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A quadra pode parecer um lugar democrático: quem tem talento, joga. No entanto, para as mulheres, esse caminho é repleto de obstáculos. Na UFSM, os times femininos enfrentam muito mais do que adversárias, lidam com estruturas precárias, preconceitos e, muitas vezes, com o silêncio institucional.
A técnica do Handebol Feminino da UFSM, Ysadora Freitas, afirma que é necessário ter postura e conduta para conquistar respeito. Com mais de 10 anos de experiência como atleta e agora como treinadora, ela fala com propriedade sobre o que é liderar uma equipe em um ambiente ainda marcado pela desigualdade. “Já vivi o machismo na pele, em diferentes contextos. Quando sou a única mulher em reuniões técnicas ou em competições, a postura das pessoas muda”, expõe. Ysadora conta que hoje consegue lidar melhor com essas situações, pois há homens que a auxiliam na beira da quadra. “Eles me ajudam a fazer os outros me escutarem.” O relato mostra uma realidade recorrente entre mulheres do esporte: é preciso provar o tempo todo que o trabalho desenvolvido é sério.
A mesma sensação aparece nas falas das jogadoras. “A gente tem que espernear, gritar, para ter um reconhecimento que no masculino é básico, algo normal”, relata a atleta da equipe UFSM/Dallas Futsal, Elizabeth Amaral Neves. Mesmo com um histórico de conquistas tão relevante quanto o masculino, o time feminino ainda enfrenta desafios relacionados à visibilidade e valorização. Atualmente, composto por metade das atletas da universidade e metade de fora, a diversidade enriquece o elenco, mas também torna difícil conciliar horários de treino com o calendário acadêmico. “Semana de prova, aula à noite, projetos… tudo interfere”, comenta Elizabeth.
Falta estrutura básica. As atletas de Futsal relatam que um dos ginásios não tem condições adequadas para sediar jogos, e, quando chove, a umidade impossibilita o treino. Além disso, embora haja apoio de fisioterapeutas, o time ainda carece de nutricionistas e psicólogos. A jogadora ainda afirma: “A gente tem o curso de Nutrição na universidade, mas não consegue trazer esses alunos para o projeto. A maioria prefere atuar com os meninos.”
Para as jogadoras do Voleibol UFSM, Caroline Cipolatto e Lívia Lese, o esporte feminino tem recebido mais apoio nos últimos anos, mas ainda há diferenças claras de tratamento por gênero. “A gente ia para torneios em que o feminino era deixado para jogar no domingo, enquanto o masculino podia escolher entre sábado e domingo. Até hoje, a premiação é o que mais mostra essa diferença”, conta Caroline. Lívia cita a lista de 100 atletas mais bem pagos do mundo, divulgada pelo site Sportico: “Todos são homens. Não sei quando vai aparecer uma mulher nessa lista. É uma luta.”
A representatividade feminina nas comissões técnicas é uma conquista. “Eu gosto de ver a mulher em posição de comando”, diz Caroline. O projeto Voleibol conta com uma comissão técnica formada majoritariamente por mulheres – treinadora, auxiliar, preparadora física e fisioterapeuta – além do apoio de professoras da Educação Física, Nutrição e Medicina da UFSM.
A equipe de Basquete feminino da UFSM também enfrenta dificuldades. O time nasceu em 2022 quando algumas atletas foram convidadas a disputar um campeonato 3×3 no Ceará. Sem equipe técnica e com um grupo pequeno, elas jogaram contra adversários experientes e voltaram com o título dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) . Ali começava a construção de uma equipe que hoje representa o estado na Liga Gaúcha e no JUBs. Assim como no futsal, a rotina também não é fácil. Entre treinos à noite, aulas durante o dia e infraestrutura limitada, as atletas se dividem para manter o sonho vivo. Das quatro quadras disponíveis na universidade, apenas uma possui medidas e tabela oficiais para o basquete.
A capitã do time de basquete, Evelyn Spengler, rompeu o ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho em novembro de 2024, durante os Jogos Interatléticas de Santa Maria (JISM). Em dezembro, passou por cirurgia e desde então vive o desafio da recuperação e do afastamento temporário. “A parte mais difícil é não poder jogar. Não poder estar ali com as gurias, não ajudar como ajudava antes.” Ela é formada em Fisioterapia, cursa Educação Física e organiza sua vida em torno do esporte. “Já deixei de ir a aniversário para estar no treino. Meu foco sempre foi: primeiro o treino, depois os outros afazeres.” Hoje, ela apoia e incentiva a equipe de fora da quadra, enquanto treina individualmente.
Evelyn lamenta a ausência de categorias de base no basquete em Santa Maria e no estado, e aponta a falta de incentivo desde a escola como um dos principais entraves para que mais meninas se interessem pela modalidade. Para ela, embora a visibilidade do esporte feminino universitário tenha crescido, a falta de divulgação e investimento ainda desmotiva muitas atletas. “Se não tem renda com o esporte, a mulher tem que trabalhar. Aí muitas desistem, mesmo com talento. Quantas ‘Martas’ já não foram perdidas por isso?”, questiona. A desigualdade de tratamento e visibilidade é a maior barreira, segundo a jogadora,. Enquanto o masculino é impulsionado por mídia e lucro, no feminino é preciso lutar todos os dias apenas para ser vista.
Na UFSM, a estrutura oferecida ao time de basquete também é limitada, e o espaço é disputado pelas demais modalidades como futsal e handebol, o que obriga o grupo a treinar em quadras menores, em horários alternativos, geralmente à noite. “Às vezes começamos às oito e terminamos depois das dez da noite, porque é o único horário possível. A maioria das gurias tem aula, estágio, trabalho… e mesmo assim, seguem firmes”, explica Evelyn.
O apoio da Universidade é importante, mas ainda insuficiente. A UFSM oferece materiais de treino, acesso à academia e, quando possível, transporte para competições. No entanto, quando se trata dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), por exemplo, o suporte vem do Governo do Estado Rio Grande do Sul através da Secretaria de Esporte e Lazer (SEL), que garante transporte aéreo, além de todo suporte logístico durante a realização dos jogos.

Ser vista também é vencer
Os relatos revelam que o esporte universitário feminino vai muito além da competição. Funciona também como espaço de resistência, onde mulheres enfrentam diariamente a falta de estrutura, o machismo e a invisibilidade. Ainda assim, seguem firme, treinam, competem e abrem caminhos para que outras mulheres ocupem esse lugar. A busca por igualdade atravessa tanto a quadra quanto a vida fora dela. Vencer, nesse contexto, é também ser reconhecida, ser vista, ser valorizada.
Reportagem: Jaíne Cristofari e Clara Basso
Contato: jainecristofari@gmail.com / claraantonelobasso2006@gmail.com