição exclusionária.

Escrevi um artigo recentemente de como registros dos tribunais de caça às bruxas que envolviam curandeiras nos dão pistas de como praticantes de cura no passado mantinham informações de pacientes em sigilo. Tenho também focado em como formas de curas circulavam em redes de conhecimento privadas entre a Europa e as Américas no período moderno. Seguindo essa ideia, conseguimos fundos do governo dinamarquês para trabalharmos com a história da privacidade na América Latina, um projeto que está sendo desenvolvido juntamente com o programa de pós-graduação da UFSM. Ainda seguindo a ideia de conexões transcontinentais, estou organizando o livro “Privacy at Sea”, dedicado à privacidade na história marítima. Recentemente recebemos fundos de pesquisa para o projeto “Privacy Black & White”, desenvolvido em conjunto com os departamentos de história e de computação da Universidade de Copenhague, no qual junto com minha colega brasileira no Centre for Privacy Studies, Natália da Silva Perez, iremos usar métodos digitais para pesquisar privacidade e encontros raciais no nexo entre a Europa, a África e as Américas.

VOLVER – Como você entende o tempo na construção da cura, especialmente em situações como a experimentada em 2020, com a pandemia da Covid 19? Quais aspectos poderiam ser apontados em relação a outros contextos históricos semelhantes, mas que a cura ocorreu num tempo maior?

NATACHA – As pessoas normalmente associam a ideia de cura com o momento em que os sintomas desaparecem. Mas as curas geralmente acontecem em vários estágios, porque problemas de saúde tem consequências imprevistas, tanto físicas quanto sociais. Analisando outros momentos de epidemias e pandemias na história, temos várias similaridades com o que tem acontecido durante a pandemia da Covid 19. As maneiras de contenção eram as mesmas: lockdowns, evitar aglomerações, limitar a entrada e saída de pessoas de territórios e proteger os indivíduos dos agentes disseminadores. Hoje entendemos o vírus e temos uma tecnologia mais detalhada para estudar e tratar a pandemia, mas no período moderno também usavam máscaras e luvas para evitar os miasmas, faziam uso de quarentenas e experimentavam com ervas, destilados e inoculações para tratar sintomas. Os problemas sociais que emergiram também mostram similaridades, como a busca por bodes expiatórios, discriminações na hora de receber tratamentos, instituições e indivíduos que tentam manter as formas de cura exclusivas para os seus círculos de influência, etc. Olhar para como as pessoas do passado reagiram às epidemias e pandemias nos ajuda a entender o porquê de certas práticas serem implementadas, de onde surge a resistência a certas medidas e as consequências a longo prazo das reações sociais frente à crise na saúde coletiva.

"As pessoas normalmente associam a ideia de cura com o momento em que os sintomas desaparecem. Mas as curas geralmente acontecem em vários estágios, porque problemas de saúde tem consequências imprevistas, tanto físicas quanto sociais."

VOLVER – Como é realizar o Pós-dourado na Universidade de Copenhague? Como foi para chegar até lá?

NATACHA – O Centre for Privacy Studies é um projeto revolucionário nas ciências humanas. A ideia do Centro é usar o formato de laboratórios científicos para estudos históricos, com vários especialistas trabalhando colaborativamente nos mesmos estudos de casos. A proposta é interdisciplinar, contando com pesquisadores de história legal, religiosa, cultural, intelectual, social e arquitetônica. Tem sido uma experiência única! É o meu terceiro pós-doutorado, mas é o primeiro no qual pude me dedicar extensivamente a um campo novo de pesquisa junto com uma equipe de profissionais de excelência interagindo diariamente. 

Para chegar até aqui, tive que passar por várias posições de curto prazo, além de enviar vários projetos que não receberam fundos para serem continuados. O processo de buscar fundos e posições após o doutorado é exaustivo em qualquer lugar do mundo hoje em dia. A Europa tem um mercado bastante saturado, então uma oportunidade de pós-doutorado de maior duração é fundamental para pesquisa continuada. Com certeza, é um grande privilégio!

"A importância de um pensamento histórico crítico é fundamental para não cairmos em certas armadilhas retóricas e o desenvolvimento de novas pesquisas históricas é crucial para que possamos avançar nosso entendimento enquanto humanos em sociedade."

VOLVER – Por que o conhecimento científico e o desenvolvimento da ciência são importantes para a área de conhecimento em que você atua?

NATACHA – Atualmente sofremos muito com revisionismos históricos. Pessoas que não tem nenhum treinamento no campo tem criado narrativas paralelas para justificar suas posições políticas, na maioria das vezes em detrimento de grupos que já foram perseguidos e oprimidos historicamente. A importância de um pensamento histórico crítico é fundamental para não cairmos em certas armadilhas retóricas e o desenvolvimento de novas pesquisas históricas é crucial para que possamos avançar nosso entendimento enquanto humanos em sociedade. Voltar às fontes primárias e às técnicas que nos familiarizam com os vestígios do passado demanda uma gama de conhecimentos e trabalhos extensivos. Contudo, é um passo essencial não só para a compreensão de outros períodos históricos, mas para dar sentido a desenvolvimentos científicos, para analisarmos como chegamos a certos dilemas contemporâneos e para nos entendermos enquanto agentes que fazem história.

VOLVER – Como você se vê daqui 10 anos? Pretende continuar atuando em pesquisas?

NATACHA – Com certeza! Meus próximos passos serão na direção de garantir fundos para continuar a pesquisa histórica e assegurar que colegas e estudantes tenham oportunidade de seguir como pesquisadores também.

 

Texto: Júlia Ferrari

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