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A rotina na segunda trajetória

Cadáveres humanos e animais participam da formação de profissionais na UFSM há cerca de cinquenta anos



Como é a rotina de uma vida acadêmica? É comum vermos reportagens relatando a história de professores e estudantes ao passarem pela universidade. Dentistas, zootecnistas, educadores físicos, médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros, são profissionais que, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), tiveram um ponto em comum no currículo acadêmico: a passagem pelo Departamento de Morfologia. Entretanto, aqui não pretendemos nos deter no cotidiano desses estudantes. Queremos ir por um caminho além do tradicional, o de relatar a trajetória que é percorrida pelos protagonistas principais dos estudos anatômicos – os cadáveres – no principal cenário de atuação – o Departamento de Morfologia.

“Quando o corpo chega aqui no Departamento, temos que prepará-lo. Através de acesso arterial, injetamos o formol, que irá penetrar nos tecidos para garantir a fixação do corpo. O período médio de fixação leva em torno de seis meses. Esse mesmo formol serve como conservante para o corpo ao longo dos anos.” Gian Marcon – Técnico em Anatomia e Necrópsia

“O cadáver fechado é como um livro envolto em plástico. Quando temos um cadáver inteiro sem uso, precisamos dissecá-lo para utilizar. […] No que consiste o processo de dissecar? É expor as estruturas que precisam ser estudadas. Não pegamos o cadáver formolizado e levamos para a sala de aula, porque primeiro é necessário fazer procedimentos, como incisão na pele, retirada de gordura. […] Isso acontece conforme a demanda das aulas – às vezes se precisa mais de mão, ou de abdômen – então vamos dissecando o corpo como se fossem páginas de um livro. Rebatemos o tecido adiposo, as fáscias musculares… até chegar na estrutura alvo que necessitamos estudar. Seguimos o tipo de incisão preconizada para a região corporal que estamos precisando. Existem manuais de dissecção que explicam como proceder com cada passo.” Dorival Terra Martini – Professor de Anatomia Humana

“Quando o cadáver chega, a gente faz injeção de formol através da artéria femoral. Então, deixamos a solução de formol penetrando nos tecidos através dos vasos sanguíneos por 24 horas. Apenas depois disso é que iniciamos a dissecção e, então, começam os estudos das estruturas. Inicialmente, fazemos dissecção das estruturas mais superficiais e, depois que elas já estiverem mais comprometidas devido ao desgaste natural pelo uso do material, voltamos a dissecar a fim de expormos estruturas mais profundas.” Gian Marcon – Técnico em Anatomia e Necrópsia

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“O profissional responsável pela dissecção é o técnico em anatomia e necropsia. Nós, professores, também dissecamos, mas não com a mesma frequência e intensidade que os técnicos. Alunos em monitoria ou que fazem parte de projetos podem acabar dissecando também.” Carlos Eduardo Seyfert – Professor de Anatomia Humana

“A gente trabalha tanto com animal quanto com humano e o procedimento em si é o mesmo; os materiais utilizados são os mesmos. Para dissecar, utilizamos pinça, bisturi, tesoura, luvas, máscaras, botas. Conservamos os cadáveres em tanques de solução de formol a 5%, normalmente. […] O material é recebido, processado e armazenado no subsolo do prédio 19. As aulas práticas com cadáveres humanos são no primeiro andar e as que utilizam cadáveres de animais são no subsolo do prédio. Conforme for solicitado pelos professores, a gente monta cada aula. A preparação começa um dia antes; tiramos o material do formol e deixamos escorrer o máximo de formol possível, para não ficar em muita solução e o cheiro forte em aula.” Gian Marcon – Técnico em Anatomia e Necrópsia

“Conseguimos atender até quatro cursos de graduação ao mesmo tempo, com três turmas com cerca de trinta alunos e uma com sessenta. E temos material para tudo isso. De qualquer forma, na anatomia animal é bem mais tranquilo, porque temos um hospital veterinário aqui na Universidade e alguns animais que vêm a óbito acabam sendo encaminhados para o Departamento. Nas aulas práticas, são vários corpos e cerca de quatro ou cinco alunos para cada mesa. No curso de Medicina, trabalhamos com doze mesas. Não teremos um corpo inteiro em cada mesa, ,neste curso os doze grupos fazem rodízio em todas as mesas com três professores acompanhando às aulas.” Carlos Eduardo Seyfert – Professor de Anatomia Humana

“Na disciplina de Anatomia e Escultura Dental, cada aluno deve trazer doações de dentes humanos. Para conseguir isso, levamos um termo de doação para que os dentistas nos cedam esses dentes. No laboratório dessa disciplina, existe um acervo de dentes secos – e são muitos, muitos mesmo -. A gente utiliza para estudar a anatomia, para aprender a identificar qual dente é, e também servem de amostra para pesquisas.” Bernardo Munareto  – Estudante de Odontologia

“Durante as aulas, eu peço aos alunos que prendam os cabelos, que usem sapato fechado e luvas; o uso da pinça é facultativo; e ressaltamos sempre o respeito ao cadáver. Não permitimos fotografia nem filmagem dentro da sala de aula. Eu, no início do semestre, converso com os alunos sobre a importância, a nobreza deste estudo e a dificuldade que é para conseguir o material. Os problemas são raros… mas acontece, às vezes, de um aluno desmaiar, não conseguir comer no Restaurante Universitário depois da aula, de dificuldades com perda recente de familiares… O fato de olhar o rosto, às vezes, causa um certo desconforto. Com corpos recém doados, normalmente, se tapa o rosto. Alguns alunos não querem ter aula em cadáver inteiro, preferem com as estruturas isoladas; mas vai muito de cada turma.” Dorival Terra Martini – Professor de Anatomia Humana

“Lembro que uma vez teve uma menina que, durante a aula, percebemos que estava passando mal. Olhamos pra ela e ela estava muito branca, mais branca que um papel, mas tinha saído de casa sem tomar café da manhã, eu acho. Depois tomou água, comeu alguma coisa e ficou bem, mas eram as primeiras práticas. […] Durante as aulas, sempre recebemos orientações por parte dos professores para não fazer comentário de mau gosto e cuidar das peças para não deteriorar.” Jainara Medina Teixeira – Estudante de Fonoaudiologia

“O sistema nervoso é extremamente frágil e, por isso, utilizamos peças sintéticas. Para os demais estudos, temos corpo humano. O material sintético vai ser normalmente um igual ao outro, podendo apresentar pequenas diferenças; já um estudo com cadáveres proporciona maior variedade no aprendizado, porque cada corpo possui suas particularidades, em relação à localização e trajeto de nervos, veias e músculos, por exemplo.” Jainara Medina Teixeira – Estudante de Fonoaudiologia

“Corpos inteiros estão guardados em lugar de corpos inteiros, membro inferior em outro, coração por serem menores em caixas plásticas. Mesmo que os corpos venham inteiros, ao longo do tempo, é preciso separar em partes para vermos como são por dentro.” Carlos Eduardo Seyfert – Professor de Anatomia Humana

“Aqui no Departamento, há um cavalo e uma vaca que vieram da Alemanha há cerca de quarenta anos. […] As estruturas anatômicas humanas e animais são muito parecidas; há algumas especificidades em relação ao tamanho e à posição de estruturas.” Gian Marcon – Técnico em Anatomia e Necrópsia

“Há corpos que já estão na UFSM há cerca de trinta anos. Antigamente, existia um maior número, mas hoje é mais difícil de conseguir, tanto pela legislação quanto pelo aumento no número de escolas de saúde. […] Atualmente, não há uma falta, mas é um material escasso e se não renovarmos, um dia vão acabar.” Carlos Eduardo Seyfert – Professor de Anatomia Humana

 

As fotografias utilizadas nesta reportagem foram autorizadas pelo Departamento de Morfologia da UFSM.

 

Reportagem: Claudine Freiberger Friedrich

Fotografia: Rafael Happke

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