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Projetos

Projeto de Extenção: A Sociologia e Seus Públicos:

1. Caracterização e Justificativa

Esse projeto de extensão é movido pela seguinte questão: para que serve a sociologia? As respostas possíveis a esta pergunta de natureza utilitária não se limitam às discussões sobre o objeto da sociologia como campo disciplinar das ciências sociais ou sobre a descoberta das lógicas do social no âmbito da sociologia profissional desenvolvida nas universidades e institutos de pesquisa, mas remetem também para aquilo que autores como Lahire (2006), qualificam como “sociologia social”, que segundo nosso entendimento, também poderia ser qualificada de “crítica”, ou seja, uma sociologia engajada na análise dos grandes temas que, ao longo do tempo, tem sido recorrentes na agenda social do país, apenas para citar alguns: a desigualdade, o racismo, a modernização, a secularização, a democracia, etc. No que segue, inicialmente caracterizaremos a ideia de uma sociologia pública com suas variantes e inflexões. Em seguida, qualificaremos de forma sinóptica uma conceitualização sobre o papel dos intelectuais e o modo como o conhecimento sociológico pode repercutir na realidade social a partir de alguns enfoques que definem as coordenadas dessa discussão nas ciências sociais. Depois, proporemos um brevíssimo balanço do estado atual da sociologia brasileira tendo em vista a configuração de seus públicos. E, por fim, concluiremos com uma apresentação do Laboratório de Investigação Sociológica – LabIS – Grupo de Pesquisa do CNPq.
Assim, se indagamos sobre a utilidade da sociologia também somos provocados a perguntar pelos destinatários do conhecimento sociológico. Michael Burawoy (2004; 2006), ao propor a ideia de uma sociologia pública esboça os contornos de uma resposta para essa questão. Aqui seria mais adequado se falar de públicos da sociologia no plural, dadas mesmas às várias orientações axiológicas, que desde o surgimento da disciplina, consagraram a sua pluralidade teórica. Burawoy ao argumentar em favor de uma sociologia pública, alude para um conjunto de obras marcantes da sociologia norte-americanai, que quando produzidas, não ficaram restritas aos marcos da disciplina, mas tiveram ampla difusão no seio daquela sociedade promovendo uma nova percepção e olhar sobre si mesma. Essas obras e sua repercussão configurariam o que Burawoy caracteriza como sociologia pública tradicional e que se expressaria também na redação por sociólogos de artigos de opinião para a mídia impressa de grande ou restrita circulação. Nessa sociologia pública tradicional, os destinatários da reflexão sociológica são constituídos por públicos, via de regra, passivos, pois deles não há a expectativa de uma ação coletiva. Esses públicos também são pouco visíveis e muito atomizados. Haveria pouco espaço para a interação, mesmo se pensarmos nas possibilidades inauguradas atualmente pelas redes sociais. Posto isso, haveria ainda um outro tipo de público caracterizado por Burawoy como um público orgânico aos movimentos sociais. Teríamos então uma sociologia pública orgânica que pressuporia um efetivo diálogo e intervenção por parte do sociólogo na constituição de contra-públicos a partir do desvelamento e desnaturalização das relações de dominação e exploração socioeconômicaii. Para Burawoy, as sociologias públicas tradicionais e orgânicas não são antagônicas, mas podem ser complementaresiii. Com efeito, não se trataria também de conceber esses públicos como algo fixo e dado de antemão. Contrariamente, os públicos e contra-públicos são constituídos e devem ser percebidos como algo em fluxo, sempre em devir, podendo ser criados e transformadosiv.
Quais são as condições de possibilidade de se viabilizar a proposta de uma sociologia pública nos termos propostos por Michael Burawoy (2004; 2006) de uma retro-tradução do conhecimento sociológico requalificando o senso comum? Tal proposta não chega a ser exatamente nova nas ciências sociais. Contemporaneamentev, poderemos encontrá-la, de outras formas, em autores tais como Foucault (1979), Giddens (1989) e Santos (1995; 2002). Criticando a figura do intelectual universalvi, que intervinha do debate público a partir do prestígio e reconhecimento social auferido pela sua consagração em outros espaços sociais e que, ao mesmo tempo, agia em nome de universais, tais como a classe, a democracia ou os direitos humanos, Foucault (1979, p.9), propõe um novo modo de relação entre a teoria e a prática. A nova configuração desta relação parte do pressuposto de que qualquer espécie de engajamento deve se originar a partir de questões pontuais. Ou seja, tratar-se-ia do surgimento da figura de um intelectual específico que intervém nos problemas sociais apenas a partir da legitimidade conferida pela sua expertise permutando seu saber especializado como um instrumento de análise da realidade social. Uma outra forma mais minimalista de abordar a questão é teorizada por Giddens (1989, p.335), através do conceito de “dupla hermenêutica”. Para Giddens os conceitos e categorias sociológicas circulam entre os mundos científico e leigo transformando a percepção e o entendimento acerca destes universos sociais. Não obstante, não estamos certos sobre as condições de possibilidade da aplicação deste conceito, tendo em vista mesmo o potencial reflexivo que encerra, dado que a estimativa acerca de seus possíveis referentes empíricos, elide as hierarquias de valor compartilhadas por determinados segmentos da população e que informam suas visões de mundo. Ou seja, podemos nos defrontar com sistemas de valor infensos às abordagens sociológicas sobre o mundo socialvii. Em uma formulação mais maximalista e talvez demasiado otimista, nos deparamos ainda com a conceitualização de Santos (1995, p.55; 2002, p.107) da “dupla ruptura epistemológica”. Noutras palavras, operada a primeira ruptura epistemológica que se constrói contra um senso comum eivado de preconceitos, deve-se efetuar a segunda ruptura epistemológica que consiste na transformação do conhecimento científico em um novo senso comum através da sua apropriação pelo público leigo. Seja como for, para provocar a discussão, ainda aventamos a questão: em que medida é possível pensar a proposição de uma sociologia pública partir da noção de dupla hermenêutica proposta por Giddens (1989, p.335), ou seja, como podemos pensar o cruzamento e imbricação destas redes de sentido e significado construídas pelos atores leigos e pelos cientistas sociais, noutras palavras, de que modo os conceitos e categorias produzidos pela teoria social são passíveis de serem apropriados na vida social modificando o entendimento que se pode ter dela? 
Mas a condição de possibilidade das sociologias públicas tradicional e orgânica é a sua profissionalização. Não se pode falar de uma e de outra sem que o praticante deste ofício domine suas abordagens teóricas e metodológicas, pressupostos que são, para a tradução dos problemas sociais em problemas sociológicos. É sociologia profissional que se desenvolve no âmbito das instituições de ensino e pesquisa que fornece legitimidade para as sociologias públicas tradicional e orgânica. Haveria ainda espaço para considerar a existência de um quarto tipo de prática sociológica. Trata-se da sociologia crítica, enfocada por Burawoyviii no reparo à uma sociologia que se converte em engenharia social, ou seja, de uma sociologia, cuja legitimidade cultural é correlata do que ela é capaz de proporcionar em termos de eficácia econômica e utilidade política.
Essa discussão sobre a sociologia e seus públicos quando referida aos processos de emergência e consolidação institucional deste campo disciplinar no Brasil presume uma constatação: a sociologia brasileira experimentou um forte crescimento institucional nas últimas duas décadas (Liedke, 2003) e (Schwartzman, 2009). Esse crescimento materializado na existência de cursos de graduação e pós-graduação em ciências sociais se encontra atualmente em uma fase de intensa profissionalização da sociologia no país. Sem embargo, temos a impressão de que paralelamente ao incremento institucional das ciências sociais (traduzido na realização periódica de vários encontros e congressos científicos na área de sociologia, na existência de mais de duas centenas de periódicos científicos nacionais vinculados à área de sociologia, e mesmo na existência de revistas de vulgarização da sociologia na mídia impressa, nos inúmeros blog’s e sítios dedicados à discussão sociológica que podem ser acessados na internet, e por fim, na obrigatoriedade da disciplina de sociologia no ensino médio) nos deparamos ainda, paradoxalmente, e salvo rara exceção, com uma disciplina ensimesmada, dado seu enclausuramento nas universidades federais e nos poucos institutos de pesquisa federais e estaduais existentesix. Aparentemente, o crescimento institucional da sociologia, com o seu consequente fortalecimento profissional, parece não ter sido acompanhado por uma proporcional capacidade de se constituir como uma sociologia pública, isto é, de se fazer presente nos espaços públicos angariando legitimidade para a produção sociológica, da mesma forma que podemos vislumbrar, a título de comparação, uma “economia pública” ocupando os espaços públicos e definindo agendas sociais em termos das questões que devem mobilizar a atenção de uma “opinião pública”.
De qualquer forma, para além destas preocupações, cujo sentido é conferir legitimidade à reflexão sociológica considerando seus possíveis públicos, bem como a divulgação e circulação de discussões e problemas teóricos normalmente confinados nos espaços institucionais das práticas sociológicas, uma última questão visada por esse projeto de extensão, diz respeito à formação para curricular na sociologia no âmbito do Laboratório de Investigação Sociológica – LabIS, tendo em vista seu primeiro público, qual seja, os estudantes de ciências sociais. Mais especificamente, ao procurar articular a pesquisa, o ensino e a extensão, o projeto busca qualificar a formação dos alunos de graduação objetivando a sua profissionalização a partir do domínio das principais referências teóricas e metodológicas nas ciências sociais. O Laboratório de Investigação Sociológica – LabIS, é um Grupo de Pesquisa vinculado ao Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais e Humanas – CCSH e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria – PPGCS-UFSM. Integram as atividades do LabIS os seguintes pesquisadores: Prof. Dr. Eduardo Lopes Cabral Maia; Prof. Dr. Everton Lazzaretti Picolotto; Profª. Drª. Luciana Garcia de Mello; Prof. Dr. Marcos Botton Piccin; Profª. Drª. Mari Cleise Sandalowski; e, o Prof. Dr. Ricardo Mayer, bem como, os alunos de graduação e pós-graduação vinculados ao grupo de pesquisa.
Seus objetos de investigação procuram, grosso modo, compreender as lógicas sociais subjacentes aos processos de reprodução material e simbólica nas sociedades contemporâneas. Mais especificamente, os interesses de pesquisa do LabIS se desdobram em torno dos seguintes temas: teoria sociológica; sociologia política com ênfase na análise da ação coletiva, do sindicalismo; de novas experiências associativas, novas formas de protestação e organização via redes sociais; relações entre religião e política: secularização e laicidade; questões relacionadas à ruralidade e ao meio ambiente; sociologia do reconhecimento com ênfase na análise do racismo e das relações inter-étnicas; sociologia do risco tendo em vista a análise das relações entre ciência, tecnologia e sociedade; análise das práticas biomédicas; a sociologia das profissões; sistema judiciário; violência doméstica. 

2. Objetivos

– Articular a pesquisa sociológica com a extensão universitária;
– Divulgação científica: publicizar a sociologia a partir dos objetos de investigação e temas de interesse dos pesquisadores vinculados ao Laboratório de Investigação Sociológica (LabIS) Grupo de Pesquisa do CNPq;
– Constituir-se como espaço paracurricular de formação em ciências sociais;
– Contribuir para que o conhecimento sociológico ao ser divulgado estabeleça novos padrões de reflexividade sobre o mundo social;
– Constituir um espaço público de discussão e interpretação sociológica sobre questões relevantes da realidade social contemporânea a partir das expertises dos pesquisadores vinculados ao Laboratório de Investigação Sociológica (LabIS) Grupo de Pesquisa do CNPq;
– Estabelecer um espaço regular de interlocução teórica sobre a pesquisa e a teorização sociológica.

 3. Metodologia

Esse projeto de extensão ao buscar problematizar a relação da sociologia com seus públicos, discute a partir de uma sociologia da ciência a pertinência das categorias propostas por Burawoy (2004; 2006) para análise dos processos de publicização da sociologia. 
Propõe a realização de seminários a partir das pesquisas e áreas de interesse dos membros do grupo de pesquisa abertos à comunidade universitária e não universitária interessada. Alunos de pós-graduação também poderão apresentar seus objetos de pesquisa nos referidos seminários. Propõe ainda a realização de curso de extensão. A implementação dos grupos de estudo será a critério de seus proponentes, ou seja, os integrantes do grupo de pesquisa.
A intervenção pública dos pesquisadores do grupo na reflexão sobre problemas sociais reais de momento se dará segundo as suas competências profissionais e possibilidades de produzir tais análises. Estas intervenções serão objeto de seminários no grupo e também poderão ser publicadas e divulgadas no seu sitio para ampla circulação, pois as novas mídias proporcionadas pelas tecnologias da informação estabelecem a possibilidade de ampliação dos públicos da sociologia.

 4. Resultados e/ou Impactos Esperados

– Formação sociológica dos estudantes de ciências sociais;
– Publicização e divulgação da pesquisa sociológica.

 5. Referências Bibliográficas:

BURAWOY, Michael. Public sociologies: contradictions, dilemmas, and possibilities. Social Forces, nº52, pp.1603–1618, 2004.
__________. Por uma sociologia pública. Política & Trabalho, nº25, pp.09-50, 2006.
CEFAÏ, Daniel & TERZI, Cédric (Dir.). L’expérience des problèmes publics. Paris: Éditions de l’ÉHÉSS, 2012.
COUSIN, Olivier & RUI, Sandrine. L’intervention sociologique. Histoire(s) et actualités d’une méthode. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2010.
EDKE FILHO, Enno D. Sociologia brasileira: tendências institucionais e epistemológicas contemporâneas. Sociologias, nº.9, 2003, pp.216-245.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
FRASER, Nancy. Justice Interruptus. New York: Routledge, 1997.
FUREDI, Frank. Recapturing the Sociological Imagination: The Challenge for Public Sociology. In: JEFFRIES, Vincent (Ed.). Handbook of Sociology Public. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers, 2009, pp.171-184.
GLEN, Norval D. Some Suggested Standards for Distinguishing between
Good and Bad Public Sociology. In: JEFFRIES, Vincent (Ed.). Handbook of Sociology Public. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers, 2009, pp.135-150.
GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
LAHIRE, Bernard. Utilidad: entre sociología experimental y sociología social. In: LAHIRE, Bernard (Dir.). ¿Para qué sirve la sociología? Buenos Aires: Siglo XXI, 2006, pp.63-87.
MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
SASSEN, Saskia. A Public Sociology for a Global Age: Recovering the Political. In: JEFFRIES, Vincent (Ed.). Handbook of Sociology Public. Lanham, MD: Rowman & Littlefield Publishers, 2009, pp.391-407.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento, 1995.
__________. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez , 2002.
SCHWARTZMAN, Simon. A sociologia como profissão pública no Brasil. Caderno CRH, Vol.22, nº56, pp.271-279, 2009.
TOURAINE, Alain. La voix et le regard. Paris: Seuil, 1978.

Notas

1. Michael Burawoy (2006) elenca as seguintes obras: “The Souls of Black Folk” publicado por W. E. B. Du Bois em 1903, “An American Dilemma” publicado por Gunnar Myrdal em 1994, “The Lonely Crowd” publicado por David Riesman em 1950 e “Habits of the Heart” organizado e publicado por Robert Bellah em 1985.
2. Para uma discussão sobre o conceito de contra-público, ver Nancy Fraser (1997). Para uma discussão sobre a relação entre sujeito e objeto na pesquisa a partir da intervenção do sociólogo, um exemplo arquetípico desta formulação na sociologia contemporânea é fornecido pelo método da intervenção sociológica de Alain Touraine (1978). Para uma história de sua aplicação, ver Cousin & Rui (2010).
3. Para aprofundar a discussão, sugerimos os trabalhos de Furedi (2009), Glen (2009) e Sassen (2009).
4. Pode-se mesmo teorizar sobre essas questões a partir de uma sociologia dos problemas sociais. Para uma discussão sobre o tema, ver Cefaï & Terzi (2012).
5. Em uma formulação clássica, poderemos encontrá-la primeiro em Marx na XIª Tese sobre Feuerbach, na forma de crítica à metafísica ocidental: “Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transformá-lo”. In: A ideologia alemã, 1845.
6. Podemos encontrar exemplos do intelectual universal nas figuras de Jean-Paul Sartre, Pierre Bourdieu, Jürgen Habermas, Noam Chomski e Slavoj Žižek, dentre outros. Todos tiveram um engajamento político expresso em tomadas de posição e publicação de libelos e pequenos textos, cujo denominador comum foi sempre o universalismo das causas que apoiaram.
7. Encarando a questão de modo mais cético, não se trata apenas de presumir que uma ampliação das oportunidades do acesso da população ao conhecimento sociológico concorreria para incrementar sua reflexividade sobre o mundo social, tal como se poderia depreender das concepções iluministas de Condorcet, Hegel, Comte e Herbert Spencer. Cada qual à sua maneira, imaginava a evolução de um espírito humano que se emanciparia no curso do seu desenvolvimento dos escolhos da tradição.
8. Charles Wright Mills (1969) foi o pioneiro na crítica a este tipo de inflexão que se consubstanciou na teoria parsoniana.
9. Para ilustrar enumeramos os seguintes institutos de pesquisa: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)Fundação João Pinheiro (FJP)Fundação de Economia e Estatística (FEE)Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI)Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).