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UFSM e agricultores da Serra Gaúcha se unem para recuperar solos atingidos pelas enchentes

Projeto de extensão orienta sobre a adoção de práticas de manejo que fortalecem a resiliência da terra diante das mudanças climáticas



As enchentes de maio de 2024 provocaram erosões e deslizamentos que comprometeram a produção agrícola da Serra Gaúcha. Um levantamento coordenado pelo professor Gustavo Brunetto, do Departamento de Solos da UFSM, mostrou que o solo perdeu cerca de 85% da matéria orgânica — recuperação que pode levar de 14 a 40 anos.

A partir desse diagnóstico, o projeto revelou a dimensão do problema e passou a orientar soluções de manejo viáveis para recuperar áreas degradadas e preparar a terra para resistir a eventos extremos cada vez mais frequentes. 

 

Manejo em condições adversas

Segundo Brunetto, o primeiro passo para recuperar áreas degradadas deve ser avaliar o solo. Mas essa não é a solução definitiva: a proteção contínua é o que garante resultados duradouros.
“Você tem que proteger o solo para que, se no futuro chover de novo com aquela intensidade, menos terra seja perdida”, explica o pesquisador. Para isso, ele recomenda a adoção de técnicas de conservação.

Uma das principais estratégias é o uso de plantas de cobertura. Elas podem ser espécies nativas ou cultivadas e devem ser semeadas entre linhas de videiras e pessegueiros. Essas plantas formam uma camada que protege contra a erosão, melhora a estrutura do solo e contribui para a ciclagem de nutrientes.
“Elas absorvem nutrientes, crescem, completam o ciclo e depois retornam para o solo, enriquecendo-o”, explica Brunetto.

Ele compara a técnica a um pão coberto por nata:
“A nata seria a planta de cobertura. Ela não só está protegendo o solo, mas também repondo matéria orgânica, que foi perdida.”

Entre as espécies indicadas estão aveia, azevém e trevo, cultivadas justamente no período de maior intensidade de chuvas, de abril a setembro. O pesquisador lembra que o Sul do Brasil é referência no uso dessas técnicas, mas parte dos produtores havia abandonado a prática.
“É uma oportunidade de retomar esse conhecimento antigo, que já foi muito pesquisado na região e tem eficácia comprovada”, afirma.

Outro ponto destacado é que a revegetação ocorre naturalmente: uma vez semeada, parte das sementes permanece no solo e germina nos anos seguintes. Por isso, a recomendação é evitar químicos que eliminem essas espécies, preservando o ciclo de ressemeadura.

Outra estratégia defendida pela equipe é o uso de resíduos orgânicos, como esterco de animais, dejetos de aves e suínos, restos vegetais e composto orgânico. Esses materiais ajudam a repor o carbono perdido com as enchentes, melhorando a estrutura física e a fertilidade do solo.
“Mais carbono no solo significa menos CO₂ na atmosfera, que é um dos problemas do efeito estufa, além de mais nutrientes para as plantas”, explica Brunetto.

Como muitos agricultores já têm esse tipo de resíduo em suas propriedades, a prática também pode ser uma alternativa de baixo custo em comparação ao uso exclusivo de adubos minerais. A recomendação é que o material orgânico seja analisado para evitar excesso de nutrientes, ou que sejam seguidas as orientações de manuais técnicos regionais.

Terraços construídos na Serra Gaúcha como estratégia de proteção do solo

Em áreas de encosta, a construção de terraços também pode ser determinante. Eles funcionam como degraus que reduzem a velocidade da água e diminuem as perdas de solo e de nutrientes. Embora o investimento inicial seja mais alto, pela necessidade de maquinário, a prática pode evitar prejuízos maiores no futuro.

Experiência no campo

O agricultor Fabiano Orsatto, associado à Cooperativa Vinícola Aurora, já utilizava plantas de cobertura e, após as enchentes, passou a testar espécies de ciclo mais tardio para ampliar o período de proteção.
“Onde as plantas estavam bem formadas e o solo estava protegido, ocorreram menos danos. Quanto mais protegido o solo, melhor para manutenção do mesmo.”

Apesar dos custos com sementes e reconstrução de áreas atingidas, ele aposta na eficácia da estratégia:
“O investimento inicial valeu a pena.”

Já o produtor Emerson Cimadon adotou a cobertura verde no início dos anos 2000, quando mecanizou os vinhedos. Desde então, observa benefícios como menor erosão, maior infiltração de água e até a volta de insetos que auxiliam no controle natural de pragas.
“Com o tempo, vimos a volta de insetos que ajudam no controle natural de pragas.”

Ele acrescenta que a palhada seca formada após o ciclo das plantas continua protegendo os parreirais no verão, aumentando a eficiência do manejo.

Preparar hoje para resistir amanhã

Brunetto destaca que a construção de soluções é sempre feita em parceria com agricultores e técnicos da extensão rural.
“O que conquistamos foi confiança. Sempre retornamos os resultados das pesquisas e mostramos como podem ser aplicados no campo. Ajudamos o produtor a melhorar seu cenário, muitas vezes com baixo custo, mas com retorno em produtividade e lucro”, afirma.

O pesquisador lembra ainda que o conhecimento científico precisa sair da universidade e chegar de fato ao campo, para não perder relevância.
“Não adianta termos o melhor conhecimento dentro da academia se ele não chega ao produtor. Para o agricultor, a prática precisa ser eficiente e lucrativa”, pontua.

Essa relação de confiança também é percebida pelos agricultores.
“As orientações da equipe ajudam nas decisões de manejo que tomamos na propriedade”, conta Fabiano Orsatto.
“Quanto mais orientações técnicas tivermos, mais chances teremos de proteger o solo no futuro”, acrescenta Emerson Cimadon.

Repercussão nacional

A pesquisa também repercutiu fortemente fora do meio acadêmico. Segundo Brunetto, os resultados chegaram até jornais do Sudeste e do Nordeste do Brasil. O dado que mais chamou atenção foi o cálculo de que a recuperação dos solos poderia levar até 40 anos.
“Esse número deu um ‘boom’, porque é fácil de compreender a gravidade da situação”, lembra o professor.

Para ele, a ampla cobertura midiática demonstra a relevância do trabalho, que uniu diagnóstico e soluções práticas.
“Esse foi o projeto científico de maior visibilidade da minha carreira, porque mostrou que a universidade pode contribuir de forma direta para recuperar solos degradados e preparar os agricultores para enfrentar novos desafios climáticos.”

Evento em Bento Gonçalves

No início de setembro, a equipe da UFSM esteve em Bento Gonçalves, em parceria com a Cooperativa Vinícola Aurora, para apresentar os resultados preliminares. O encontro reuniu técnicos e agricultores que tiveram perdas de solo com as enchentes.

A programação foi dividida em duas etapas: primeiro, a apresentação dos dados levantados nas propriedades; depois, a discussão sobre alternativas para recuperar os solos e se preparar para novos eventos climáticos extremos.

Para Brunetto, a mensagem central é de prevenção: “Sabemos que eventos de chuva intensa vão se repetir em intervalos cada vez menores. Se os agricultores mantiverem o solo protegido com plantas de cobertura, reforçado com resíduos orgânicos e manejado com terraços, os danos serão menores. É um investimento feito hoje para reduzir as perdas de amanhã.”

Reportagem: Luciane Treulieb, jornalista
Fotografias disponibilizadas pelo projeto

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