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Rockabilly Brasil

Livro-reportagem produzido na UFSM registra a história do movimento no Brasil



O rockabilly é um movimento musical iniciado nos Estados Unidos durante a década de 1950. É provável que a maioria das pessoas conheça o movimento a partir de filmes lançados nos anos 80 e de seus músicos mais famosos, como Elvis, mesmo sem saber que se trata de rockabilly. Basta um bad boy com topete engraxado, jaqueta de couro e jeans para se saber do que estamos falando. E foi justamente para trazer o movimento ao conhecimento geral que Eduardo Molinar lançou seu livro Rockabilly Brasil. Molinar é um jornalista santa-mariense de 21 anos, graduado pela UFSM em 2015. Seu Trabalho de Conclusão de Curso foi o projeto experimental de um livro-reportagem sobre o movimento rockabilly no Brasil. Após um ano de trabalho intenso e muitas entrevistas, ele lançou seu livro no início de 2016. Abaixo, a entrevista de Eduardo Molinar para a revista Arco:

 

Eduardo Molinar, autor do livro. Foto: Taíssa Uggeri

 

O que é o rockabilly?

O rockabilly, basicamente, é música. Hoje em dia é o que a gente chama de rock and roll dos anos 50. Mas rockabilly é uma união do rock and roll dos negros com a música country de raíz, que é o hillbilly. Daí vem a expressão rockabilly. Existe uma diferença no som. É o rock com um som mais “acaipirado”. Só que nos anos 50 não se falava em rockabilly, era rock and roll. No entanto, os artistas que gravavam rockabilly também gravavam rock, como foi com o Elvis, que começou num som mais caipira e foi para um som mais pesado. Os rockers são aqueles que adotaram o rockabilly como estilo de vida desde os anos 50. Alguns eram chamados de greasers, por causa do cabelo engraxado, ou de delinquentes juvenis. Alguns realmente eram delinquentes, eram mesmo bandidos; mas a maioria não era. O pessoal começou a se juntar em gangues, a ser influenciado pelos filmes de Marlon Brando e James Dean.

 

O movimento sofreu uma queda nos Estados Unidos, mas na Inglaterra sobreviveu muito forte. De lá partiu, no final dos anos 70 e início dos 80, um revival do rockabilly, com novas gangues e novas bandas, fazendo um som bem mais pesado e pegando um pouco do punk e do new wave. Apareceram uns caras com uns topetes muito maiores, usando calças coloridas e jaqueta de couro. Foi uma coisa bem diferente, mas também muito legal. Nos anos 80, ele chega aqui no Brasil, em São Paulo. E chegou como música e como subcultura. O pessoal começou a se juntar em gangues de rua mesmo. As pessoas de classe média (e algumas de classe baixíssima) foram se unindo ao movimento e fazem parte dele até hoje. No Brasil, o rockabilly começou como subcultura em 79. Hoje em dia tem hamburguerias, casas de show que tocam rockabilly, e várias bandas tocando em Porto Alegre, São Paulo, Curitiba. Mas por volta de 1983, não tinha nada. O cara que queria curtir tinha que ir para a rua. Eles se juntavam, compravam uma cerveja e ficavam curtindo na rua. Quem fazia parte naquela época dava o sangue pelo movimento.

 

Você falou que o rockabilly é bastante visual. Quais são as principais características do movimento?

 

Tem rocker que não gosta de usar visual. Ou, pelo menos, um visual tão escrachado. Mas o básico é jeans, bota e camisa branca. Esse é o visual tradicional. É o que os motoqueiros dos anos 50 usavam. Aqueles caras vinham da Segunda Guerra desempregados, subiam na moto e usavam essa roupa, não por estilo, mas porque era a roupa mais barata que tinha. Quem usava jeans nos anos 50 era muito mal visto; jeans era coisa de jovem ou de trabalhador. Normalmente era pobre quem usava jeans. Mas esse visual tradicional perdura até hoje.

 

Com o advento do neo rockabilly dos anos 80, o pessoal começou a usar o cabelo maior, topetes bem extravagantes, alguns até raspam dos lados e deixam o topete só em cima (tem vários tipos de cabelo, mas o mais tradicional é o topete, puxado para trás). Começaram a adicionar patches (símbolos) na jaqueta de couro. Começaram a usar muito mais tatuagens de várias coisas. Alguns começaram a usar o jeans mais rasgado, outros a usar tênis. Mas o tradicional do rockabilly é isso: a jaqueta de couro e o topete. É isso que identifica o pessoal.

 

Quem quer usar o visual, quer conhecer mais, é muito bem recebido dentro do movimento. Às vezes eu paro na rua para responder algumas dúvidas das pessoas. Teve um cara em Porto Alegre que me perguntou como fazia o cabelo igual ao meu. Eu estava com um topete imenso! Eu expliquei a ele que uso secador, uso spray, uso pomada… É legal esse contato. E tem muita gente que nunca ouviu falar e está descobrindo o rockabilly agora, e começa a usar visual, começa a curtir e isso é legal. O rockabilly, realmente, além de musical é muito visual. Dá para identificar um rocker de longe. E é bom que seja assim.

 

Gangue paulista Ratz, surgida em 1982. Foto: Ruy Campos

 

E como surgiu o seu interesse pelo rockabilly?

Com sete, oito anos, eu conheci o Elvis por acaso, num filme dos Homens de Preto. No primeiro filme, tem uma cena em que eles estão num túnel e o cara bota uma fita do Elvis. Era uma música dos anos 70. E eu perguntei para o pai quem era aquele cantor. O pai me respondeu que a música era do Elvis. O nome “Elvis” acendeu uma luz na minha cabeça, um nome diferente… Depois, uma tia minha que gostava me deu um CD dele das músicas dos anos 50, do comecinho da carreira. Ele nem usava bateria nas músicas ainda. Era guitarra, baixo e violão. Eu não sabia que era rockabilly. Comecei a usar esse estilo antes de saber. Com doze anos eu já usava o cabelo penteado para trás. Aí que fiquei sabendo que era rockabilly. Mas eu vi Gene Vincent, Eddie Cochran, assisti aos filmes de James Dean, Marlon Brando, aos filmes dos anos 80 (teve uma explosão de filmes de gangues nos anos 80) e passei a me interessar cada vez mais. Até hoje eu estou descobrindo coisas e bandas que eu não conhecia.

 

 

O que levou você a fazer um livro-reportagem sobre isso para o seu Projeto Experimental de Conclusão de Curso?

Quando tinha que achar um tema para o TCC, eu pensei em fazer sobre o Elvis. Mas tem tanta coisa sobre o Elvis. tanto estudo muito melhor do que o que eu poderia fazer, que pensei que seria só mais um. Então surgiu o nome “rockabilly no Brasil” na minha cabeça. E eu percebi que não existia nada aqui no Brasil sobre rockabilly. Existem as reportagens, mas esse é o primeiro livro do movimento.

 

Só que eu não conhecia rockabilly no Brasil. Eu achava que eu era o único rocker, porque eu nunca tinha encontrado outro rocker. Então eu comecei a pesquisar pela internet e surgiu o blog do Luiz Teddy, o filho do Eddy Teddy, um dos pioneiros do rockabilly no Brasil. O Luiz escrevia, pelo menos um pouquinho, sobre o movimento. Foi a partir dele que eu comecei a descobrir outros caras e uma coisa foi ligando à outra. Foi quando eu percebi que isso não podia ser uma monografia. Não existem teorias sobre o rockabilly aqui. Talvez alguma teoria de sociologia, mas é muito difícil. Eles não entendem o que o rockabilly é. Eles não entendem nem o punk direito, imagina o rockabilly. Porque, no Brasil, o rockabilly é uma coisa muito underground. É bem complicado de entender. Então eu me informei com alguns professores e eles disseram que eu podia fazer um livro-reportagem.

 

 

Capa do livro

 

Como foi a produção da pesquisa e o processo de escrita?

Fui para São Paulo em dezembro de 2014. Fiz todo um trabalho de apuração antes, já tinha listas de nomes de pessoas com quem eu tinha que conversar. Quando cheguei em São Paulo, eu encontrei gangues, encontrei bandas, encontrei tudo. Comecei a pesquisar e fazer as entrevistas e usei algumas teorias de história oral.


Eu botava o gravador no bolso e saía por São Paulo. Cada lugar de São Paulo que existe eu fui. Tanto nos mais ricos quanto nos mais pobres eu estive entrevistando. Tudo que eu aprendi no curso eu usei no livro. Foi a primeira oportunidade que eu tive de usar todos os conhecimentos. E eu tive que usar porque foi bem complicado, foi um trabalho de campo muito difícil. Eu não conhecia nada de São Paulo, e sair no visual em São Paulo, agora está mais tranquilo, antes era mais perigoso, mas é complicado mesmo assim. Tem alguns grupos que não se batem muito bem, então sempre tem aquele perigo.

 

Eu fui entrevistando e fui gravando. Tudo era gravado e enquanto ia entrevistando pegava as fotos. Fotos que o cara tinha eu digitalizava. Quando voltei eu tinha umas dez entrevistas. Mas a coisa é muito maior… Então eu voltei em junho de 2015 e fiquei quase um mês lá, só entrevistando. Às vezes eu ia beber de noite nas festas, encontrava um cara, puxava o gravador e
deixava gravando enquanto conversava. Muita entrevista saiu daí. Não só na Rua Augusta, como no ABC paulista, e em tudo que é canto.

 

Depois eu voltei, transcrevi todas e fiquei até janeiro escrevendo. Mandei fazer o livro pela Pallotti. É um livro independente e eu banquei todo ele. Estou iniciando a produção do livro dois, e, se eu parar, ninguém mais vai escrever, porque é muito complicado. Tem muita briga, muita rixa e eles precisavam de alguém neutro e eu tenho que ser neutro, é meu dever jornalístico. Então eu fui e consegui reunir todas as brigas, histórias e festas no livro. Mas um livro é pouco. Eu vou fazer outro e, quem sabe, um livro três. Mas, por enquanto, eu estou iniciando a produção do livro dois.

 

Ainda tem bastante material?
Tem. Tem muita coisa que eu tive que deixar de fora. Muita foto estava estragada. Muito relato não dá para ir no livro. Muito detalhe sobre algumas pessoas não tem porque entrar. Então eu tive que fazer essa seleção de coisas que dariam e não dariam para ir. Tem coisa que não tem porque relatar. Mas eu tentei ser o mais abrangente possível. Ainda assim, estou sofrendo muita crítica. Esse foi um problema que eu encontrei: escrever sobre coisas que eu não devia. Porque eu dependo do relato. Claro, cada relato foi investigado. Mas eu não vi o que eles estão me contando, eu apenas posso imaginar.

 

Mas foi bom fazer isso. Porque dá para aprender muita coisa, mudar conceitos que se tem sobre o jornalismo, ver o quanto a mídia grande é sacana. Na hora de divulgar o livro em algumas mídias maiores os caras escreveram textos infantis, não procuraram nem saber o que é rockabilly.

 

Eu tive muita ajuda na mídia alternativa. Eu já conhecia um pouco. Fiz um fanzine uma vez. Mas não sabia que a mídia alternativa era tão forte assim. A gente sabia que tinha voz ali na faculdade, mas eu nunca tinha vivido essa voz. Então, as pessoas produzindo o próprio conteúdo me mostraram que a mídia alternativa é, talvez, mais forte ainda que a mídia tradicional atualmente, para essa parte underground. E ali eu conseguia falar o que eu queria nas entrevistas, eles divulgaram bem certinho o que eu falava. Eu aprendi que o jornalismo alternativo está muito maior do que eu imaginava e isso é muito bom. Dá para tirar um pouco do poder de quem não entende nada do que os outros fazem e botar um pouco de voz em quem precisa. E não sou só eu.
Existe livro sobre punk, existe livro sobre psychobilly, existe livro sobre metal; pessoas que precisam de voz e que a mídia grande não vai dar voz. Se der, vai distorcer as coisas. Essa é uma parte bem surpreendente do meu trabalho. Eu encontrei na mídia alternativa um espaço muito grande e muito melhor que na mídia tradicional.

 

Você conseguiu alcançar seus objetivos com a publicação do primeiro livro ou é algo que ainda vai buscar na continuação do projeto?

O objetivo em si é divulgar o rockabilly da forma que ele merece ser divulgado. Eu amo o rockabilly e o vivo todos os dias. A gente não se veste só para festa, só para o fim de semana. Eu uso esse estilo todos os dias. Então o objetivo é divulgar o movimento e trazer novos adeptos, se possível. Tem um registro em livro. Está documentado. Então eu espero que usem em trabalhos acadêmicos, que usem como referência em outros lugares para falar sobre o movimento e para levar conhecimento para as pessoas. É isso que eu quero.

 

Ninguém vai ficar rico com rockabilly. Depois do Brian Setzer, o vocalista dos Stray Cats, ninguém mais ficou rico com rockabilly. Não é ganhar dinheiro. Não é ganhar fama. Realmente, se eu quisesse isso, eu ia fazer alguma outra coisa. Mas o objetivo é levar conhecimento. A perspectiva, claro, é vender, pelo menos, para pagar a gráfica. É um dinheiro que eu não tenho. Mas com a venda dos livros eu vou pagando e vou juntando dinheiro para o próximo.

 

Sem holofotes, sem estrelismo. O objetivo vai ser sempre esse: levar conhecimento. Se alguém quiser me parar na rua para conversar, perguntar, ou até mesmo dizer de algo que não gostou, eu vou parar e vou conversar. O objetivo é levar o movimento para o conhecimento geral de todos. Para todos que quiserem conhecer, está aí o livro. Quem quiser conversar, estou aí também.

 

Onde o livro está à venda?

Aqui em Santa Maria, só comigo. Eu mesmo entrego. Vou até a pessoa. Mas também estou vendendo por correio. A pessoa faz o depósito na minha conta e eu mando por correio. Está à venda em São Paulo, em duas lojas e em Porto Alegre, na Casa de Cultura Mário Quintana, onde eu fiz a exposição. Está à venda também em Manaus, em uma produtora punk. Mas quem quiser pode falar diretamente comigo, que eu envio por correio. Pode ser pelo Facebook, Eduardo Molinar, ou pela conta do livro mesmo, que é “Livro Rockabilly Brasil”, no Facebook e no Instagram. Quem quiser, é só mandar mensagem lá que rapidamente eu respondo e já envio o livro, se quiser.

Reportagem: Matheus Santi

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