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Isso é fake news



Em pesquisa realizada pelo Centro para a Inovação em Governança Internacional, 86% das pessoas consultadas admitiram ter acreditado em notícias falsas

Elas estão por toda a parte: na publicação no Facebook, na mensagem encaminhada pelo grupo do Whatsapp, no boca-a-boca. Não há quem não tenha recebido ou compartilhado – mesmo sem intenção – alguma fake news. 

Uma pesquisa publicada pelo Centro para a Inovação em Governança Internacional, em junho de 2019, mostrou que as notícias falsas já foram ditas como verdadeiras por 86% dos usuários de internet entrevistados. Além disso, têm 70% mais chance de serem compartilhadas do que as verdadeiras. A comprovação veio nas eleições presidenciais brasileiras de 2018: boatos foram compartilhados pelo menos 3,84 milhões de vezes nos quatro meses que antecederam a votação, conforme a agência de checagem Aos Fatos. 

Apesar de ser corriqueiramente entendida como notícia falsa, a definição de fake news é incompleta e ambígua. “Se analisarmos a noção de fake news que a mídia e a sociedade em geral costumam utilizar, encontramos ali um caldeirão de diversos fenômenos sociais e comunicativos diferentes”, pontua o professor de Jornalismo na Universidade Franciscana (UFN), Iuri Lammel, mestre em Comunicação Midiática pela UFSM. Para ele, a explicação mais adequada é a do dicionário inglês Cambridge, que entende as fake news como “histórias falsas que parecem ser notícias e são difundidas na internet ou em outros meios, criadas para influenciar opiniões políticas ou como piada”.

As informações falsas existem desde que os humanos passaram a usar a linguagem formal para se comunicar. Já as notícias deliberadamente falsas, difundidas para fins de influência política e manipulação, são mais recentes – ainda que datem de séculos atrás. Entretanto, foi com a expansão da internet e, em especial, com redes sociais, que as fake news passaram a se disseminar com velocidade e tomaram proporções mundiais. 

Segundo o professor Iuri, aliado à ascensão das redes sociais, existe um fator que motiva a disseminação de fake news: o fenômeno global da polarização política, que “serve como combustível para fazer essa infraestrutura toda funcionar a todo o vapor, principalmente em período eleitoral, em que eleitores tentam vencer as disputas ideológicas travadas nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem”.

Direita ou esquerda?

A discussão sobre fake news também é política. Um estudo realizado pela Universidade de Oxford mostrou um aumento exponencial no número de nações cuja estratégia para governar passa pela divulgação de informações falsas. Foram 70 países que fizeram uso das informações falsas para obter vantagem frente à oposição. No Vietnã, por exemplo, cidadãos foram alistados para fazer postagens pró-governo em suas páginas pessoais de Facebook. Já o governo da Guatemala usou contas roubadas e hackeadas para silenciar opiniões dissidentes. E o partido no comando da Etiópia contratou pessoas para influenciar, a seu favor, conversas em redes sociais. Assim, é comum que as fake news sejam associadas como uma característica de algum dos espectros políticos: direita ou esquerda.

Para o professor Iuri Lammel, o fenômeno das informações falsas tem um lado político. “Na história, percebo que ambos os lados do espectro político utilizaram da estratégia de produção e divulgação de informações distorcidas e falsas com o intuito de atacar desafetos políticos e de manipular a opinião pública”, conta.

No Brasil, ele lembra da época dos governos Lula e Dilma, onde observou o surgimento de diversos sites e blogs especializados em reeditar matérias publicadas na imprensa, com o objetivo de reforçar um dos lados. Geralmente, não era realizado o trabalho de apuração jornalística esperado. “Atualmente, eu não tenho nenhuma dúvida de que a enorme maioria dos produtores e propagadores de notícias falsas são ligados a movimentos de direita, tanto no Brasil quanto no resto dos países. É um fenômeno global”, explica o professor.

Assim, Iuri apresenta uma das hipóteses que desenvolveu. Para ele, a recente eclosão das forças e movimentos de direita no mundo coincidiu com o aumento da estrutura de produção e propagação automatizada de informações, tais como os robôs e serviços de inteligência artificial que, ao se associarem a financiamentos privados de organizações da direita, que possuem interesses também privados e não compromissados com o público, tornaram a máquina de fake news mais eficiente e “profissional”. Ou seja, cada vez mais parecidas com notícias verdadeiras. Porém, o professor reforça que a estratégia das informações falsas não é monopólio de nenhum dos dois lados. 

Culpa do jornalismo?

Em 2016, a Eleição presidencial nos Estados Unidos foi pauta constante no jornalismo. Durante a campanha, o então candidato – e hoje presidente – Donald Trump acusou o The New York Times de produzir notícias falsas para prejudicá-lo. “You´re fake news”, foi a expressão utilizada. 

De lá para cá, segundo a jornalista e mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM Kauane Müller, o termo foi extremamente popularizado e trouxe implicações para o jornalismo. “Essa declaração deu a entender que a imprensa é quem produz notícias falsas e, mais, não só produz mas ela em si é a mentira”, declara. Para ela, assim, se intensifica o problema da credibilidade já enfrentado pelo jornalismo, pois, desde 2008, a imprensa é afetada pela crise mundial do capitalismo financeiro. “Em um contexto mais amplo, as pessoas já vinham diminuindo a confiança no jornalismo ao longo do tempo, como apontam pesquisas do LatinoBarómetro, medidor de opinião da América Latina, e isso tem outras implicações”, postula.

 Para Kauane, apesar do cenário da desinformação não ser responsabilidade somente do jornalismo, existem questões problemáticas, como a qualidade da informação que, devido à crise financeira vivida por diversos veículos, pode ser questionada. Um exemplo, são as famosas “barrigadas”, termo jornalístico de quando o veículo oferece uma informação com erros graves.

O professor Iuri Lammel diz não ser possível afirmar de maneira categórica que a alta disseminação de fake news acontece devido a falhas no jornalismo. Mas, acredita que, nas últimas duas décadas, com o surgimento desse ecossistema da informação digital, os profissionais que trabalham com a mediação das informações na sociedade perderam muita força, poder e influência.

“Entre as consequências está o enfraquecimento do próprio jornalismo. Quando os cidadãos diminuem drasticamente a rotina de consumo de informações elaboradas por profissionais guiados por uma deontologia, esses cidadãos ficam mais suscetíveis à desinformação”, postula Iuri. Logo, é arriscado atribuir a culpa apenas ao jornalismo, visto que o crescimento drástico de fake news é um fenômeno complexo, com várias causas, principalmente devido ao cenário de polarização política. 

Também é a partir das fake news que uma série de ataques à imprensa tem acontecido. O intuito é de desacreditar no trabalho profissional da imprensa, assim, Iuri afirma a importância dos comunicadores deixarem explícito o processo de apuração. “Podemos indicar, por exemplo, as fontes entrevistadas, a origem dos documentos consultados, as condições do trabalho realizado, a fim de trazer mais clareza e minimizar ataques de descrédito”. Além disso, o jornalista defende que os comunicadores trabalhem ativamente na luta contra a desinformação ao apurarem fake news ostensivamente propagasse.

Checagem de fatos

O cenário de popularização das fake news e da crescente desinformação fez com que, dentro do jornalismo, alternativas fossem pensadas para transformar a situação. Assim, começaram a surgir agências e plataformas de checagem. No contexto brasileiro, são três as organizações signatárias do Internacional Fact-checking Network (IFCN), rede internacional de checadores: Aos Fatos, Lupa e Estadão Verifica.  

Devido às notícias falsas estarem diretamente relacionada à política, algumas plataformas de checagem, como Aos Fatos, destinam seus esforços à checagem de discursos de políticos. Com bases no Rio de Janeiro e em São Paulo, a agência existe desde 2015 e tem como missão a “busca da verdade, checamos o que há de mais controverso no mundo da política”. 

O repórter de Aos Fatos, Luiz Fernando Menezes, começou a atuar na organização a partir da checagem de falas de políticos, como Michel Temer, e, em 2018, intensificou a checagem devido à eleição presidencial. Para Luiz Fernando, o trabalho que desenvolve como checador é bastante importante: “com essa ferramenta conseguimos levar a checagem para as pessoas que compartilharam a notícia falsa, por exemplo, e oferecemos a possibilidade dela rever o que naquela informação não é verdadeiro”, conta. Além disso, reforça a importância de trabalhar no sentido de combater as fake news. “A checagem se torna importante até para o debate público, que acaba muito prejudicado com as notícias falsas. Em um debate democrático não se pode e não se deve usar dados lidos em uma fake news, por exemplo”.

A mestranda Kauane Müller pesquisa sobre as três plataformas brasileiras de checagem que são certificadas pela IFCN. Na dissertação, a jornalista trabalha a partir de dois eixos: primeiro, busca entender a prática dos jornalistas nessas plataformas de checagem, as relações de trabalho, as especificidades, o contrato de trabalho e a rotina produtiva; segundo, eixo central da pesquisa, estuda as estratégias que as organizações de checagem usam para manter o jornalismo como uma instituição relevante para a sociedade, a partir da ideia de crise do jornalismo, sem deixar de lado o contexto maior de crise do capitalismo. Assim, ela procura responder como, a partir das plataformas de checagem, o jornalismo busca resolver e se legitimar frente à desinformação. 

No Laboratório de Experimentação em Jornalismo (LEx), o combate às fake news também passou a ser discutido. O trabalho começou a ser testado em 2016, a partir de um método de checagem de informações. Para o jornalista e técnico-administrativo em educação do Laboratório, Lucas Durr Missau, o modelo proposto tem um objetivo pedagógico ao possibilitar a experiência da checagem aos alunos do curso de Jornalismo da UFSM e, ao mesmo tempo, suscitar reflexões teóricas sobre os métodos praticados pelas agências de checagem no Brasil e no mundo.

Antes de pôr em prática a metodologia de checagem, foi necessário discutir o que, afinal, seria o fact checking. Para Lucas, a checagem de informações é um desdobramento da apuração, que é a base da prática jornalística. Depois, elaboraram um modelo que consistia em um passo a passo da prática de fact-checking. Em seguida, analisaram os métodos utilizados pelas plataformas e agências brasileiras de checagem, como Lupa, Aos Fatos, Pública e  a argentina Chequeado, e identificaram padrões entre elas. Assim, os padrões foram usados como parâmetros para a elaboração de um modelo que foi adotado como ferramenta de ensino nas atividades do laboratório.

Finalmente, o funcionamento do método de checagem se deu em cinco etapas: (1) a escolha do discurso a ser analisado; (2) a busca das fontes com informações referentes ao tema tratado; (3) a reconstrução do contexto do discurso contrastado ou corroborado pelas informações obtidas junto às fontes; (4) a classificação do discurso de acordo com as categorias elaboradas – por exemplo, verdadeiro, falso, impreciso, exagerado, entre outras – e (5) a representação gráfica da checagem. Vale lembrar que cada uma dessas etapas exige uma atividade específica a ser desempenhada e o manuseio de determinados materiais que servem de embasamento para essas atividades.

Passo a passo da checagem

Mitômetro

O trabalho metodológico realizado pelo LEx foi posto em prática em uma parceria junto à Revista Arco. Assim surgiu o Mitômetro: método de checagem voltado à divulgação científica. “Nesse caso, acreditamos que é um tipo de conteúdo com um apelo distinto, que sensibiliza o leitor pelo caráter inusitado dado à informação, muitas vezes brincando com o senso comum”, afirma Lucas. No caso da Arco, o tratamento gráfico dado ao material também contribui para isso.

No entanto, é preciso ressaltar que é inviável checar todo e qualquer tipo de informação. Isso porque o fact-checking se restringe a verificar partes de discursos públicos. Ou seja, que circulam em jornais, revistas, redes sociais e outros meios de comunicação, nos mais distintos formatos, como áudio, texto, foto, imagem e vídeo. E, para o jornalista, checar discurso é uma tarefa bastante complexa. “Por isso, é necessário a utilização de critérios para que uma informação possa ser checada”, lembra.

Por esse motivo, entre os principais materiais checados estão: frases de políticos, programas de partidos políticos e de governo, vídeos publicitários, vídeos e declarações com amplo alcance de público em redes sociais, além de entrevistas de personalidades nos meios de comunicação hegemônicos ou alternativos, frases de senso comum enunciadas em situações do cotidiano, entre tantas outras possibilidades. “O enfoque está na relevância e na viabilidade de checagem da declaração ou da informação citada pela fonte original”, explica Lucas.

Janela aberta

Informar jovens sobre as notícias falsas foi a proposta do Laboratório de Hipermídia do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (Poscom) da UFSM durante o Janela Aberta – iniciativa que aproxima a Universidade e as escolas de ensino médio de todo o estado. Em duas semanas de julho de 2018, mais de 600 alunos e professores assistiram às oficinas sobre a produção e a circulação de fake news no Brasil e no mundo. 

Segundo a professora Ada Cristina Machado da Silveira, líder do grupo de pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras, parceiro no Laboratório na realização das oficinas, a resposta dos alunos foi praticamente unânime quando questionados se já tiveram contato com as fake news: grande parte afirmou que sim. “Porém, notou-se um grau de surpresa quando comentamos as características, as pretensões e, principalmente, a grande circulação e as consequências da viralização das notícias falsas”, relata Ada. 

Pega na Mentira

Desde março de 2019, o jornalista Marcelo de Franceschi apresenta o programa Pega na Mentira, na UniFM 107.9. De segunda a sexta-feira, das 14h às 15h, o ouvinte fica a par de notícias checadas por agências, plataformas e jornais especializados, além de saber sobre educação para a mídia, cultura digital, educomunicação e informática. “Eu queria fazer um programa que contribuísse para a conscientização dos ouvintes sobre as desinformações que recebem e compartilham via redes sociais”, relata Marcelo, que afirma já ter recebido conteúdo falso de parentes através dessas plataformas.

O jornalista reconhece que muitas pessoas têm dificuldades de identificar uma notícia falsa. Por isso, faz questão de reforçar, durante os programas, que nem tudo o que aparece nos celulares e computadores é verdade, e que compartilhar uma mentira, mesmo sem querer, pode aumentar os efeitos dela. “Falar sobre esse tema na UniFM valida a checagem de informação e a torna mais acessível. Acho que a rádio pública pode cumprir um papel crucial de mediadora tentando alertar seu público mantenedor acerca dos perigos desse cenário caótico”, destaca. 

Educação para a mídia 

A partir do cenário de efervescência das fake news que foi criado, no campus de Frederico Westphalen, um projeto de extensão vinculado ao Departamento de Ciências da Comunicação. O “Compreender os letramentos locais para (in)formar novos leitores (Letramentos)” surge com uma proposta de colocar em diálogo as ciências da linguagem e da comunicação, com o objetivo de refletir sobre o papel e a importância da leitura como meio de formação, interação e ação social.

Para a coordenadora do projeto, professora Marluza da Rosa, a preocupação está direcionada, principalmente, para a compreensão de como se tem lido as notícias e para a formação crítica do leitor.“Quando se fala de formação crítica e/ou de competência leitora, é inevitável tratar da relação dos leitores com as mídias, visto que são nossas principais formas de acesso às informações e ao conhecimento na atualidade”, explica.

Nesse sentido, o projeto trabalha com a noção da importância de perguntar a si mesmo como nos relacionamos com as informações que recebemos: se as questionamos ou não, se as assimilamos de forma passiva ou se adotamos um posicionamento ativo frente ao que lemos.

Expediente desta reportagem nas múltiplas plataformas

Reportagem: Andressa Motter e Leandra Cruber.  

Ilustrações: Marcele Reis e Giovana Marion

Diagramação da matéria impressa e animação: Marcele Reis

Mídia Social: Nathalia Pitol

Revisão: Alcione Bidinoto

Edição de arte: Lidiane Castanha

Edição de produção: Melissa Konzen

Edição geral: Maurício Dias

*Matéria publicada na 11ª edição impressa da revista Arco. 

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