O envelhecimento saudável é um desafio global. Em uma sociedade que, muitas vezes, marginaliza corpos que envelhecem, iniciativas como o projeto Feliz(c)idade, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ganham ainda mais relevância. Coordenado pela professora Melissa Braz, do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia, a iniciativa foi uma das selecionadas pelo edital PROEXT-PG e busca oferecer espaços voltados para o cuidado integral de pessoas idosas.
Entre as atividades desenvolvidas pelo projeto Feliz(c)idade estão ações junto aos grupos Corpo Mais, Mexe Coração e Renascer. Esses grupos já existiam anteriormente, e o projeto passou a atuar com eles a partir de 2024. Cada um deles trabalha aspectos específicos do envelhecimento, combinando atividades físicas, rodas de conversa e práticas voltadas à saúde física e emocional. O grupo Corpo Mais é focado na promoção de saúde com ênfase em exercícios: há uma turma de ginástica e outra de dança. O Renascer surgiu da necessidade de acolher mulheres com histórico de câncer de mama, muitas delas em fase de reabilitação. Já o Mexe Coração é composto por idosos, na maioria mulheres com idade superior a 70 anos, que participam regularmente de atividades físicas orientadas, em especial aulas de dança (veja mais detalhes sobre cada grupo no final da matéria).
Saberes partilhados
Os temas abordados nas atividades dos grupos costumam surgir das demandas dos próprios participantes. No grupo Renascer, por exemplo, entre os temas mais recentes solicitados estão alimentação, cuidados com a pele no verão e questões relacionadas à memória e às demências. “Elas pediram pra gente fazer atividades cognitivas nos encontros”, conta a professora Melissa. Além das discussões e atividades físicas e educativas, os grupos celebram datas comemorativas, como Páscoa e São João, fortalecendo os vínculos afetivos e promovendo o bem-estar coletivo.

A integração entre ensino, pesquisa e extensão é uma das marcas do Feliz(c)idade. O projeto permite que os estudantes do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia vinculem seus temas de pesquisa às ações desenvolvidas com a comunidade. “A gente vem incorporando o conhecimento dos mestrandos às atividades de extensão, popularizando o que eles têm estudado com os participantes do grupo”, destaca Melissa Braz.
A enfermeira e mestranda em Gerontologia Jéssica Ferreira dos Santos relata que a experiência tem sido marcante em sua trajetória acadêmica. “Pude vivenciar, de forma direta, desafios e potenciais inerentes ao processo de envelhecimento e refletir sobre como as interações intergeracionais enriquecem tanto a vida dos idosos quanto a formação acadêmica e pessoal de quem dedica cuidados a eles”, afirma.
Ressignificar o envelhecer
O impacto do projeto na vida dos participantes vai além da promoção da saúde física e cognitiva. Melissa Braz salienta os aspectos emocionais e sociais que emergem, especialmente no grupo Renascer – voltado a mulheres que já passaram ou estão em tratamento oncológico. “Algumas mulheres chegam nervosas, numa fase muito sensível do tratamento, logo depois que recebem o diagnóstico, antes de passar por uma cirurgia”, relata. Nesse contexto, o acolhimento oferecido pelo grupo – tanto pelos estudantes e profissionais envolvidos quanto pelas demais participantes – torna-se fundamental. A convivência entre pessoas que compartilham experiências semelhantes é uma das forças do projeto. “Elas comentam essa importância de estar no meio dos pares, das pessoas que já viveram situações que elas estão vivendo”, afirma Melissa.
Nos demais grupos, os relatos também mostram transformações significativas. No Corpo Mais, por exemplo, o exercício físico se revela um catalisador de bem-estar. “As pessoas contam que muitas vezes chegavam deprimidas, cansadas, sem energia para nada, e agora percebem outra relação com o corpo”, relata a professora. Com mais disposição, elas voltam a realizar tarefas diárias com autonomia e prazer — seja brincar com os netos ou retomar rotinas já esquecidas.
De acordo com o professor Gustavo Duarte, coordenador do projeto Corpo Mais, a proposta atual amplia o olhar sobre o envelhecimento, promovendo encontros entre diferentes gerações. “Antes eu trabalhava só com o público 60+. Hoje, abri o grupo para incentivar essas relações a partir dos 40 anos. É uma forma de as pessoas se prepararem para o seu envelhecimento. E os idosos não ficam só num gueto, num grupo só com gente da mesma idade”, explica.
A professora aposentada de Educação Física, Vera Regina Duarte, de 74 anos, conta que decidiu participar do projeto Corpo Mais por gostar muito de dançar e por sentir necessidade de se exercitar. “Esses encontros significam muito pra mim. Além de conhecer outras pessoas, são momentos de muita descontração e alegria. Participando desse projeto, aprendi a necessidade de nos exercitar e conviver com pessoas diferentes do nosso círculo de amizade”, declara. Já a costureira aposentada Eva dos Santos de Oliveira, de 79 anos, participa do grupo Renascer e do Mexe Coração: “Aprendi muito sobre o câncer de mama, e gosto muito de todas as atividades e das colegas. A cada dia faço novas amizades”, reforça.
Envelhecimento ativo
O envelhecer ativo é a tônica do projeto. “A gente não está olhando pro ‘não’. A gente está olhando para as possibilidades”, resume Melissa Braz. O foco está na valorização do que cada pessoa ainda pode fazer — e não nas limitações impostas pelo tempo.
As atividades físicas visam preservar a autonomia, estimular a confiança e promover qualidade de vida. Cada exercício respeita as condições individuais, com o objetivo de fortalecer o protagonismo na própria saúde. Afinal, como destaca a coordenadora, o perfil das pessoas idosas mudou: muitas são ativas, engajadas e determinadas a viver com plenitude.

Essa visão é compartilhada pelo professor Gustavo, que ressalta o valor do envelhecimento ativo e da busca por bem-estar. “Ao participar do projeto, as mudanças são muitas, desde a parte física que a gente trabalha — questões de equilíbrio, memória, fortalecimento muscular — até o prazer que a dança e a ginástica proporcionam”, afirma. Ele também observa que os alunos idosos são os mais assíduos e quase não faltam às aulas do projeto. “Valorizam o tempo presente”, complementa.
Visibilidade para o envelhecer
O envelhecimento já não se parece com o que víamos há poucas décadas. Vivemos mais, com mais qualidade de vida, acesso à informação e participação social. Ainda assim, como ressalta Melissa Braz, os corpos envelhecidos seguem sendo marginalizados. “É um grupo que não tem as necessidades ouvidas nem satisfeitas. Nosso papel é dar visibilidade para essas pessoas, proporcionar saúde e qualidade de vida”, enfatiza. Ao coordenar o projeto de extensão, ela destaca a importância de romper com essa invisibilidade e construir espaços em que as pessoas idosas possam se expressar, compartilhar vivências e seguir aprendendo.
Para Melissa, os encontros promovem transformações profundas, tanto para quem participa quanto para quem coordena. Conviver com as pessoas idosas, para ela, é uma aula constante sobre sonhos, sabedoria e resistência. Ouvir as histórias, desejos e planos de quem já percorreu tantos caminhos ajuda a ressignificar o envelhecer — inclusive para quem está só começando a pensar nessa fase da vida. A troca geracional também marca a trajetória do professor Gustavo Duarte. Ele observa que os idosos oferecem lições valiosas sobre presença e valorização da vida cotidiana: “A maioria dos idosos que faz ginástica e dança comigo valoriza, no dia a dia, as pequenas coisas, não só as grandes. Isso é um grande aprendizado, né? Que eu levo para a minha vida e tento passar para os alunos também”, finaliza.
Como participar?
A participação nos grupos do projeto Feliz(C)idade é aberta à comunidade. Os encontros seguem durante todo o ano letivo da Universidade e fazem uma pausa apenas durante o recesso acadêmico.
Projeto Corpo Mais
Responsável: Gustavo Duarte
Para quem: Pessoas a partir de 40 anos
Local: CDA (complexo Didático Artístico, ao lado do CEFD, no campus da UFSM)
Dia: Quartas-feiras
Horários:
Ginástica e Ritmos : 14h
Grupo de Danças: 15h
Inscrições: A partir de agosto. As orientações serão divulgados no site do CEFD
Mexe Coração
Responsável: Marlon Crestani
Para quem: Idosos a partir de 60 anos
Local: Antiga Reitoria – UFSM
Dia e horário: Segundas e quintas-feiras, às 15h
Inscrições: O ingresso ocorre prioritariamente por convite de participantes já integrados ao projeto
Grupo Renascer
Responsável: Melissa Braz
Para quem: Mulheres com câncer de mama
Periodicidade: Quinzenal. Próximo encontro será dia 13 de maio
Dia e horário: Terças-feiras, às 14h
Local: prédio do CEREST, Alameda Santiago do Chile, 435, próximo ao Hemocentro de Santa Maria
Inscrições: Não é necessário processo seletivo nem inscrição prévia. Basta chegar com um pouco de antecedência no local e conversar com a responsável
Mais informações: (55) 99975-7026 (professora Melissa)
Reportagem: Luciane Treulieb, jornalista
Ilustração: Evandro Bertol, designer