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Educação midiática no combate à desinformação



Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM / Líder do Grupo de Pesquisa Desinfomídia (UFSM/CNPq)

Em 1921, o historiador francês Marc Bloch já afirmava, sobre as notícias falsas da guerra, que “o erro só se propaga, só se amplia, só vive com uma condição: encontrar na sociedade em que se difunde um caldo de cultura favorável”. O autor, há mais de um século, apontava a importância de compreender a origem, a forma de espalhamento, e o contexto social em que as notícias falsas se estabeleciam como verdade. Ao falar do “caldo de cultura favorável”, referia-se ao contexto em que a desinformação se difunde, antecipando que as notícias falsas são replicadas por fatores sociopsicológicos que engrossam o caldo da desordem da informação.

Tal como no período vivido por Bloch, temos, na atualidade, um contexto social que favorece a disseminação de conteúdos falsos, impostores, enganosos, que são passados adiante porque muitas pessoas se veem neles representadas, ou porque neles acreditam (eles reforçam seus vieses de confirmação), ou porque compartilhá-los lhes confere alguma vantagem – aumentam a desconfiança do público em figuras, grupos, instituições, fatos ou causas que são percebidos como inimigos a combater. Com a Internet e a popularização das mídias sociais, por meio, sobretudo, dos smartphones, a escala do fenômeno atingiu níveis alarmantes.

Em meio às informações falsas, há, ainda, compartilhamento de conteúdo enganoso em que não há intenção de causar prejuízos, ou de pessoas que enviam esses materiais sem saber que se trata de desinformação, permeando o ecossistema que Wardle e Derakhshan (2017) denominaram desordem informativa.

As plataformas digitais, que dominam a comunicação nos dias de hoje, lucram alto com a ampla circulação de desinformação e discursos de ódio. Esses conteúdos engajam mais os usuários e acabam sendo priorizados pelos algoritmos, que definem o que terá mais visibilidade e alcance para mais gente, reforçando as bolhas ideológicas e as câmaras de eco – em que os que
ali se ‘informam’ ficam limitados a teorias da conspiração sobre a ciência e a política, por exemplo.

Esse é o caldo cultural que hoje alimenta a desinformação e torna o trabalho do jornalismo e dos checadores de fatos cada vez mais desafiador. Com a polarização e a radicalização on-line, a informação checada, confiável, baseada na ciência e nos valores democráticos fica cada vez mais distante desses grupos, pois eles não confiam na imprensa ou nas pesquisas feitas nas universidades. Qual é então a saída?

A regulação das plataformas é uma das alternativas necessárias e urgentes para combater, ao menos parcialmente, a circulação de conteúdos desinformativos e prejudiciais à cidadania e à democracia. No entanto, é preciso que nosso “caldo de cultura” se torne desfavorável, a longo prazo, às tentativas, que não cessarão, de desinformar para manipular. Estudiosos de diversos países têm apontado a educação midiática como uma das estratégias mais eficazes e duradouras contra a desinformação, o ódio e a radicalização.

Para o pesquisador colombiano em estudos para a União Europeia sobre educação midiática, Tomás Durán Becerra, ela seria uma evolução do conceito de educomunicação, que teria incorporado as demandas trazidas pela era digital. “Hoje em dia, alfabetização para a mídia tem a ver com a quantidade de dados que os aplicativos reúnem (localização, contatos, fotos), com a proteção desses dados, privacidade, entre outros temas. É um direito estendido ao da alfabetização, que concede acesso ao debate democrático.”

Outro termo bastante empregado para se referir às competências necessárias para se viver no universo midiático atual é o de “media literacy”, que alguns traduzem como alfabetização para as mídias, embora seu foco esteja no trabalho com as habilidades que os meios demandam, hoje, dos usuários. De acordo com Fraga (2019), organizações jornalísticas têm usado a media literacy para fortalecer o relacionamento com seus públicos e a confiança deles no jornalismo, além de formar leitores mais preparados e críticos, e resgatar a importância da mediação jornalística em um cenário em que consumidores são, também, produtores e replicadores de conteúdo.

A Unesco tem utilizado o conceito de “alfabetização midiática e informacional” para se referir às estratégias que buscam criar “uma base para aumentar o acesso à informação e ao conhecimento, intensificar a liberdade de expressão e melhorar a qualidade da educação”.

No Brasil, o projeto Educa Mídia, do Instituto Palavra Aberta, tem levado a educação midiática a professores de todo o Brasil, formando multiplicadores para transformar crianças e jovens em cidadãos comprometidos com a informação de qualidade, o consumo consciente das mídias e a participação nesses meios como forma de empoderamento social. No entanto, a educação midiática não se restringe aos estudantes do ensino fundamental e médio. Ela deve fazer parte dos currículos dos cursos de nível superior, não apenas da área da comunicação. Além disso, pode ser levada à sociedade como um todo, por meio de oficinas e projetos diversos.

Na região do Médio Alto Uruguai, no Norte do Rio Grande do Sul, estamos desenvolvendo uma parceria com rádios comunitárias, por meio de um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pela qual serão ministradas oficinas aos trabalhadores dessas emissoras, visando conscientizar da importância do rádio na disseminação de informação de qualidade.

Serão também produzidos conteúdos sonoros, pelos estudantes do curso de Jornalismo, para veiculação nessas rádios, esclarecendo mentiras e boatos que circulam no ecossistema midiático, com foco nas áreas da Ciência (abarcando saúde e meio ambiente), Mídia (diferença entre fato e opinião, por exemplo) e Cidadania (informações verificadas sobre democracia e sistema político). Outros projetos também serão levados a escolas da região para capacitação de professores e estudantes, com estratégias de educação midiática no enfrentamento e combate da desinformação.

Sabe-se, contudo, que algumas décadas terão se passado até que tenhamos resultados robustos que mostrem um arrefecimento do problema da desinformação. Felizmente, há muitas ações, em diversas frentes, sendo colocadas em prática mundo afora. A esperança é que nosso “caldo de cultura” se torne cada vez menos propício à desinformação e seus correlatos.

Nota da Redação – O Programa de Combate à Desinformação (PCD) foi lançado em maio de 2022 pelo Supremo Tribunal Federal com o objetivo de enfrentar as práticas de desinformação que afetam a confiança das pessoas no STF, distorcem ou alteram o significado de suas decisões e, desta forma, colocam em risco os direitos fundamentais dos brasileiros e a estabilidade democrática do País. O grande arco de parcerias do PCD inclui o Tribunal Superior Eleitoral e entidades da sociedade civil organizada, incluindo universidades, entidades não governamentais e o Instituto Justiça & Cidadania – que disponibiliza em suas edições artigos de acadêmicos envolvidos com a iniciativa.

Publicado por Revista Justiça & Cidadania, em 4 de maio de 2023

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