Viúvo é quem perde o cônjuge, órfão é quem perde os pais, mas como se chama quem perde o filho? Sem uma nomeação, o luto parental pode ser visto como um “sofrimento não reconhecido”. Para impulsionar e humanizar as discussões sobre o tema, o dia 15 de outubro passou a ser considerado o Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional e Infantil.
Diante da falta de diálogo sobre o luto, a egressa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Cristine Gabrielle da Costa dos Reis, pesquisou o tema na sua dissertação. Com o título “O luto dos pais cujos filhos morreram crianças”, o trabalho buscou compreender como os pais vivenciam essa perda e discutir aspectos característicos desses casos.
A pesquisadora fez uma análise de 11 entrevistas com pais que perderam os filhos em decorrência do adoecimento das crianças. Entre os principais elementos observados nos relatos, destacam-se: a dor incomparável, a culpa, as experiências diferentes entre pais e mães e o sentimento de perda de uma parte de si. “Na conclusão, percebi que é uma dor sem tradução. Na ciência, a gente tenta explicar tudo, mas, quando escutamos essas pessoas, percebemos que certas coisas não vamos conseguir entender”, conta Cristine.
Um luto singular
Em termos técnicos, o luto é um processo natural que o indivíduo desenvolve frente a uma perda significativa ou ao rompimento de um vínculo. Cristine explica que existem vários tipos de luto, mas o parental tem um contorno específico, porque a morte de uma criança representa uma inversão da ordem cronológica esperada.
“São muitos elementos que influenciam esse processo, então não podemos afirmar que esse luto vai ser mais difícil. Mas entendemos que ele pode ter um dificultador a mais, pois a morte de um filho contraria tudo que se espera socialmente. É uma perda avassaladora para esses pais”, comenta a pesquisadora.
Durante o desenvolvimento da dissertação, a psicóloga percebeu que o luto parental também está relacionado ao conceito, elaborado pelo psiquiatra austríaco Sigmund Freud, de narcisismo. Este é o processo de constituição do ego, e o filho se encaixa nesse processo por ocupar uma posição central na relação familiar. Portanto, para a pesquisadora, o falecimento da criança gera uma quebra de perspectiva para os pais.
“No relato dos pais, eles transmitem que, quando se perde um filho, é como se se perdesse algo ou uma parte de si. Quando pensamos isso psiquicamente, faz muito sentido, porque esses filhos são a extensão desses pais, por meio dos investimentos e das expectativas. Então, quando se perde um filho, se perde, de fato, algo que era seu”, diz Cristine. Segundo a profissional, a partir disso, as famílias podem passar por períodos de grandes questionamentos e até mesmo de crises de identidade, uma vez que no luto há sofrimento pela perda de alguém, mas também pela relação que se tinha com a pessoa.
Como ajudar um enlutado
Após a perda de uma criança, é natural que os familiares e amigos busquem consolar os pais. No entanto, muitas vezes isso não é feito de maneira adequada e pode piorar a situação na medida em que o enlutado não se sente mais confortável para se expressar. “Alguns pais relataram ter escutado coisas como ‘você é nova, pode ter outro filho’, ‘ainda bem que foi no início, porque depois ia ser pior’ ou ‘não chore ou ele não vai descansar’. Essas tentativas de consolo acabam minimizando a dor da perda. São frases de boas intenções, mas que são um pouco impensadas e que não facilitam o processo do luto“, expõe Cristine.
De acordo com a psicóloga, nessas situações, deve-se priorizar a escuta. Para ela, é essencial que o enlutado tenha uma rede de apoio disposta a ouvi-lo quantas vezes for necessário e que não faça julgamentos. A melhor forma de auxiliar é respeitar, validar e reconhecer a dor do outro.
Quando procurar um profissional
Cristine explica que, por ser um processo natural, em geral o luto não precisa ser medicado. Um profissional deve ser procurado em casos específicos e se o enlutado tiver vontade de se consultar. Alguns indicadores podem apontar que o processo está sendo complicado, como o direcionamento de energia e das atividades dessa pessoa: “É recomendado ajuda profissional quando todas as energias do enlutado são direcionadas para uma coisa só. Quando ele está só focado na dor da perda ou quando ele não consegue voltar a reinvestir na sua vida”, destaca a psicóloga.
Conforme a pesquisadora, a sociedade evita falar sobre o luto e sobre a morte, no entanto, esses são temas muito importantes. Para ela, se o assunto circular no cotidiano, é mais fácil criar recursos psíquicos para ajudar os outros e a si mesmo.
Expediente:
Reportagem: Rebeca Kroll, acadêmica de Jornalismo e estagiária;
Design gráfico: Julia Coutinho, acadêmica de Desenho Industrial e voluntária;
Mídia social: Eloíze Moraes, acadêmica de Jornalismo e bolsista; Gabriel Escobar, acadêmico de Jornalismo e bolsista; e Nathália Brum, acadêmica de Jornalismo e estagiária;
Edição de Produção: Samara Wobeto, acadêmica de Jornalismo e bolsista;
Edição geral: Luciane Treulieb e Mariana Henriques, jornalistas.