Ir para o conteúdo .TXT Ir para o menu .TXT Ir para a busca no site .TXT Ir para o rodapé .TXT
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

O Peso da Rotina

Como os universitários buscam equilíbrio entre a rotina possível e o modelo Instagramável.



Segundo o dicionário Aurélio, rotina é um substantivo feminino que significa a sequência de ações, algo que se faz todos os dias da mesma forma. A rotina pode ser usada com o objetivo de resolver problemas recorrentes e alcançar resultados. Elas são como regras que reduzem a incerteza e coordenam atividades, conforme explicado no artigo Rotinas – Uma Revisão Teórica da professora Rosiléia Milagres da Universidade Estadual de Campinas, publicado na Revista Brasileira de Inovação, da mesma universidade. 

 Com o passar dos anos, as redes sociais digitais tornaram-se cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, era de se esperar que elas se relacionassem com suas rotinas, o que influencia diretamente na organização do dia a dia dos usuários. Rotina de produção, de estudos, de exercícios, independente do objetivo, ela está presente na vida das pessoas há muito tempo. A organização é uma aliada quando supre as necessidades cotidianas, mas pode ser  vilã, se idealizada.

 O psicólogo, mestre em psicologia social da personalidade, Renato Favarin dos Santos, explica a ação da rotina na saúde das pessoas. Renato trabalha na Coordenadoria de Ações Educacionais (CAED), na Subdivisão de Educação e Saúde, onde ajuda os estudantes a lidarem com o processo de formação acadêmica. Ele explicou que, na maioria dos casos, em que seus pacientes relatam estresse e ansiedade com as tarefas da universidade, pode-se perceber um problema em relação à rotina. 

Para um dia produtivo, o psicólogo orienta que uma boa noite de sono, boa alimentação e momentos de lazer são indispensáveis para conseguir cumprir as tarefas do dia. A rotina não é sempre absoluta e regrada, como sua definição teórica indica, e  Renato alerta que ela pode ser uma geradora de sofrimento e angústia. “Alguns chegam aqui já sabedores de que a rotina é importante, mas com uma ideia de ‘rotina ideal’, que hoje em dia está muito em alta na internet, “ disse o psicólogo sobre os relatos dos estudantes. 

Ainda na área da Psicologia, o psicanalista Sigmund Freud explica o conceito  do “princípio do prazer”, que é quando a mente busca uma gratificação imediata, sensação de controle, ordem e segurança. A rotina pode ser entendida a partir disso, por conta da sensação de dever cumprido das tarefas estipuladas para o dia. Com base nos estudos de Freud, a teoria da compulsão explica que, a repetição se torna um padrão automático, que auxilia no controle da ansiedade.

No entanto, a ideia de “rotina ideal” não surge por acaso. Ela é, muitas vezes, moldada por discursos, imagens e vídeos que circulam nas redes sociais digitais, onde os influenciadores digitais transformam seu dia a dia em conteúdo altamente editado, esteticamente atraente e até mesmo comercial. Foi o que apontaram os professores e pesquisadores Vinicius Kenji Shimazaki e Márcia Matos Pinto da Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo (FATEC), ao analisar em seu artigo, A influência das redes sociais na vida dos seres humanos como as novas tecnologias vêm reconfigurando identidades, comportamentos e o modo de viver da sociedade na era digital. O texto mostra que o modo como as pessoas constroem e compartilham suas vidas nas redes digitais não só altera a percepção que as pessoas têm de si mesmas, mas também a forma como os outros passam a entender e, na maioria das vezes, idealizar o que é uma “vida organizada” ou “produtiva”.

Nos meios digitais, a rotina deixa de ser apenas uma ferramenta pessoal de organização e passa a ocupar o lugar das aparências. Diante disso, tarefas habituais como acordar cedo, estudar ou até mesmo preparar uma refeição são exibidas com filtros, tornam-se o exemplo de modelo a ser seguido. 

O problema desse tipo de exposição é que ele tende a esconder os fracassos, a desorganização e o cansaço, que também fazem parte da vida, o que, como abordado anteriormente, cria um padrão de rotina idealizada e inalcançável. A repetição desse modelo nas plataformas digitais reforça um imaginário coletivo de que existe uma maneira específica de viver bem, estudar melhor e ser mais eficiente, mas na prática essa “rotina perfeita” não é coerente com a realidade da maioria das pessoas.

Por meio de um formulário on-line disponibilizado no período de um mês, durante o primeiro semestre do ano, buscou-se compreender como os estudantes da UFSM lidam com a rotina, como a organizam, o que pensam sobre ela e onde consomem conteúdos relacionados ao tema. O questionário foi respondido por 37 alunos de diferentes idades, gêneros, cursos e centros de ensino da Universidade. A maioria afirmou ter algum tipo de rotina, embora ela não seja fixa, variando conforme a disponibilidade de tempo. Em geral, a organização diária é feita a partir dos horários das aulas. Poucos citaram práticas adicionais. Apenas um aluno demonstrou preocupação em dormir cedo, outro mencionou a inclusão de esportes, e nenhum relatou dedicar tempo específico ao lazer.

Em relação às redes sociais digitais, metade dos participantes relatou ver com frequência, em sua “for you” (para você) do Instagram, vídeos sobre rotina. No entanto, afirmam que não se inspiram nesse tipo de conteúdo. Para organizar o dia a dia, alguns acadêmicos disseram utilizar métodos de gerenciamento de tempo de estudo como a técnica pomodoro (técnica de gestão de tempo que divide o trabalho em pequenos intervalos) e ferramentas de organização como Google Agenda ou Notion. Também destacaram que mudar de ambiente contribui para a concentração, por isso preferem estudar em espaços mais reservados, como bibliotecas, laboratórios e outros ambientes da própria Universidade. Embora a maioria descreva a rotina de forma positiva, muitos admitem ter dificuldade em mantê-la.

Diante de tantas possibilidades, expectativas e modelos compartilhados diariamente nas redes sociais digitais, é importante lembrar que a rotina ideal não tem a obrigação de ser bonita ou produtiva aos olhos dos outros. Como reforça o psicólogo Renato, cada rotina é única e precisa ser construída de forma coerente com a própria realidade. A pesquisa dos professores Vinicius e Márcia também mostra que a rotina deve ser uma aliada, um recurso para organizar a vida, e não um padrão idealizado. No fim das contas, talvez o mais importante seja entender que, longe dos filtros e das plataformas digitais, a rotina não é, e não precisa ser perfeita, só precisa ser possível.

Entre vídeos e pausas: Um jeito real de viver a rotina

Ilustração de Roberta, estudante de Farmácia. Ilustração: Ana Rebeca Ramos Machado

Às 6h30 da manhã, Roberta Marchesan já está de pé. Mesmo depois de dormir tarde estudando para alguma prova, ela se levanta, prepara um café e começa mais um dia de aulas, estágios, gravações e organização. Estudante de Farmácia na Universidade Federal de Santa Maria, Roberta faz parte de um grupo crescente de universitários que dividem sua rotina com seus seguidores nas redes sociais. 

Estudante do sétimo semestre, Roberta começou a postar vídeos ainda no ensino médio, compartilhando muitos de seus resumos, a pedido de alguns colegas. O perfil cresceu aos poucos, virou companhia durante a pandemia e hoje atrai seguidores interessados em organização, dicas acadêmicas e reflexões sobre saúde mental. Seus seguidores, em sua maioria mulheres também da área da saúde, acompanham dicas sobre a faculdade, momentos do dia e reflexões sobre autoestima. Ela diz que a organização a ajuda a ter clareza sobre como está se sentindo, que se vê tudo muito “carregado”, tenta aliviar no decorrer dos dias.

Apesar da organização, Roberta não compartilha uma rotina perfeita. Pelo contrário, se preocupa em mostrar que dias difíceis também existem. “Não gosto de vender uma vida que não vivo. Gosto de influenciar, mas com realismo”, explica. Para ela, os vídeos que romantizam produtividade extrema podem gerar frustração. Por isso, escolhe compartilhar o que faz sentido para si, mesmo que isso signifique cortar uma parte do vídeo que a deixou desconfortável.

Quando o relógio marca 23h, Roberta finalmente encerra o dia. A rotina pode até começar cedo, mas não precisa seguir o roteiro de ninguém, apenas o dela.


Repórteres: Fabiola Nicoletti e Matheus Bernardes

Contato:  fabiola.nicoletti@acad.ufsm.br/ matheus.bernardes@acad.ufsm.br 

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-714-4090

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes